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Por: Andréa Martinelli
Ela foi uma feminista antes do seu tempo, incorporou com autenticidade símbolos mexicanos e indígenas em sua arte, se transformou em um ícone do surrealismo e fez com que sua força se perpetuasse no tempo. E, sim, ela também era a esposa do famoso muralista mexicano, Diego Rivera.
Quem não gostaria de ser influenciada por Frida Kahlo em uma época em que o mundo escolhia colocar as mulheres no lugar de objeto e não como protagonista em sua própria arte?
Em 1933, Florence Davies, uma jornalista de Detroit, nos Estados Unidos, em sua coluna no jornal da cidade chamada “Garotas do Ano Anterior” (em tradução livre), com uma sessão batizada de “Visitando Casas de Pessoas Interessantes”, escreveu sobre o trabalho de Frida após uma conversa com ela.
Um ano antes, Diego Rivera viajou à Detroit para executar um enorme mural encomendado pelo Instituto de Artes de Detroit (DIA), e levou sua esposa, Frida Kahlo, com ele. O artigo da década de 30 foi recuperado e divulgado recentemente pela página “Women You Should Know”, no Facebook.
E o título usado pela jornalista foi:
“Esposa do mestre do muralismo brinca alegremente com arte”
Durante o texto, Kahlo é descrita por Davies como “a esposa atrevida, mas adorável” do “mestre muralista” Diego Rivera. Para a jornalista, ela não é “Frida Kahlo” mas sim, “Senora Rivera”.
Davies escreve:
“Sua esposa, Carmen Rivera, ou ‘Frida’ como seus amigos a chamam, é uma pintora, com sua própria personalidade, mesmo que poucas pessoas saibam disso”.
E Frida responde quando a jornalista pergunta a ela se “aprendeu a pintar” por causa de Diego Rivera:
“Eu não aprendi com Diego. Eu não estudei com ninguém. Eu simplesmente comecei a pintar”.
“Em determinado ponto”, escreve Davies sobre Kahlo, “seus olhos começam a brilhar enquanto ela continua a responder”. E a resposta de Frida é:
“É claro que ele [Diego Rivera] é muito bom para um garotinho, mas sou eu quem sou O grande artista”.
No texto, a jornalista descreve que:
Enquanto Rivera pinta com pincéis rústicos em um grande mural, sua esposa, ela mesma uma miniatura, uma pessoa pequena, com tranças longas e pretas feitas delicadamente sobre sua cabeça e com um avental estúpido sobre seu vestido de seda preta.
No entanto, apesar da confiança e da intenção séria colocada em seu trabalho — retratada, inclusive, na foto usada no artigo –, a jornalista ainda descreve como “habilidosa e linda” a arte de Kahlo, sem utilizar termos técnicos ou citar o tipo de pincel usado por ela, por exemplo.
Na época da publicação, Kahlo tinha 26 anos. Um ano antes, a artista sofreu um aborto espontâneo no hospital Henry Ford, em Detroit, e ficou 13 dias internada. Este foi o segundo aborto que Frida sofreu.
O acontecimento foi retratado em diversas de suas obras. Em sua única incursão na litogravura, a obra “Frida e o aborto”, explora a anatomia para retratar seus sentimentos. No mesmo ano, em 15 de setembro, a mãe de Frida morreu de câncer.
O que os dois artistas produziram entre 1932 e 33 em Detroit marcou o ponto alto da carreira de cada um deles, segundo biografia de Gerry Souter sobre Frida.
Para Rivera, a execução de um dos murais considerado como uma obra-prima. Para Kahlo, a época foi de intensa produção de auto-retratos e pinturas narrativas que abordam temas como parto, aborto e suicídio.
Em tempo:
Aos 18 anos, Frida Kahlo sofreu um acidente de ônibus em que teve seu útero perfurado e sua perna direita esmagada. Embora ela tenha conseguido voltar a andar, a artista não conseguiu ter filhos e sofreu com fortes dores durante sua vida. Mas foi durante a recuperação do acidente que Kahlo tomou a pintura e a arte como suas, entrelaçando elementos da mitologia mexicana e de seus próprios sonhos, para transgredir sua dor.
Segundo o site Open Culture, durante a estadia do casal da cidade, a mesma jornalista escreveu uma coluna sobre Diego Rivera. Desta vez, o título não menciona “Senora Rivera” e a coloca sempre como um acessório em função do marido. No artigo, ela continua a descrever Kahlo por sua aparência, diz que “Frida chegou para roubar a cena” e não cita seus feitos artísticos. “Ela pinta com muito charme”, descreve.
Seis anos depois, em 1939, Kahlo certamente surpreendeu quem achava que ela estava à sombra de Diego. Neste ano, aconteceu sua primeira exibição individual em Nova York, nos Estados Unidos, incentivada, principalmente, por André Breton, escritor, poeta e famoso teórico do surrealismo. A próxima parada foi uma exposição em Paris e Frida chegou a ter um de seus quadros expostos no Museu do Louvre.
Então, um homem que pinta é um ‘mestre’.
Mas uma mulher que pinta, simplesmente ‘brinca’?
A resposta de Frida é a que importa:
“É claro que ele [Diego Rivera] é muito bom para um garotinho, mas eu é quem sou A grande artista”.
Veja publicação original: Um jornal em 1933 descreveu Frida Kahlo apenas como ‘mulher de Diego Rivera