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Uma atividade de risco: mulheres que pesquisam sobre mulheres

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Veja publicação no site original: Uma atividade de risco: mulheres que pesquisam sobre mulheres

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Dossiê reúne fotos, prints de publicações em redes sociais e informações pessoais de bolsistas de produtividade do CNPq

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Por Juliana Diniz

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No início de novembro de 2019, uma notícia acerca da articulação do governo federal no Congresso Nacional acendeu um alerta na comunidade científica: mulheres que pesquisam sobre mulheres e acadêmicos especializados em estudos de gênero podem estar em risco.

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De acordo com a coluna do Estadão publicada no dia 9 daquele mês, emissários da Esplanada distribuíram entre parlamentares um dossiê contendo informações sobre pesquisadores que se dedicam a estudar gênero e ditaduras latino-americanas. O dossiê reúne fotos, prints de publicações em redes sociais e informações pessoais dos bolsistas de produtividade do CNPq e teria sido produzido como arma para convencer deputados e senadores a encampar o projeto do governo de fundir a CAPES e o CNPq.

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O ponto levantado pelo governo para produzir o dossiê foi o desperdício do investimento público em áreas das humanidades consideradas não-prioritárias ou estratégicas.

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Alegando o caráter não-científico do trabalho dos bolsistas incluídos no material, o governo almeja minar a destinação de recursos para o financiamento das pesquisas que sejam contrárias à ideologia ultraconservadora e ao programa do governo.

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A postura do governo sobre as humanidades é, em si, um assunto interessante para refletirmos sobre aspectos que os estudos de gênero problematizam: representatividade, visibilidade e silenciamento.

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A quem interessa silenciar as mulheres que pesquisam e produzem conhecimento sobre as mulheres? Que instituições estão legitimadas a definir as prioridades de investimento público em pesquisa científica?

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Um dos impactos mais significativos da inclusão de mulheres no ensino superior foi a mudança lenta, mas irreversível, da agenda de pesquisa nas universidades. A formação de pesquisadoras aptas a atuar nos mais diversos campos de conhecimento levou para o interior da academia problemas sociais e políticos da vida das mulheres, indicando que há uma íntima relação entre representação e visibilidade: as prioridades e os temas de pesquisa mudam a depender da perspectiva de quem é o sujeito-pesquisador.

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Seguindo uma tendência observada não só no Brasil, mas nas democracias ocidentais como um todo, os chamados estudos de gênero passaram a ocupar uma parte significativa da pauta das ciências sociais. A produção bibliográfica se multiplicou, e novas gerações de alunas e professoras encontraram um campo mais fértil para se dedicar ao estudo sobre sua condição histórica e questionar os discursos tradicionais acerca do lugar e destino social da mulher.

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São estudos provocadores de tensões porque em seu âmago está explícito um questionamento sobre as assimétricas relações de poder que estruturam a sociedade e que se manifestam também nas hierarquias e sistemas de exclusão que operam no interior das universidades.

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O trabalho do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Inclusão na Academia (GPEIA-USP) é um ótimo exemplo de como esse campo de reflexões pode apontar problemas estruturais na raiz das organizações curriculares. O livro “Interações de gênero nas salas de aula da Faculdade de Direito da USP: um currículo oculto?” provocou uma discussão ampla sobre as práticas docentes e a estrutura administrativa do curso de Direito mais antigo do Brasil.

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É por essa razão que, para os mais puristas, os estudos de gênero, não raro, se confundem com uma “militância”: seu teor é declaradamente crítico e seu potencial é transformador.

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A tentativa de asfixiar essa pauta no interior das universidades é preocupante, porque o resultado é o retrocesso das conquistas de igualdade em um campo politicamente estratégico: os espaços de produção de conhecimento científico institucionalmente legitimado.

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Em documento produzido no Encontro Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-graduação, representantes de mais de 245 universidade manifestaram o repúdio às movimentações do governo federal referentes à produção do dossiê.

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Na nota divulgada em 13 de novembro do ano passado, denunciaram o que seria um desrespeito à livre expressão da atividade intelectual, uma tentativa de desqualificar o trabalho científico dos bolsistas de produtividade e de provocar a exposição pessoal dos pesquisadores, com risco à sua segurança.

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Como resposta institucional da academia, a nota de repúdio não poderia ter sido mais precisa ao avaliar a medida que busca desestruturar os estudos de gênero no Brasil.

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Trata-se, segundo a nota, de “uma tentativa grotesca de intimidação”, que serve como péssimo de exemplo de falta de ética científica. Que a comunidade acadêmica possa definir seus próprios temas prioritários e sua agenda de pesquisa é fundamental não só para sua autonomia institucional, mas para a qualidade do que ela oferece como resposta à sociedade. A diversidade de pesquisadores e de interesses de pesquisa é o princípio verdadeiramente estratégico a se proteger: é garantia contra a invisibilidade, o silenciamento e a perpetuação da desigualdade.

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