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Suzana Pires: Sim, somos gostosas AND inteligentes pacas (apenas o fim do mito da bonita e burra)

Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE:

 

Veja publicação original:    Suzana Pires: Sim, somos gostosas AND inteligentes pacas (apenas o fim do mito da bonita e burra)

 

Nossa colunista prova, como 1 + 1 é igual a 2, que toda mulher bonita é inteligente sim e pode reinar absoluto no âmbito profissional

 

Amigas, salve, salve! Mais uma quarta-feira trocando ideias com vocês, leitoras deusas!!! A questão de hoje é o mito da BONITA e BURRA. Quem de nós não foi (ou ainda é) vítima desse estigma? Se você for uma profissional de áreas antes reservadas somente aos homens, seu calvário será ainda mais pesado – e até que você entenda rápido que não, sua beleza não impede a existência da sua inteligência, pode ser tarde demais para a sua combalida autoestima. Porque sim: os ataques serão diários e travestidos até de gentilezas, mas sempre diminuindo suas capacidades, trazendo consequências drásticas ao seu crescimento profissional e, principalmente, à empresa que você trabalha que não se beneficiará da sua profunda inteligência. Para que você brilhe e mostre aos seus colegas com quem eles estão lidando será preciso dar um chute (de scarpin mesmo) no mito de que por você ser gostosa, você não pensa. E quando eu digo chute, é quase real mesmo, mana!

Uma primeira possibilidade de domesticação dos bárbaros(que foram, coitados, educados para olhar para uma mulher e só reparar no seu corpo e jamais levar em consideração sua mente) é a de FAZER A SINCERONA. E, para exemplificar esse método, vou contar para vocês a história de G, 48 anos. Engenheira eletrônica numa empresa de telecomunicações, era a única mulher na equipe operacional de telefonia e, por ter o QI bem alto, estava formada na escola técnica desde os 16 anos – e já trabalhando!  Imaginem: uma menina de 16 anos, morena, de cintura fina, coxas grossas, seios fartos, cabelos longos trabalhando numa equipe de homens dos seus 24 anos, recém-formados e forjados para imaginarem tudo sobre aquela garota, exceto lidar com sua genialidade. De início, G. sofreu o tranco: era deixada de lado na hora de almoçar, jamais era inserida na cumplicidade das piadas, não conseguia colocar seu ponto de vista ou sua sugestão técnica em nenhum momento, era cortada no início de todas as suas frases e ouvia, diariamente, a pergunta que não queria calar: o que ela estava fazendo ali? Como ela havia passado na prova? Como???!!!

Isso era final dos anos 80, momento em que o Brasil nem sabia que era machista. As coisas eram assim e ponto. Raras mulheres trabalhavam em grandes empresas e uma nova geração surgia ali: a das meninas superinteligentes. Então, antes disso não tínhamos meninas inteligentes? Não, amiga. Antes, a maioria nem ousava afirmar para o mundo que tinha conhecimento, muito menos a ousadia de encarar o mundo assim. Seria necessária uma força descomunal para primeiro ser ouvida na família, imagina no trabalho! No entanto, nos anos 80 a liberdade feminina desembocou com força e sem a cortina de fumaça dos loucos anos 60 e 70 – que, importante afirmar, foram fundamentais para nosso processo, porque foram nessas décadas que quebramos a caixa, nos revoltamos, questionamos, nos drogamos, percebemos que poderíamos transar pelo prazer e que poderíamos controlar a procriação. Na música brasileira, Rita Lee, Elis Regina, Maísa, Baby Consuelo e outras tantas agiram saindo da caixa que as colocaram, mostrando para as mulheres que era possível pensar e agir por si mesma!

Através das ações femininas dos anos 60 e 70, chegamos aos anos 80 não com a nossa liberdade soando rebeldia, mas como tomada de decisão. A minissaia, a pílula e o divórcio já eram permitidos no Brasil, os números de mulheres com curso superior crescia e algumas já estavam trabalhando em postos antes designados somente aos homens. Começava a aparecer a figura da mulher nas grandes empresas e é nesse contexto onde G. surgiu como técnica em eletrônica e estudante de engenharia.

Depois de algum tempo sofrendo assédios morais (relacionados a diminuição da sua inteligência pelo fato de ser bela), ela entendeu que só teria uma maneira de sobreviver àquele ambiente hostil: sendo a pessoa mais SINCERONA já vista, causando impacto na sua equipe de garotos com limitações históricas. E assim ela fez: calça jeans surrada, uma camiseta de malha jogada por cima, tênis, cabelo preso, a voz no grave e o volume alto. Passou a chama-los de “ô cidadão!” e seguia sempre com “você tá pensando o que da vida? Não sou sua mamãezinha, não! Nem sua namoradinha! Então, deixa eu falar! Eu, hein!”
Na primeira vez que G. agiu assim, eles se entreolharam sem entender nada, mas seguiram com o bullying e G. teve que exagerar na dose de foras e sinceridades recorrendo a: “vai ver se eu tô lá na esquina, seu energúmeno!” ou “vocês não sabem de nada! Eu vou fazer do meu jeito, seus insuportáveis!” Ela encerrou sua carreira de sorrisos e gentilezas e a boa garota desapareceu do seu radar, fazendo G. ir com tudo na sua postura sincerona beirando a louca agressiva.

Tal comportamento foi valioso para que ela se tornasse a melhor engenheira da seção que trabalhava e também a mais respeitada, afinal, todos tinham medo da sua loucura e sua fama de durona se espalhou por todo o mercado.

Seu coração de ouro era visto na justiça com que tratava as pessoas que a cercavam. Até hoje é conhecida por ser uma das mulheres mais incríveis que seus colegas já trabalharam: caráter, conhecimento e um coração justo sempre fizeram parte da sua gênese e a agressividade antes utilizada deu lugar a uma mulher que não precisava falar duas vezes para que algo fosse feito.

Uma outra maneira de encarar AND desmontar o mito da bonita e burra é FAZENDO A SHOW-WOMAN. Ou você é realmente uma show-woman como Madonna, Beyoncé ou Rihanna (que dispensam minha humilde análise sendo as três mulheres da música que mais nos deram poder dos anos 80 para cá) ou você não é uma artista, mas tem alma de. Se você for assim, minha amiga, prepare-se: tenho a história exata para você quebrar o estigma de que sua beleza impede sua excelência e deixar seus colegas de trabalho atônitos (sim, os homens ainda ficam sem saber lidar com uma show-woman na sala de reunião).

Seja LOUCA! Seja OUSADA! Seja ESPAÇOSA! Seja DIFERENTE!

Vamos conhecer a história de K., 50 anos, mestre de obras. Imagine uma mulher negra, de 25 anos, com um dos corpos mais belos que já se teve notícia, cabelo rastafári (quando a moda era alisar), dois filhos e separada do marido (que havia sumido). Ela, sem curso superior, tendo parado de estudar na oitava série e com um talento nato para: obras. Imaginou essa mulher? Pois é. K. desenvolveu seu talento para levantar paredes, contra pisos, rede hidráulica e rede elétrica trabalhando em pequenas obras, mostrando que sua beleza não a impediam de ser competente e extremamente cuidadosa na hora de fazer o piso da casa de alguém.

De pequenas obras, K. foi admitida numa grande obra de engenharia como assistente de pedreiro (sim, no masculino mesmo). Ela estava animada, pois finalmente teria a carteira assinada por uma empresa de engenharia civil, com benefícios da CLT como férias e 13º, podendo garantir melhores condições de vida para os dois filhos que criava – lembrem: sozinha.

Para contextualizar melhor, era final dos anos 90 e na virada para o século XXI  a moda de pensar o que seria do mundo dali para frente estava a todo vapor. Portanto, uma mulher trabalhando num ambiente jamais imaginado para ela chamava atenção da mídia, gerava interesse e chegamos à era das mulheres-fenômenos. K. se encaixa muito bem nessa categoria, sendo uma das pouquíssimas mulheres trabalhando na construção civil no Brasil. Na situação de vida dela seria mais adequado que ela trabalhasse como empregada doméstica, caixa de supermercados, cabeleireira, manicure, mas jamais como pedreira! Mas, K. não se deixou levar pelo que esperavam dela e construiu sua vida à sua maneira, sem perceber que naquele momento que estava “capinando com a mão e sozinha” mais um espaço feminino na sociedade. Viva K.!

K. não era uma moça ingênua vinda da protegida classe média. Não. K. vinha da periferia, fazia parte do grande número de mulheres abandonadas pelo pai dos filhos, que eram vistas socialmente como “gostosonas” e assim eram tratadas. K. vinha encarando sua vida com muita propriedade e garra e sabia que se chegasse ao seu primeiro dia de trabalho na obra de uma maneira suave, iria sofrer demais para demarcar seu território. Pois bem, K. chegou mais show-woman do que nunca! Seu rastafári foi cuidadosamente feito para aquele dia e em cada trança havia uma fita de cada cor, conferindo à sua cabeça uma espécie de coroa natural. Não foi por estar indo para a obra que não se enfeitou: colocou brincos grandes, unhas vermelhas, pulseiras, colares e maquiagem! Sim, K. pintou os olhos, a boca, se enfiou numa calça jeans justa, sapatos altos e camiseta. Agora calculem essa mulher chegando numa obra para trabalhar! Todos pararam para olhá-la e, em vez de se deixar intimidar pelos olhares curiosos, alguns gulosos e outros debochados, ela fez um belo CATWALK em direção a máquina de ponto cumprimentando a todos que a olhavam, sorrindo seu melhor sorriso. Bateu seu ponto, pegou seu uniforme, foi apresentada a todos pelo mestre de obras, trocou de roupa e começou a misturar cimento para que junto aos seus colegas, colocasse de pé um prédio!

Ela não negocia sua inteligência e se faz cada dia mais linda sem medo de jogar na cara do mundo que ela é tudo isso, sim senhor!

K. carregou glamour, graça e beleza para um ambiente grosseiro, mas sua maneira de chegar e sua maneira competente de trabalhar e de jamais baixar sua cabeça fizeram com que conquistasse o respeito dos seus chefes rapidamente. O jeito SHOW-WOMAN de ser só se potencializou e foi sua defesa contra os assédios moral e sexual. Uma show-woman que se preze tem atenção da mídia – e foi exatamente isso que aconteceu com K. Ela fez uma matéria para um programa de TV contando sobre sua vida de pedreira e bombou! Na época, já com internet e aplicativos de TVs, a matéria foi multiplicada e ela passou a ser chamada para falar sobre sua experiência neste ambiente, sobre como penetrou num mundo tão masculino, sobre como se mantém bela e vaidosa num trabalho tão pesado. Ela se manteve pedreira, mas agora também é palestrante e todo seu movimento de vida fez com que abrisse espaço para outras mulheres na arte da construção civil.

Outra possibilidade é a de se comportar FAZENDO A MISTERIOSA. É aquele comportamento enviesado, difícil de decifrar, que deixa seus coleguinhas pisando em ovos diante de você numa reunião. Suas frases não serão interrompidas, pois a possibilidade da sua caneta ser uma bomba disfarçada é grande – ou de suas unhas serem, na verdade, garras afiadas prestes a lanhar a cara de qualquer um que ousar interromper seu raciocínio ou te diminuir fazendo gracinha sobre o tamanho do seu bumbum ou a cor dos seus olhos. Podemos contextualizá-la como uma mulher surgida por volta de 2005 e que vem ganhando força. É a mulher–mortal. Não mexa com ela!

Uma boa ilustração de uma mulher-bomba é a S., de 40 anos, que trabalha com criação de conteúdo. Quando começou sua carreira de criadora, S. trabalhava sozinha. A medida que sua arte começou a se tornar conhecida, os convites para trabalhar em grandes empresas surgiram. O primeiro deles foi para trabalhar como roteirista da primeira equipe de criação de conteúdo para TV de uma grande produtora. Era a época em que a TV a cabo aumentava sua produção nacional e aí estava o futuro mercado multiplataforma, internet e cinema.

Ela avaliou que para começar a trabalhar numa equipe masculina, o melhor seria não mostrar seu corpo e nem ir chamando muita atenção. Pois bem. Durante a fase que se apresentou dessa maneira (negando tudo o que se é), ela jamais conseguiu ser ouvida e seu trabalho era minguado, reduzido a assessorar roteiristas homens com menos experiência que ela, mas amigos da galera… E assim foi durante uns dois meses.

Quando estava quase desistindo de trabalhar ali e voltando a sua vida solitária de produzir seu próprio trabalho, S. teve um estalo. Um estalo surgido da raiva. Sim, S. seria capaz de socar a cara de cada um dos seus colegas e do seu chefe diante do que que sentia por todos eles. Decidiu agir com aquela raiva toda e chegou para a sagrada reunião da segunda-feira montada. Sim, toda arrumada, maquiada e com o cabelo solto, o que já causou o primeiro desconforto. Nenhum deles fez qualquer piada. A raiva de S. saía por seus poros e eles sentiram receio daquela “outra” que havia entrado na sala: cadê aquela que não liga para si mesma? Aquela morreu, seus patetas!

A reunião começou e quando S. quis falar, sacou mais uma surpresinha: tirou da bolsa uma caneta em forma fálica e pediu a palavra. O silencio foi absoluto. Seus colegas mal respiravam e enquanto S. segurava a caneta fálica nas mãos. Ela teve a total atenção de todos.

Uma das coisas que ela conseguiu nesse dia foi a redação final de um programa de TV que com sua entrada subiu alguns pontos na audiência. Salve a caneta!

Após isso, S. jamais apareceu para trabalhar sem afirmar o perigo que é a soma da sua beleza, inteligência e dose de loucura na sua autoestima. Uma autoestima que blefa, mas blefa cheia de certeza e depois se recupera. Seu não medo em exibir emoções como raiva ou amor confere a ela uma humanidade assustadora que a faz ser digna de confiança e apresentar seu trabalho sem errinhos. S. é faca na bota, tem sangue nos olhos e não permite que ninguém a bagunce!

Como quando recebeu, no meio de uma reunião e na frente de toda a equipe, a seguinte pergunta: “e então, quando nós vamos resolver as coisas entre nós? Essa atração.” O silencio se fez, S. respirou fundo e respondeu com suavidade “outro dia, pois hoje estou de calcinha bege. E de calcinha bege é impossível resolver algo, não acha?” Depois de um silencio constrangedor, ouviu uma gargalhada e a afirmação dele de que “eles seriam amigos para sempre, que ela era perigosa demais pra aventuras!”

Após este dia, ninguém mais a assediou moral ou sexualmente. As histórias sobre seu comportamento e competência se reproduziram mais rápido do que história de pescador e suas atitudes se tornam mitos malucos, que uns acreditam outros não. Isso não importa.

O que importa dessas três mulheres é que cada uma delas precisou se repensar, se afirmar três vezes mais para obterem respeito e fazerem suas VOZES serem ouvidas, desenvolvendo características que talvez nem soubessem capazes – mas que, com certeza, as impulsionam à frente de si mesmas.

S. é uma moça chamada Suzana Pires. Não sei se vocês conhecem (risos)… Sim, sou capaz de todas as atitudes que narrei e de coisas piores se por algum motivo eu for diminuída no meu ambiente profissional devido ao mito da bonita e burra. Sambei no carnaval enquanto quis, vou à praia, faço personagens que exploram sensualidade e tenho consciência absoluta da minha capacidade intelectual. Com certeza tudo isso não diz respeito só à mim, mas as novas gerações que farão mais e melhor!

Amiga, você pode ser tudo e destruir os mitos que te encarceram, mas só uma coisa você não poderá lutar contra: a qualidade do seu trabalho. Se não for de ótimo para excelente, nada fará sentido.

Seja mais do que apenas uma. Seja todas as mulheres do mundo.

Pegue a força desse coletivo e trabalhe contra o que nos impede de sermos tudo o que podemos ser. Nada que acontece com uma mulher só acontece com ela. Fazemos parte de um coletivo com um #DNAHISTORICO que limita a todas nós, inclusive aquela colega que você não vai muito com a cara, mas que está sendo lesada do mesmo jeito.

Reaja por todas nós.

Estejamos vigilantes e prontas a defender o nosso direito a PENSAR e a EXPRESSAR TAL PENSAMENTO, mesmo que com corpos esculpidos por um Deus inspirado.
Por que, né?

Somos brasileiras, latinas, exuberantes e, além de inteligentíssimas, gostosas pacas!

Sororidade sempre.
Beijos
Suzi Pires

 

 

 

 

 

 

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