Saiu no site REVISTA CLAUDIA
Veja a publicação original: Uma carta aberta para a Anitta
A escritora Juliana Borges comenta sobre as recentes lives da cantora sobre política e das cobranças que vem fazendo aos parlamentares em suas redes sociais
São Paulo, 17 de maio de 2020
Anitta, eu não sei bem como começar esse diário, mas ele é oferecido para você. Nem sei se eu deveria dizer, acho que vou sofrer uma torrente de críticas, mas eu não estou muito aí para isso. O fato é que eu queria te dizer para você continuar o que está fazendo.
Para quem não sabe, a cantora Anitta está com tudo nessa quarentena. Ela tem dialogado com parlamentares, demandando esclarecimentos sobre matérias importantes que tramitam no Congresso Nacional. A coisa começou a esquentar na discussão, melhor dizer no questionamento, do setor artístico sobre a Medida Provisória 948/20, que impactaria no recebimento de direitos autorais para vários artistas. Daí, para a nossa sorte, Anitta se empolgou. Também se levantou em suas redes pedindo mobilização das pessoas contra a MP 910, conhecida como “MP da Grilagem”, com forte apoio da bancada ruralista. A medida anistiaria pessoas que invadiram terras públicas, principalmente na Amazônia. E, depois disso, mais maravilhosidade com as lives em que ela aprende e compartilha o aprendizado sobre política, com uma linguagem facilitada.
Mas nem tudo são flores e nunca é possível agradar gregos e troianos. Uma série de críticas começaram a surgir. De um lado, os que desqualificam quando uma mulher resolve se posicionar, principalmente na esfera política. O tipo de comentário, nem vale a pena reproduzir. E de outro, para a minha mais gigante surpresa, foi de setores progressistas cobrando o fato da cantora não ter se posicionado sobre política anteriormente.
Com este panorama, eu reafirmo: vai, malandra! É um humilde pedido de quem não aguenta mais notas de repúdio dos progressistas. Notas que têm dialogado apenas dentro da própria bolha, que não tem ampliado o diálogo com ninguém. E, puxa, como precisamos do diálogo. Mais do que nunca. Eu concordo com você, Anitta, quando diz que as críticas são sintomas do quanto o nosso país se estagna e, pior, retrocede. A negação das pessoas em relação à produção científica não acontece simplesmente porque pessoas são burras (podem até existir os ignorantes de carteirinha e os mal-intencionados, mas não acredito que sejam a maioria), mas porque temos um modelo acadêmico que dialoga e demonstra pouco à sociedade o seu trabalho. Isso, obviamente, é uma discussão mais complexa, que também envolve o funcionamento do nosso Estado, que tem diminuído investimentos na ciência ou nunca deu a devida importância para o desenvolvimento de tecnologias e da ciência (entendendo-a aqui com muito mais do que as biomédicas), como seria necessário em um país forte e de dimensão continental como o Brasil. Mas esse ar de superioridade ativista precisa acabar.
Eu me senti extremamente animada ao saber que mais de 3 milhões de pessoas, só na sua primeira live, haviam acompanhado e aprendido o que são e como funcionam os três poderes. Para mim, esse é um pilar fundamental se queremos construir cidadania plena, em que todos passam a compreender melhor os seus direitos, e não só os deveres, em uma sociedade, para que a gente seja, o que chamamos, sujeitos políticos de direitos. Sabe, Anitta, uma das piores coisas que acontecem e fazem com que as pessoas fiquem paradas e não lutem pelos seus direitos é não saberem quais direitos têm e nem como funcionam as instituições que deveriam representá-las, mas que precisam de controle social. Precisam que a gente esteja próximos e atuantes.
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