Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE
Veja publicação no site original: Uma executiva contra o capacitismo
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Conheça a história de Marne Levine, executiva do Facebook que tem perda auditiva e luta pela inclusão de deficientes no mundo do trabalho e na tecnologia
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Por Maria Laura Neves
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“A perda auditiva é invisível, mas não não somos” foi a frase que a executiva americana Marnie Levine escreveu em um post que fez em seu Instagram durante sua passagem pelo Brasil. Na foto ela posava com a brasileira Paula Pfeiffer, que, como ela, tem a audição reduzida. “Tive uma perda auditiva quando tinha 4 anos e demorei muitos tempo para procurar ajuda. Não estou sozinha: mais de 500 milhões de pessoas têm algum grau de perda auditiva mas tem medo de procurar ajuda”, continua. Na sequência, ela fala sobre a comunidade que Paula criou para que pessoas que tiveram alguma perda auditiva possam trocar experiências e encontrar suporte emocional. Faz um mea culpa de que os videos do evento que organizou não tinham legendas e diz que se sente envergonhada por isso.
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Conheci Marnie no fim do ano passado, nesta passagem relâmpago que fez pelo Brasil. Durante a conversa, ela, que é head de parcerias corporativas globais do Facebook (e ex COO do Instagram), me contou de suas fragilidades. Do medo que tinha de perceberem que ela não conseguia ouvir perfeitamente o que era dito nas reuniões, de que a deficiência auditiva fosse um impeditivo para sua carreira. O receio, claro, era em função do capacitismo (o preconceito contra deficientes físicos e intelectuais). Aqui, ela conta que graças a ascensão profissional, decidiu procurar ajuda. Em uma conversa envolvente, ela também contou que limita o tempo dos filhos – e o próprio – nos gadgets e redes sociais.
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MARIE CLAIRE Você é responsável pelos programas de comunidades do Facebook. Como elas têm fortalecido discussões sobre os direitos das mulheres?
Marne Levine As mulheres são uma parte muito ativa desses grupos em termos de formação de comunidades. Aqui no Brasil conheci a história de uma mulher muçulmana que começou a vender pratos típicos da Síria, seu país de origem. Em uma de suas entregas, a pessoa a olhou pela porta, a viu com véu, e ficou apreensiva. Ela disse: “Você está com medo?” e a outra pessoa respondeu: “Tenho que admitir que sim. Elas começaram a conversar sobre isso e hoje em dia são muito amigas. É apenas um exemplo.
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MC As mulheres estão mais dispostas a construir comunidades e a liderá-las?
ML Homens e mulheres são capazes e estão interessados em construir essas comunidades, mas penso que as mulheres têm habilidades particulares para falar sobre paixões, interesses e colaboração. Aqui no Brasil também conheci a Paula Pfeifer que faz parte de um programa de líderes do Facebook. Ela começou um grupo para promover encontros ao redor do globo entre pessoas que apresentam algum tipo de perda auditiva a fim de desestigmatizar. Por múltiplas razões, as pessoas têm medo de admitir que possuem uma deficiência auditiva. Havia um médico nesse grupo e ele acabou virando marido dela. Eu perdi minha audição quando eu tinha 4 anos. Você já sabia disso?
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MC Sim, eu li a respeito.
ML Tinha líquido nos ouvidos. Fiz uma cirurgia, colocaram tubos nos ouvidos e drenam o fluido. Porém, isso deixou uma cicatriz que foi a causa da perda. Se tirar meu aparelho auditivo, ainda podemos ter uma conversa, mas é muito desafiador para mim quando as pessoas se curvam em direção ao chão, viram de costas. Se meu marido me chamar do outro quarto, isso é um problema. Às vezes fazemos reuniões em vídeo e é difícil para mim. Por alguma razão, durante a maior parte da minha vida consegui contornar essa coisa toda. Alguns anos atrás, fiquei mais preocupada porque comecei a fazer mais falas em público e essas palestras incluem um tempo para perguntas e respostas. Não era capaz de ouvir o que as pessoas diziam. Fiquei nervosa só de pensar que estaria o tempo todo dizendo “o quê? O quê? O quê?”, porque realmente não ouvia bem. Foi então que decidi ir ao médico. Peguei os aparelhos auditivos e vi toda a tecnologia por trás deles.
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MC São quase imperceptíveis.
ML Eles são tão práticos, e no momento em que passei a usá-los tudo mudou. Isso foi em 2013, 2014… Bastante recente. No primeiro dia no escritório, entrei e disse: “Vocês não vão acreditar no que fiz hoje: coloquei aparelhos auditivos”. E um colega brincou: “Que bom, porque você não ouvia porcaria nenhuma” (risos). Eu sabia disso porque estava o tempo todo dizendo”o quê?”, então ele veio me abraçar e disse: “Estou muito feliz por você, isso é muito importante”. Quando assumi este novo cargo de execução de parcerias globais, meu antecessor tinha sido o responsável pela criação no Facebook de um grupo interno chamado “Differently Abled” [diferentemente capaz], no qual qualquer um pode auto-identificar dessa maneira. Pode ser uma deficiência física, mental, qualquer coisa. Desde que você mesmo se identifique, você pode se juntar a nós neste grupo.
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MC Ele fazia parte dele?
ML Era o responsável, mas não sei se ele se identifica. Me perguntaram se eu iria fazer parte do grupo sem saber que eu tinha isso, então respondi que adoraria e que me identifico como diferentemente capaz. Nós usamos esses grupos internamente, fazem parte da cultura da empresa. Tem sido absolutamente fascinante. Um cara que está no grupo do escritório me enviou a mensagem mais bonita que já recebi: “De todos os lugares nos quais já trabalhei, nunca tive uma liderança com quem pudesse me identificar. Tive perda auditiva e sentia vergonha disso, mas hoje me sinto livre ao ponto de conseguir falar sobre”. É muito emocionante.
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MC Vocês têm alguma política ou programa específico para incentivar a diversidade as comunidades?
ML Temos uma política para as plataformas porque queremos ser inclusivos e, por isso, qualquer pessoa pode ter a oportunidade de criar um grupo ou fazer parte de um grupo em termos de não sofrer bullying ou assédio. O que é postado nos perfis e em grupos são analisados por uma equipe. Tentamos usar uma máquina de aprendizagem de inteligência artificial para identificar determinados comportamentos que violam a política. Nós também introduzimos alguns filtros para que, antes de entrar em um grupo, você tenha que responder a perguntas. Isso ajuda o administrador do grupo a deixar de fora quem quer entrar no grupo pelas razões erradas. É interessante porque a comunidade se protege.
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MC Essa autorregulação dentro das comunidades pode funcionar uma vez que ela tenha um bom propósito. Mas como gerenciar grupos nazistas e similares?
ML Coisas ligadas à atividade odiosa violam nossas políticas e nos levam a tomar medidas, mas temos que olhar para cada uma delas, especificamente.
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MC Como você administra o seu tempo no celular? Considera-se viciada nas redes sociais?
ML Uso todos esses serviços para o trabalho, então provavelmente passo mais tempo neles do que a maioria das pessoas. Quando cheguei no Facebook, pensei que passar o dia todo no Face seri fantásstico – usamos ferramentas colaborativas internamente. Mas como em qualquer outro aspecto da vida, há muitas coisas que disputam nosso tempo. Meus filhos, meu marido, meus amigos e as muitas outras formas entretenimento. Gosto muito de ler, tenho o meu próprio clube do livro com mulheres e também tenho um clube do livro mãe-filho. Para usufruir de todas essas coisas, preciso que meu trabalho esteja feito. Uma das coisas à qual começamos a nos dedicar quando eu estava trabalhando no Instagram era dar ferramentas para que as pessoas pudessem gerenciar seu tempo e entender o que estava acontecendo. Introduzimos uma série de ferramentas em nossos serviços para que o usuário possa definir quanto tempo quer gastar. E nós temos transparência, você pode ver por quanto tempo está lá. Mas essa é uma luta que travo com meus filhos, é preciso colocar limites. Eles costumam dizer: “Passei dez minutos”, quando estão há 35 usando os aparelhos. Também faço isso comigo mesma. Tento ajudar meus filhos a fazer o mesmo, mas acho que a questão toda é como você prioriza o seu tempo, sendo a tecnologia uma delas.
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MC Quais são as regras em sua casa com seus filhos?
ML Nenhum dispositivo vai para a mesa de jantar, de forma de alguma. Para começar, meu filho mais novo não tem um telefone, o meu mais velho não leva seus dispositivos para a mesa e nós geralmente limitamos o seu tempo de uso durante a semana. Mas é desafiador, porque ambos têm lição de casa que é passada através de algum tipo de dispositivo. O que penso é que eles têm que aprender a lidar com isso, vai ser parte de suas vidas. Outras das minhas regras são: sem dispositivos no banheiro, apenas em espaços comuns, e esses dispositivos ficam no andar de baixo da casa. Quando eles sobem as escadas, não vão com nenhum deles.
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MC Você usa seu telefone em seu quarto?
ML Eu? Sim (risos). É terrível. Meu marido faz uma brincadeira comigo que é me enviar mensagem quando estamos juntos no quarto. Quando isso acontece, olho para ele e digo: “Jura?”. Ele responde: “Quero ter a sua atenção, essa é a melhor maneira de conseguir” (risos). É embaraçoso, mas leio todas as minhas coisas online.
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