Saiu no site G1
Veja publicação no site original: Suspeito de agredir cinco ex-namoradas é considerado foragido pela polícia do RS
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Homem foi preso, liberado, mas voltou a ter prisão decretada após descumprir medida protetiva. Vítimas se conheceram pelas redes sociais e uniram forças para denunciá-lo.
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Por Cristine Gallisa
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A polícia do Rio Grande do Sul procura por um homem suspeito de agredir diversas vezes pelo menos cinco ex-namoradas. Elas são vítimas do mesmo agressor, com quem tiveram um relacionamento em épocas diferentes, mas só há pouco tempo descobriram as histórias em comum.
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O suspeito, Thiago Guedes Pacheco, de 38 anos, tem um longo histórico de violência contra mulheres. Pelo menos cinco já foram identificadas pela polícia, e registraram diversas ocorrências contra ele por agressão, ameaça e repetidos descumprimentos de medidas protetivas.
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O G1 entrou em contato com os advogados que defenderam oThiago em um dos processos, mas o escritório respondeu que “não representa mais os interesses do Sr. Thiago Guedes”. Ele não foi localizado, e é considerado foragido pela polícia gaúcha.
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Vítima mais recente, a psicóloga Nádia Krubskaya Bisch terminou o namoro em março do ano passado. Ela conta que foi constantemente perseguida e ameaçada de morte por ele.
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“Ele era insistente, ligava mil vezes. Ficava fazendo campana na rua do meu condomínio, aparecia no meu consultório, ficava me esperando na saída. Isso cansa!”, esbraveja. “Muitas vezes as mulheres voltam, e eu voltei das outras vezes, porque tu te sentes fraca. É cansativo dizer não e ela não aceitar.”
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Em novembro do ano passado, Nádia foi perseguida pelo ex no estacionamento do trabalho. E nem a presença do porteiro, que a acompanhou até o carro, intimidou o agressor. “Eu consegui entrar no meu carro e segurar a porta. Ele conseguiu abrir, e a gente ficou na disputa da porta com ele berrando que se eu não tivesse 10 minutos [para falar com ele] ia jogar ácido na minha cara, ia derreter minha cara inteira, me matar e destruir minha carreira”, descreve.
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Nádia conseguiu se desvencilhar e fugiu, mas Thiago perseguiu a ex-namorada no trânsito e fechou o carro dela. “Fiz a ocorrência em outubro de 2019. Duas semanas depois, ele apareceu. Me seguia com o carro. No dia que fiz a segunda ocorrência por descumprimento, eu estava com as crianças no carro”, conta a psicóloga, que tem dois filhos.
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Preso em operação, suspeito foi solto pela Justiça
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A polícia pediu a prisão preventiva do homem e, em 27 de novembro do ano passado, ele foi detido em uma operação de combate ao feminicídio realizada em todo o país. Ficou só um dia na cadeia.
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Uma semana depois de ser solto, no início de dezembro, Thiago voltou a procurar Nádia. Foi até o condomínio onde ela mora, na Capital, pediu que ela fosse com ele até o carro, estacionado algumas quadras adiante, obrigou-a a entrar e, segundo ela, tentou matá-la.
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“Ele me esperou na frente da minha casa, chorando, dizendo que estava muito difícil ficar longe, que estava sofrendo. Eu baixei a guarda. Ele me agarrou, começou com um inquérito sobre com quem eu estava, e começou a me agredir”, diz Nádia, que chora ao lembrar os momentos de desespero.
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“Ele me deu um mata-leão, botou a mão na minha boca e dizia com os dentes cerrados que iria me apagar, me matar, desovar meu corpo. Me dava tapas, puxão de cabelo, que eu era isso e aquilo. Na terceira vez [que a agarrou], lembro de ficar tudo preto e de meu corpo amolecer, da sensação de desmaio. Fingi que tinha desmaiado. Não sei quanto tempo fiquei sem respirar”, recorda.
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Nádia foi salva por um motorista que passou pela rua e percebeu as agressões. A pedido da polícia, a Justiça decretou novamente a prisão preventiva de Thiago por tentativa de feminicídio. Mas ele desapareceu e é considerado foragido.
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A chefe da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) em Porto Alegre, Tatiana Bastos, diz que a polícia tem feito buscas para tentar encontrar o suspeito e prendê-lo novamente. “São agressores que conhecem muito bem a rotina das vítimas. Sabem como burlar e rapidamente sair do raio de ação da polícia. Quando a vítima se dá conta, eles já estão em outro local”, comenta a delegada.
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Na decisão de soltar o homem, a magistrada Marcia Kern, do 1º Juizado de Violência Doméstica e Famíliar, alegou que Nádia falou com ele em um aplicativo de mensagens, o que demonstraria que ambos descumpriram a medida protetiva.
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“A conversa travada por whatsapp (…) mostra que o casal livremente passou a se comunicar naquela data, sendo marcado um encontro que realmente aconteceu (…). Assim, se houve quebra da medida protetiva, essa foi motivada por ambos os envolvidos”, escreve a juíza, em sua decisão, para justificar a soltura de Thiago.
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O Tribunal de Justiça do RS disse que só deve se manifestar na segunda-feira, depois de consultar o processo.
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A advogada Gabriela Souza, que cuida do caso, entende que havia elementos suficientes no histórico para mantê-lo na cadeia.
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“Daquela prisão até agora não houve audiência. Não se analisa um histórico antigo de boletins, que ele já é perigoso, que já fez várias vítimas, que é um risco à sociedade. O estado teve a oportunidade de punir esse homem e manter as mulheres seguras”, lamenta a advogada, que junto com outra colega atende apenas mulheres vítimas de violência.
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Relato gerou rede de denúncias
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Depois que revelou a própria história em uma rede social, Nádia começou a receber mensagens das outras mulheres com quem ele teve relacionamentos, e elas relatavam as mesmas agressões.
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Uma delas é uma professora, que prefere não ser identificada, e namorou Thiago em 2016. “Eu era agredida constantemente. Até no dia meu aniversário. Ele me puxou pelo cabelo porque as pessoas queriam tirar foto comigo. Todo mundo viu isso. Depois, as agressões foram se repetindo”, afirma.
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O relacionamento acabou, mas Thiago não teria desistido. Segundo ela, a perseguia e invadia sua casa frequentemente, pedindo para voltar.
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“Eu só via falar de [lei] Maria da Penha pela TV. Cresci em um lar cristão, nunca vi meu pai bater na minha mãe. Não sabia como era ser violentada. No dia que me bateu, me surrou tanto, tanto, no rosto e no estômago. Ele apagou as luzes da casa e não tinha nem por onde fugir”, conta.
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Vítimas apontam falhas na proteção
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As duas vítimas reclamam da falta de acolhimento às mulheres vítimas de violência doméstica em alguns órgãos públicos responsáveis pelo atendimento, mesmo com as garantias previstas na própria Lei Maria da Penha, como o direito a uma sala reservada para prestar depoimento.
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Elas questionam, também, a eficácia das medidas protetivas. Apesar dos constantes registros, isso não impediu que Thiago continuasse se aproximando. “A patrulha me ligou uma vez, em outubro, e nunca mais”, diz Nádia.
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A delegada Tatiana Bastos, no entanto, insiste na importância de que as mulheres registrem sempre que os agressores descumprirem a medida protetiva. Segundo ela, cada descumprimento gera um novo processo, que pode resultar na prisão em flagrante ou preventiva do agressor, com pena de dois anos.
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A advogada das vítimas também reforça a importância de as mulheres denunciarem os agressores. E que a Lei Maria da Penha seria mais efetiva se a Justiça priorizasse os casos que envolvem violência doméstica.
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“A maioria que registra não morre, porque tem cerca de 50 registros por dia em Porto Alegre. Mas a gente sabe, também, que muitas mulheres desistem dos processos criminais porque vão acontecer depois de um ano, um ano e meio. Demoram muito”, contesta.
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Violência contra a mulher caiu no RS
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Dados da Secretaria de Segurança apontam que os índices de violência contra a mulher no Rio Grande do Sul tiveram uma leve queda. Os casos de feminicídio consumado (quando a violência contra a mulher termina em morte) caíram de 116 casos, em 2018, para 100 em 2019, uma queda de 13,8%.
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Ainda assim, os números impressionam. Ano passado, foram 359 tentativas de feminicídio, quatro a mais do que no ano anterior. Além disso, quase 21 mil mulheres registraram ocorrência por lesão corporal, e outras 37.381 foram ameaçadas.
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Das cinco vítimas de Thiago, uma deixou Porto Alegre e foi morar em outro estado. As outras vivem sob medo constante.
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“Só vou ter paz o dia que ver ele preso”, diz uma das vítimas que preferiu não ser identificada. “Eu é que estou presa.”
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A polícia reforça que casos de violência contra a mulher devem ser denunciados pelo telefone 181.
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Violência contra a mulher deve ser denunciada pelo 181 — Foto: Reprodução / RBS TV
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