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Veja publicação original: Temos que parar de perguntar: “mas o que essa mulher estava fazendo lá?”
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Por Lia Bock
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Eu sei, é mais forte do que nós. Quando percebemos, já estamos fazendo esse tipo de pergunta: “mas o que ela estava fazendo lá?”. Seja lá uma rua na madrugada, um jogo de futebol ou o primeiro encontro com o moço do aplicativo. É inevitável, porque crescemos nesta sociedade que por séculos relegou a mulher ao lar, à luz do dia e ao casamento infeliz onde só o homem pula a cerca.
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Isso porque a roupa, a hora e o comportamento feminino, culturalmente, foram delimitados pela lógica do macho, do dono.
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Então, por mais que tenhamos mudado nosso jeito de ver a mulher no mundo, quando nos distraímos estamos questionando a postura de quem sofreu violência. Chega ao ponto de nos perguntarmos “por que ela não se separou dele antes?” quando, já morta, a vítima é empurrada pra berlinda.
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É preciso um esforço, é preciso treino e auto policiamento para evitarmos esse caminho, que, mesmo não querendo fazer por mal e condenando o ocorrido, coloca a vítima na posição de culpada. Isso não só devolve a mulher a um lugar já superado, como esvazia a motivação do verdadeiro culpado. Seja ele o marido abusador ou a falta de segurança e a impunidade regidas pelo Estado.
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A lógica do “o que ela estava fazendo lá?” precisa ser revista antes que esse tipo de frase saia da nossa boca. Do mesmo jeito que não nos perguntamos o que as 166 pessoas estavam fazendo em Brumadinho quando a barragem rompeu, não devemos dizer isso da moça que sai com um sujeito pela primeira vez ou que leva seu filho a um jogo de futebol.
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E vejam, não estou falando dos outros (homens ou mulheres, conservadores ou alternativos). Acho mesmo que essa lógica está impregnada em todos nós. O exercício precisa ser conjunto e efetivo. Precisa ser parceiro. Porque não se trata de apontar o dedo, mas de superar essa fase em que, no fundo, se tira a liberdade da mulher e protege os agressores.
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Precisamos corrigir esta rota, antes que ela nos leve de volta para o lugar de onde viemos, sob as barbas do patriarcado (pai, marido ou irmão), dentro de casa e sem poder de decisão. É preciso corrigir esta rota que já protegeu muito agressor e assassino. E é preciso que isso comece em cada um de nós, nas pequenas coisas, para que ali na frente nos livremos deste infeliz pré-julgamento que regado de machismo condena a vítima antes do crime chegar ao tribunal.
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