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Violência contra a mulher na internet cresce na quarentena. Saiba como identificar e se defender

Saiu no site O GLOBO

Veja a publicação original:  Violência contra a mulher na internet cresce na quarentena. Saiba como identificar e se defender 

 

Denúncias de violência e discriminação online contra mulheres registradas na central da ONG SaferNet cresceram 21,27% em abril de 2020, contra igual período do ano anterior

Durante a pandemia de coronavírus, as taxas de violência doméstica cresceram em diversos países, incluindo o Brasil. Mas mesmo aquelas mulheres que não estão na mesma casa que seus agressores também podem estar mais vulneráveis. Dados da ONG SaferNet mostram que as denúncias de violência e discriminação contra mulheres em sua Central Nacional de Crimes Cibernéticos cresceram 21,27% em abril de 2020, em relação ao mesmo período no ano passado, com 667 registros. Nos casos de exposição de imagens íntimas houve um aumento de 154,90%, com 130 denúncias no último mês, das quais 70% das vítimas são mulheres.

No relatório “Covid-19 e o Combate à Violência Contra Mulheres e Meninas”, a ONU Mulheres destacou os impactos da pandemia na violência contra a mulher, incluindo a virtual. “De acordo com diversos meios de comunicação, publicações em mídias sociais e especialistas em direitos das mulheres, diferentes formas de violência online estão em ascensão, incluindo perseguição, bullying, assédio sexual e trollagem sexual”, afirmou a entidade no documento.

— As formas de nos relacionarmos estão mudando e partindo para o ambiente digital, então os crimes cometidos presencialmente passaram também para esse meio — explica a advogada Samira Pereira, mestre em Direito e Justiça Social e que atende exclusivamente mulheres. — Crimes que a gente nem imagina que possam acontecer de forma digital hoje já são discutidos nos tribunais, como o estupro. É necessário que as mulheres saibam que eles existem e que podem ser denunciados, da mesma forma que um crime presencial.

Mariana Valente, professora e doutora em Sociologia Jurídica e diretora do InternetLab, pontua que esse tipo de violência acontece muitas vezes em conexão com as atividades públicas das mulheres — como no caso de jornalistas, ativistas e influenciadoras, por exemplo — que por não poderem atuar presencialmente estão mais presentes nas redes e, por isso, podem sofrer mais ataques.

Além disso, Valente chama atenção para outro problema que pode atingir a todas as mulheres: a disseminação não consentida de imagens íntimas, também conhecida como pornografia de vingança.

— Ela é usada há muito tempo como forma de controle da sexualidade das mulheres, uma forma de puni-las por exercer essa sexualidade. Na medida que as pessoas não estão podendo exercer essa atividade fisicamente e têm se relacionado mais de forma virtual, essa é uma preocupação que aumenta — afirma.

Samira Pereira explica que a divulgação de imagens íntimas sem consentimento pode ser enquadrada em diversos crimes, inclusive nos determinados pela  Lei da Importunação Sexual, em vigor desde 2018. Ela acrescenta que, mesmo que a imagem não seja da pessoa, como no caso de montagens incluindo o rosto de uma mulher em uma cena de nudez, também se configura o crime.

Mariana Valente alerta que se a vítima for menor de 18 anos, o que vale é o Estatuto da Criança e do Adolescente, que também inclui a criminalização da divulgação da imagem íntima. Ela destaca ainda que existem diversos guias com dicas para o envio de fotos íntimas, as nudes, de forma segura, como o Safer Nudes, criado pela organização Coding Rights. A professora ressalta que, apesar de serem ferramentas que ajudam no empoderamento das mulheres, eles não devem ser considerados como uma recomendação moral.

— É importante destacar que se acontece a disseminação da imagem a culpa nunca é da vítima. Mesmo existindo as ferramentas, a pessoa não é obrigada a usar. Quem recebe é que é obrigado a não disseminar — defende.

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Quem repassa o conteúdo tendo conhecimento de que a vítima não consentiu com a divulgação está cometendo crime, ressalta a diretora do InterLab, Mariana Valente. Ela explica ainda que em alguns casos as imagens não chegam a ser postadas, mas ocorre a ameaça de divulgá-las.

— Realizamos uma pesquisa em 2016 na qual vimos que, no Judiciário, havia mais casos de ameaça e extorsão com base em imagens íntimas do que de disseminação de fato. Isso mostra que o problema é maior, porque é silencioso. Quantas mulheres estão sofrendo silenciosamente sendo ameaçadas ou extorquidas? — questiona a professora. — Em alguns casos há ameaça sem que sequer se peça alguma coisa em troca, para vermos o nível de machismo nessa violência.

Em outras situações, o agressor não pede dinheiro, mas demanda que a mulher envie vídeos praticando atos libidinosos ou de cunho sexual, e a ameaça caso não cumpra sua exigência — o que já foi reconhecido como estupro virtual.

A perseguição online é mais uma forma de violência na internet que acomete as mulheres. Samira Pereira explica que, no Brasil, ainda não existe um crime específico para esse comportamento, que já é reconhecido por exemplo nos Estados Unidos. Mas afirma ser possível enquadrar como crime de ameaça ou perturbação da tranquilidade, dependendo do grau de periculosidade. Também pode ser solicitada uma medida protetiva de afastamento prevista na Lei Maria da Penha, que impeça, por exemplo, a pessoa de entrar em contato com a mulher e seus familiares.

A violência moral contra a mulher, que pode incluir insultos, ofensas e difamações, também pode ser praticada por meio virtual. A advogada explica que esse é um tipo de crime contra a honra, e é reconhecido também na Lei Maria da Penha.

O que fazer?

Pereira indica que quando a situação é urgente — o que não costuma ser o caso da violência virtual — é preciso acionar a Polícia Militar, ligando para o 190. Mas, de forma geral, as situações no ambiente digital devem ser levadas a uma delegacia especializada no atendimento à mulher, desde que o agressor tenha algum tipo de relação com a vítima: seja da família, amigo próximo, ex ou atual companheiro. Caso não exista nenhuma relação de proximidade, é preciso fazer a denúncia na delegacia de plantão ou especializada em crimes virtuais.

Ela destaca que para registrar o boletim de ocorrência não é necessário que a mulher apresente provas, apenas seu relato:

— Algumas delegacias exigem no momento do registro da ocorrência que a mulher leve provas, principalmente quando é uma questão do meio digital. Muitas vezes são exigidas mensagens impressas, áudios ou vídeos. Mas a mulher pode sim fazer o registro mesmo sem provas, no momento de urgência e, mais tarde, para o inquérito, ela vai ter tempo para colher as provas e apresentá-las — explica.

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É importante que a vítima não destrua as provas no momento de desespero, o que é muito comum, alerta Mariana Valente. Outra opção para enfrentar a violência online mencionada por ela é por meio do processo civil, pedindo indenização por danos morais e materiais.

A diretora do InternetLab destaca ainda que nos casos da pornografia de vingança, o Marco Civil da Internet prevê medidas contra os provedores de aplicações de internet que mantenham o conteúdo íntimo de alguém sem autorização após serem notificados. Isso vale para redes sociais como Twitter, Facebook e sites pornôs, por exemplo. Mulheres vítimas desse crime, portanto, podem pedir diretamente aos sites que o conteúdo seja retirado e, caso isso não aconteça, podem mover uma ação contra o provedor para que seja removido ou pedindo uma indenização. Para isso, é importante guardar provas de que a denúncia foi feita no site, como prints da tela.

Valente também chama atenção para a conexão entre o que ocorre na internet com as dinâmicas presenciais de violência contra a mulher. Ela explica que muitos agressores têm acesso ao celular da vítima como uma forma de controle, o que pode piorar durante o isolamento domiciliar.

— É bastante comum que celulares, contas e redes sociais sejam usados pelos agressores para controlar as mulheres. O celular muitas vezes é um lugar de segurança, que conseguem usar para comunicar sobre a própria violência, e de repente elas estão tendo os telefones monitorados — afirma.

Por isso, a organização MariaLab criou um manual com dicas para ajudar mulheres a se protegerem desse problema, entre elas orientações sobre como colocar senha de bloqueio no aparelho, remover acessos indesejados e verificar se existem aplicativos “espiões” instalados no celular.

 

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