Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE:
Veja publicação original: Stephanie Ribeiro: 10 resoluções de Ano-Novo para mulheres negras
Planejar o orçamento, estudar, não ter medo de uma DR e se amar: eis algumas resoluções para uma #BlackGirlMagic em 2018
Adoro o site For Harriet. Para mim, ele é um norteador sobre feminismo negro interseccional, estilo de vida e críticas. No ano de 2016, Kimberly Foster, a fundadora do portal e uma das minhas feministas negras preferidas, escreveu um texto com resoluções de Ano-Novo para mulheres negras. Baseei muito dos meus planos em suas valiosas dicas, e foi pensando nisso que escrevi esta lista para a primeira #BlackGirlMagic deste ano. Afinal, aqui no Brasil, nós, mulheres negras, ainda somos alvo de críticas e desmotivadas por pessoas brancas e até mesmo por negros, em comentários dignos de “haters” que podem nos paralisar. Foi pensando nesse processo que listei sugestões importantes para mim mesma e para todas as mulheres negras neste ano de 2018:
1 – Se você tem dívidas: planeje seu orçamento e pague-as
Esta é a primeira dica – e talvez a mais importante delas. Pessoas negras em geral não são ensinadas a fazerem um planejamento econômico. Numa sociedade capitalista, isso é proposital: é uma forma de nos manterem como subalternos e dependentes. Devido aos péssimos salários pagos aos negros, muitos de nós temos recorrer às linha de crédito, que se transformam em dívidas que não sabemos administrar com facilidade – dado que a educação financeira acaba sendo um privilégio da elite branca no Brasil. A questão aqui não é não fazer dívidas, mas saber administrá-las e aprender a lidar com o próprio dinheiro para evitar o máximo possível que isso aconteça. Uma das formas de fazer isso é criar planilhas de gastos em Excel, incluindo valores divididos por área: alimentação, casa (aluguel, despesas), transporte, lazer etc. Essa tabela permite saber em porcentagem o quanto você investe em cada área, e como pode administrar esses gastos para cobrir suas despesas sem criar novas dívidas e/ou quitar as antigas. Educação financeira é extremamente importante, principalmente num mundo que nos vende um padrão de vida branco, enquanto nos paga salários inferiores.
2 – Se você é uma empreendedora: invista em sua capacitação e profissionalização
Aprender a lidar com juros, taxas, lucros e orçamentos nunca é demais – e não necessariamente precisamos fazer um curso institucional para isso. Acompanho muitas mulheres negras empreendendo, muitas vezes por necessidade. No entanto, muitas não conseguem fazer esses negócios tornarem-se suas principal fonte de renda. Para que seu negócio seja autosustentável e tenha possibilidade de crescer, é necessário tomar lições de empreendedorismo – e esso não ocorre necessariamente apenas em cursos formais. Muitas mulheres negras são empreendedoras estáveis em seus negócios. Por isso, mesmo que não seja de sua área, se comunicar com elas, aprender como atuam e pedir conselhos é uma ótima forma de se tornar cada vez mais profissional. Uma dica: uma empreendedora de sucesso não necessariamente é alguém que tem destaque nas mídias.
3 – Nunca deixe de estudar
Se você interrompeu os estudos, lembre-se de que poder estudar é um privilégio, pois muitas mulheres negras não conseguem ter tempo para isso – então, não se culpe caso seja esse o seu caso. Contudo, também é um presente que damos a nós mesmas quando nos dedicamos a estudar. Não só porque aprendemos coisas novas, ampliamos nossos repertórios e temos contato com outras pessoas. Mas também porque estudar algo que você gosta, como um curso de costura ou literatura, pode ser uma chance também de lidar com todo o peso psicológico do racismo institucional. Por isso estudar é sempre importante, e não necessariamente a opção que queremos estará numa escola formal. Existe várias possibilidades de se aprender algo novo, e isso sempre significa adentrar um novo universo do saber.
4 – Se você ainda não zela por seu bem-estar psicológico: pense que ele é uma prioridade
Sua mente é importante. Colocar isso como meta significa, muitas vezes, se afastar do que te faz mal, sejam situações ou pessoas. Nao sentir culpa é sem dúvida minha meta – e estar só não significa estar infeliz. Muitas vezes, pessoas que se dizem amigas agem mais como sanguessugas, prontas para roubar nossa energia e nos desmotivar – ou então atuam tão sem autocrítica que sequer entendem que ser amigo é diferente de ser ídolo. Doloroso que quanto mais vamos alcançando nossa emancipação, mais precisamos entender que vamos filtrando quem queremos do nosso lado e como. Isso serve para nossas relações afetivas. Saber se afastar é tão importante quanto saber com quem você deve se unir. Mafoane Odara uma vez me ensinou algo que mudou minha vida: dizer não aos outros é, muitas vezes, dizer sim para si mesma. Aprenda urgentemente a dizer NÃO. Dizer não para algumas coisas que as pessoas acham de você – e querem que você acredite. Afinal, se você achar que não merece o que conquistou, lembre daqueles que vieram antes de você e criaram as condições para você estar aqui. Quem construiu esse país foram mãos negras. Lembre-se disso sempre que alguém quiser te fazer acreditar que você está no lugar errado. Lembre-se de sua mãe, sua avó, suas tias.
5- Fale sobre tudo que te incomoda para quem se relaciona com você
Veja bem, já li vários posts dizendo que nós, mulheres negras, precisamos deixar de lado algumas discussões sobre afetividade. Como se deixar de lado o que nos incomoda fosse possível e saudável. Se algo te incomoda, sinta, fale, grite e, principalmente, COMPARTILHE. Falei muito sobre afetividade publicamente e em particular ao meu parceiro. Isso foi o que fez nosso relacionamento criar bases sólidas. Nossos parceiros têm que lidar com os fatos, como nos sentimos, e caso eles colaborem para essas estruturas que nos são nocivas, precisam ser lembrados. Estar sozinho ou acompanhado precisa ser nossa escolha, e caso estejamos com alguém, a pessoa não pode ignorar o que sentimos. Fingir que está tudo bem, quando na verdade não está, não é uma solução. Muitas de nós achamos que o certo é ir guardando, quando muitas vezes acabamos nos frustrando. Para que isso não aconteça, é melhor deixar claro que não está tudo bem, do que fingir que está para parecer superior. Tenho uma amiga que queria namorar, mas fingia para o caras com quem saia que só estava afim de algo não sério, com medo de falar a verdade. Fiquei pensando em porquê somos ensinadas a não sermos sinceras com o que sentimos, como se fosse uma vergonha. Não, não é. Somos pessoas e faz parte de nossa humanidade sentir e falar sobre o que sentimos.
6 – Se você ainda não cuida da sua alimentação: cuide dela urgentemente
Pense em sua saúde física: faça dança, caminhada, ioga, o que for! Acho que uma das facetas do racismo estrutural pouco debatida no Brasil é a forma como o racismo pauta nosso estilo de vida. Cada vez mais, pessoas pobres, em sua maioria negras, são bombardeadas com formas de consumo não saudável que surgem como resposta para a escassez de tempo. As propagandas nos fazem acreditar que comer comida industrializada é ascender socialmente ou que isso pode suprir nossas necessidades. Ao mesmo tempo, atividades físicas se tornam distante em rotinas atribuladas e opressoras. Sem dúvida, responder a estrutura racista também é repensar nossos métodos alimentares e de saúde física. Dedicar um tempo a si mesmo, quando possível, não é para se sentir culpada e, sim, um autocuidado. Aqui não estou falando de comer só comida orgânica, mas de se encaixar no orçamento e nas planilhas a possibilidade de cozinhar a própria comida. Esse é um belo exemplo de autocuidado simples, que estamos muitas vezes deixando de lado.
7 – Se você não fala outras línguas, pense que ser fluente pode ser importante
Por mais que soe elitista dizer que aprender outras línguas é importante, em especial o inglês, para nós, mulheres negras, é importante. Se tornar fluente pode garantir possibilidades de trabalho, estudos e trocas para além de nossas fronteiras. Inclusive com pessoas negras de outras nacionalidades. Minha dica é sempre pensar que podemos aprender com outras mulheres negras. Mulheres negras de diferentes realidades possibilitam que ampliemos nosso aprendizado em línguas. Foque nisso!
8 – Planeje
O mais importante de tudo: se você pensa a curto prazo, repense sua vida e planeje-a daqui 5, 10, 15, 20 e 100 anos! Estamos pensando num projeto de futuro e de nação ao planejarmos! Faça sempre as perguntas: Onde quero estar? Como quero estar? Uma dica que dou é: escolha uma mulher negra como exemplo. Se possível, converse com ela para entender como chegou onde chegou. Não tenha vergonha de pedir a ela para ser sua tutora. Crie laços com aqueles que te fortalecem – apenas com esses! Você não tem que correr atrás de quem te desmerece. Sua caminhada é longa e, muitas vezes, solitária. Muita gente vai dizer que te admira, mas poucas vão te apoiar! Saiba diferenciar isso para saber com quem de fato você pode contar, criando assim uma rede de apoio com quem te fortalece em seus planos.
9 – Filtre as críticas
Críticas sempre existirão, portanto, aprenda a distinguir quais te fortalecem e quais só servem para te destruir. As que não te ajudam em nada, jogue fora e cultive a energia positiva de quem te quer bem. Muitas pessoas se julgam superiores, despejando toda a frustração e raiva que sentem sobre você. Muitas vezes, elas transformam seu ódio em comentários que julgam ser críticos, mas, no fundo, são hipócritas – para não dizer venenosos. Ignore essa energia negativa. Entenda que quem quer fazer uma crítica construtiva fará isso com respeito. Não perca tempo com picuinhas. Muitas vezes, as opiniões dizem mais sobre as frustrações pessoais de quem as emite do que sobre o que a pessoa pensa de você. Principalmente numa estrutura machista e racista, em que negros são lançados ao anonimato sem a possibilidade de escolher.
Nunca diga que ama alguém se a pessoa não for capaz de amar seu sucesso e te apoiar para alcançá-lo. Pensar em você a longo prazo é a única forma de criar as condições para, de fato, se emancipar e não depender dos outros _ e, com isso, levar os seus com você! Seus pais, seus amigos, seus irmãos, seus filhos, seus semelhantes. Seu sucesso pode ser numa banquinha de frutas só sua, no cargo de seus sonhos ou em sua luta política. A questão é: quando você está no lugar que quer, e não no que lhe é imposto, você movimenta toda a base da pirâmide e muda uma estrutura. Vamos puxar os nossos sim, mas, para isso, precisamos nos estabilizar financeiramente, psicologicamente e fisicamente. Pense nisso sempre que bater a culpa. A culpa é criada para te estagnar e tornar estrada mais longa e comprida. Por isso, tenha foco e faça sua revolução.