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Veja publicação original: Tatiana Bastos, uma delegada de polícia na cruzada contra a violência doméstica
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Para a titular da Delegacia da Mulher de Porto Alegre, educação é fundamental para combater crimes de gênero: “Somos um pedacinho de uma engrenagem que depende de desconstrução.”
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Estar à frente da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Porto Alegre é sobretudo um exercício de resiliência para Tatiana Barreira Bastos. “São sempre os mesmos casos, as mesmas mulheres. Em um roubo, tu prendes o agressor, recuperas o objeto e fecha-se o caso. Aqui, a mulher vem, denuncia, volta para casa, volta a sofrer violência, talvez se torne vítima de um feminicídio. É um ciclo do qual elas não conseguem sair”, descreve a delegada.
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Tatiana é a titular da Deam desde outubro de 2016, e delegada de Polícia Civil desde 2004. De lá para cá, já passou por duas delegacias do interior e três da região metropolitana da capital gaúcha; integrou a coordenação das operações de segurança para os jogos Panamericanos do Rio de 2007 para a Copa do Mundo de 2014; coordenou por quatro anos o programa RS na Paz, um projeto de acolhimento a vítimas de violência em geral; e teve dois filhos (o primogênito, hoje com 24 anos, nasceu quando ela era adolescente). Hoje, é também a subcoordenadora das 22 Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher do Rio Grande do Sul.
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Somos apenas um pedacinho de uma engrenagem que depende de uma desconstrução. Tem todo um processo machista e patriarcal que joga a mulher no ciclo de violência.
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Tem todo um processo machista e patriarcal que joga a mulher no ciclo de violência. Estamos aqui lutando para desconstruir isso.
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Na equipe da delegacia, apenas dois plantonistas são homens. É mais confortável para as vítimas deporem diante de outra mulher, explica Tatiana. “Quando chegam aqui, é o momento mais tenso. Elas choram, estão machucadas, acham que o agressor as está perseguindo, esperando do lado de fora. Às vezes, passam mal e precisamos chamar ambulância”. As vítimas deixam a Deam com boletim de ocorrência, medida protetiva e demais encaminhamentos necessários. Mas acabam voltando para casa. “Elas voltam para o agressor, sobretudo, por uma dependência psicológica e afetiva. Suas referências normalmente são relações abusivas e violentas. Têm conceitos deturpados de afeto, confundem controle com ciúme, dependência com amor”, explica Tatiana.
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Essa é uma das formas mais democráticas de violência. Uma em cada 4 mulheres no Brasil sofre algum tipo de violência doméstica ou familiar, mas só 10% denunciam.
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E como quebrar esse ciclo? “Se pudesse resumir tudo em uma coisa só: recuperar a autoestima”. As vítimas de violência doméstica normalmente são afastadas do convívio com a própria família e amigos, ficam isoladas, são tachadas de loucas e histéricas. “Precisamos fortalecer essa mulher, recuperar a autonomia dela. Minha parte (na delegacia) é importante, mas é a menos importante nessa engrenagem toda”.
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Meu trabalho é um pedacinho da engrenagem. Ela volta para o agressor, e volta aqui de novo. Tenho de estar pronta para acolhê-la quantas vezes ela precisar.
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E a engrenagem é muito maior do que a Polícia consegue dimensionar: segundo Tatiana, apenas 10% dos crimes de violência doméstica são denunciados no Brasil; nestes casos, 87% dos agressores são o marido ou companheiro. “Em média, a mulher sofre violência por 10 anos até resolver pedir ajuda”, diz ela. Além disso, só as mais pobres procuram a polícia. “Mulheres de alto poder aquisitivo resolvem de outra maneira. Procuram médico, advogado, psicólogo. Não se expõem”, afirma a delegada.
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É difícil romper o ciclo por questões culturais. São mulheres machistas, que acham que têm de tolerar a violência porque a mãe tolerou, a irmã tolera.
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Desafios não assustam mais a mulher que cresceu sabendo que seria policial. Filha de policiais federais, Tatiana engravidou pela primeira vez com apenas 14 anos. Contra a vontade da família, decidiu que sairia de casa e criaria o bebê junto ao então companheiro. Começou a trabalhar com 15 anos. Aos 20, se separou. Formou-se em direito, fez concurso público e partiu com o primogênito para o interior quando assumiu o posto de delegada, aos 25 anos. Casou novamente, e hoje divide com o marido a criação dos filhos mais novos, de sete e dois anos.
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Para eu conseguir atender alguém e não julgar, criar empatia com essa mulher, escutar o desabafo dela, eu precisei me preparar, estudar muito.
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Para a delegada, os casos mais difíceis são os feminicídios tentados – às vezes mais cruéis do que os consumados. O caso mais emblemático para ela foi o de uma jovem atacada com ácido pelo próprio namorado. Ela chegou à delegacia segurando um dos olhos. Perdeu a visão, ficou estéril. “Um corpo é um corpo. Mas ver uma pessoa agonizando, em sofrimento, me marca mais emocionalmente”, diz.
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Como identificar a violência contra a mulher, segundo a Polícia Civil:
· Ter medo do homem com quem se convive
· Ser agredida e humilhada
· Sentir insegurança na sua própria casa
· Ser obrigada a manter relações sexuais
· Ter seus objetos e documentos destruídos ou escondidos
· Ser intimidada com arma de fogo ou faca
· Ser forçada a “retirar queixa”
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Na Deam, Tatiana faz questão de manter um ritmo de operações policiais e prisões – em junho, deteve 16 agressores preventivamente, além dos presos em flagrante. Para ela, esta é a forma de a delegacia da mulher conquistar respeito e deixar de ser vista como uma “delegacia social”. “A instituição vai te enxergar se tu tiveres uma boa meta operacional”.
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Ao mesmo tempo, faz questão de palestrar em escolas, empresas, eventos, o que para ela é um investimento em educação. A violência doméstica, argumenta, é “a origem de todas as violências”: vira exemplo para as crianças dentro de casa. E esse exemplo precisa ser combatido e extirpado.
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Ficha Técnica #TodoDiaDelas
Texto: Isabel Marchezan
Imagem: Caroline Bicocchi
Edição: Andréa Martinelli
Figurino: C&A
Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC
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