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Ministro Luis Felipe Salomão, relator, detalha no voto a superação de preconceitos e estereótipos e a realização do principio da dignidade da pessoa humana.
Uma decisão inédita na 4ª turma do STJ: acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, o colegiado garantiu o direito a transexual que não realizou cirurgia a alterar o seu registro civil.
O caso julgado é de uma pessoa que, nascida homem, atualmente vive em Paris, em união estável com francês, trabalhando em salão de beleza e assumindo em tudo as características do gênero feminino.
Superação de preconceitos e estereótipos
No voto paradigmático, o ministro Salomão destacou a missão constitucional da Corte de guardião e intérprete da legislação Federal, funcionando como verdadeiro “Tribunal da Cidadania”, considerando a dinâmica das transformações sociais. Assim sendo, ponderou, o exame da controvérsia reclama:
“A superação de preconceitos e estereótipos, bem como o exercício da alteridade, isto é, a capacidade de se colocar no lugar do outro, notadamente em razão do contexto social atual: uma sociedade que adota um sistema binário de gênero, dividindo as pessoas entre mulheres (feminino) e homens (masculino) – cada qual com um papel social definido e dotado de atributos específicos -, e que marginaliza e/ou estigmatiza os indivíduos fora do padrão heteronormativo.”
O longuíssimo voto faz uma distinção entre os conceitos jurídicos sobre sexo, identidade de gênero e orientação sexual, além de distinguir a transexualidade das demais dissidências existenciais de gênero.
Dignidade da pessoa humana
Segundo o ministro Salomão, a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
S. Exa. lembrou no voto a realidade de violência vivida por transexuais no país, notadamente à vista da documentação apresentada – que revela incongruência entre o sexo biológico e sua identidade de gênero. A “transfobia” tem crescido no Brasil, país onde mais ocorrem homicídios de pessoas transexuais no mundo (689 mortes entre janeiro de 2008 e dezembro de 2014), segundo noticia a organização Transgender Europe.
De acordo com o relator, em muitos países já existe legislação que não condiciona o exercício do direito à realização da cirurgia de adequação sexual.
“A recusa da alteração de gênero de transexual com base na falta de realização de cirurgia de transgenitalização ofende a cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana. (…) A compreensão de vida digna abrange, assim, o direito de serem identificados, civil e socialmente, de forma coerente com a realidade psicossocial vivenciada, a fim de ser combatida, concretamente, qualquer discriminação ou abuso violadores do exercício de sua personalidade.”
Dessa forma, destaca no voto, a exigência de cirurgia para viabilizar a mudança do sexo registral “vai de encontro à defesa dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos – máxime diante dos custos e da impossibilidade física desta cirurgia para alguns -, por condicionar o exercício do direito à personalidade à realização de mutilação física, extremamente traumática, sujeita a potenciais sequelas (como necrose e incontinência urinária, entre outras) e riscos (inclusive de perda completa da estrutura genital)”.
O voto do ministro Luis Felipe Salomão foi seguido por três dos quatro colegas de turma, garantindo ao requerente o direito de mudança do registro civil.
PUBLICAÇÃO ORIGINAL: TRANSEXUAL TEM DIREITO A ALTERAR REGISTRO CIVIL SEM A NECESSIDADE DE CIRURGIA