Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE:
Veja publicação original: Vítima de bullying, escritora transgênero Meredith Russo dava surra em valentões
Autora de “Apenas uma Garota”, livro sobre uma personagem que faz a transição de gênero, a norte-americana Meredith Russo fala sobre sua própria transição de gênero e os dramas que viveu no processo
Nenhum valentão teve a chance de praticar bullying mais de uma vez com Meredith Russo durante o ensino fundamental. Todas as vezes, a norte-americana revidou com mordidas e socos, tirando-os definitivamente de seu caminho. Nunca se acovardou na infância e seguiu assim pela vida adulta. Aos 31 anos, a transexual do sul dos EUA descobriu uma arma mais poderosa para revidar os ataques preconceituosos dos quais são vítimas gays, lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros: os livros. Ela acaba de lançar o romance “Apenas Uma Garota” (ed. Intrínseca; 240 págs.; R$ 39,90), sobre a trajetória de uma menina do Tennessee que, assim como ela, se descobre trans.
“Quero que as pessoas cisgênero [que se identificam com o gênero de nascimento] conheçam nossos problemas, e, acima de tudo, que entendam que somos como qualquer outra pessoa”, disse Meredith Russo em entrevista à Marie Claire. “Temos um coração batendo. Queremos ser amados e desejamos ir atrás de nossos sonhos em paz.” A obra, lançada em junho deste ano, é uma das poucas tramas de ficção com protagonistas trangêneros disponíveis no mercado editorial.
Nesta entrevista, a americana, que nasceu no corpo de um homem e se relaciona amorosamente com mulheres, detalha seu processo de descoberta da transexualidade, relembra o momento da revelação à família e fala sobre o preconceito. “Quero que as pessoas transexuais se sintam menos sozinhas e, talvez, possam ver que é possível ter uma vida melhor.”
Marie Claire – Como foi crescer em um Estado tão conservador como o Tennessee sendo uma mulher transexual?
Meredith Russo – Tem o lado bom e o lado ruim como em qualquer lugar. A parte difícil foi durante o ensino fundamental. Mas as piores transfobias que sofri foram em Nova York, não aqui, onde o costume é ser gentil com seus vizinhos. Já tentei viver em outros lugares, mas sou o tipo de pessoa que não consegue ficar longe de casa.
MC – Como foram esses ataques transfóbicos?
MR – Houve pessoas que falaram coisas ruins para mim na rua. Isso acontecia geralmente à noite, quando eu estava sozinha, porque os valentões são covardes.
MC – Por que foi difícil durante o ensino fundamental? Você foi vítima de bullying?
MR – Sim, mas até hoje me orgulho de pelo menos ter defendido a mim mesma. Sempre achei que era melhor perder uma briga dando socos do que sair dela sem reagir. E eu perdia mesmo. Só que que fazia os valentões irem embora com sangue no nariz e marcas de mordidas. Nenhum deles voltava a me incomodar depois disso.
MC – Como se descobriu transexual?
MR – Eu acho que sei desde pequena, mas a influência da cultura pop e de outras crianças me ensinaram que tais sentimentos e pensamentos estavam errados. Por isso tentei suprimi-los. Não foi tão difícil no início, porque meus pais deixavam minha irmã e eu brincarmos com o que gostávamos. Éramos meio molecas. Já na puberdade, fiquei deprimida. Não sabia explicar o que estava errado. Ficava profundamente triste ao pensar sobre crescer e ter barba ou me tornar pai. Me sentia morrendo. Foi assim até a faculdade, quando conheci um grupo de trans que me ajudou a desvendar tais sentimentos.
MC – Como contou para sua família sobre sua transexualidade?
MR – Eu disse, inesperadamente, que era bissexual em uma manhã quando estava a caminho de uma viagem escolar. Meus pais lidaram bem com a informação, dadas as circunstâncias. Depois, fui revelando aos poucos que sou trans. Quando encontraram em uma máquina fotográfica uma foto minha vestida de mulher, respondi que estava enfrentando problemas de identidade de gênero e fui fazer terapia. Depois, em 2013, contei publicamente em um post no Facebook que estava iniciando o processo de transição. Talvez não tenha sido a forma como eles gostariam de descobrir, mas foi como consegui falar.
MC – Qual foi a reação deles?
MR – Não foram hostis, mas ainda era o início dos anos 2000: não havia Laverne Cox ou Caitlyn Jenner para mostrar o que é ser uma trans. Por isso, eles tinham algumas preocupações. Felizmente, superamos essa fase rapidamente.
MC – Por que acha que sua família não teve problemas com sua transição?
MR – Fui abençoada com uma família artística, de mente aberta e com tendência política voltada à esquerda. Meu avô era gay, então, já tivemos esse contato com questões LGBT. Eles fizeram um bom trabalho me protegendo quando mais jovem – embora forças externas me mantiveram no armário por um tempo.
MC – Como surgiu a ideia de escrever um livro contando a história de uma menina transgênero?
MR – Eu estava iniciando minha transição e tinha muitos sentimentos para trabalhar em relação a gênero e ao local onde moro, o sul dos Estados Unidos. Na época, a jornalista Janet Mock havia ganho fama com sua transição por aqui. Senti que era o momento de começar a escrever.
MC – Você e a personagem do livro têm algo em comum?
MR – Nós duas somos trans e temos interesse em temas nerd, mas as semelhanças param por aí. Não sou heterossexual e não sou magra. Enquanto Amanda é doce, tímida e sofre com ansiedade, eu sou mais amarga, sociável e amo ser o centro das atenções.
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