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Por: STEPHANIE RIBEIRO
Em eterna aprendizagem, às vezes fico indagando quando eu me tornei mulher e negra, e acredito que a resposta está na pergunta, eu nasci mulher negra. Mulheres como eu foram feitas símbolos de uma das piores coisas feita pelos homens, a escravidão. Mulheres como eu são as que mais morrem por conta de abortos, são as mais pobres, são as mães solteiras dos morros, são as que pouco protagonizam novelas, são as que quase não aparecem nas telas do cinema, são as que veem os filhos serem mortos pela polícia, são as meninas nas esquinas, são as muitas faxineiras e as poucas universitárias.
E foi lendo Carolina Maria de Jesus, no seu notável livro Quarto de Despejo, onde ela mostra à força da mulher negra, a sagacidade, a inteligência, e a forma como somos feministas sem saber o que o feminismo da academia publica e reverbera por ai; notei que erroneamente as pessoas querem ensinar algo para quem tem muito mais a dizer. Peço que não falem por nós, mas deixem as negras falarem por si!
Somos filhas da diáspora, estamos revertendo o que simbolizávamos e estamos nos tornando símbolo da liberdade: liberdade para os negros! Liberdade para as mulheres! Liberdade para os pobres! Liberdade para os que sofrem! Simbolizamos inúmeras lutas marginalizadas e mesmo nas piores condições vencemos só por estarmos aqui. Não lutamos por direitos iguais aos homens, lutamos por direitos iguais a quem era tratado como gente, fomos escravas, fomos da senzala ao quartinho de empregada em um pulo, continuamos às margens e é por isso que precisamos nos empoderar, e pra isso o apoio e entendimento sobre racismo e feminismo negro são essenciais. Isso não é uma guerra: nosso feminismo não é melhor nem pior, só entende nossas necessidades e dialoga com elas, da periferia a academia a negra representa seu povo, e isso não é disputa com mulheres brancas, pois afinal somos mulheres também, então estamos juntas; nem com homens negros, pois somos negras e estamos na luta contra o racismo também. Isso é uma força que vai nascendo e crescendo dentro da gente, afinal somos panteras.
O nosso feminismo sai das matriarcas da pobreza e vence as grades da senzala. Morremos pelos nossos ideais. Viva, Dandara! Combatemos as dores da solidão da mulher negra, com um sorriso de irmã negra pra irmã negra. Soltamos nosso black power e fazemos pequenas revoluções diárias.
Representamos a mulher que aprendeu a ser forte desde cedo, que enfrenta machismo e racismo — e isso às vezes sem saber o que é feminismo ou movimento negro — enfrentamos porque precisamos viver. Entender uma mulher assim é DESCONSTRUIR o que a sociedade te ENSINOU que é ser HOMEM ou ser BRANCO.
Somos a mulher que ganhou o Oscar quando foi espancada no papel de escrava e, mesmo assim, tornou-se a mulher mais linda do mundo. Somos as mães que sustentam seus filhos sozinhas, as mulheres que ganham os menores salários, mas somos a maioria nos inscritos pelo PROUNI. Não desistimos, resistimos!
Não nasci negra, me tornei negra e como tal me gritaram: mulata, morena, mulher da cor do pecado. E eu grito por meio deste e de outros textos que virão: NEGRA, NEGRA, NEGRA!
Obrigada, Carolina Maria de Jesus, por fazer uma reforma em mim.
Veja publicação original: SOBRE SER MULHER E SER NEGRA