Saiu no site SuperEla:
São 5h da manhã. Meu despertador acabou de tocar. Não quero acordar, embora não esteja exatamente dormindo. Desde que a menopausa chegou não tenho mais uma noite de sono como antigamente. Durmo por volta das 02:00 da manhã, um sono tão leve que quando o despertador toca às cinco, tenho a sensação de ter cochilado apenas 15 minutos.
Todos de pé. Filha no trabalho, filho na faculdade, marido pra lá e pra cá. Ninguém forrou a cama. Nem a cama! Nos quartos, roupas amassadas jogadas pra todos os lados. “Mãe, você viu meu tênis?”, “Mãe, cadê aquele meu vestido florido?”. Não sou eu quem calço e descalço os sapatos deles, nem visto suas roupas, mas sou eu quem tem que dar conta de onde estão. “Essa casa não tem lugar pra nada!”, reclamam.
Verdade. A começar pelos integrantes da família que não assumem seus lugares e responsabilidades na contribuição das atividades domésticas. Almoço pronto. A louça do almoço ficou lá. As panelas foram usadas pra cozinhar a comida de todos, cada um usou seu próprio prato e talher. Encontrou comida pronta e mesa posta. Mas também essa louça quem lava sou eu. Filho cochilando na minha cama ao lado do marido enquanto limpo a cozinha. Filha no quarto mexendo no celular.
Casa arrumada. Roupas na máquina de lavar. Hora de verificar as contas em aberto. O dinheiro não dá. Mais um mês no vermelho. Priorizo o que pagar. A filha reclama que o celular está cortado. Mal sabe ela que o plano de saúde está atrasado, que o condomínio está atrasado e a energia podem cortar a qualquer instante. Mas ela precisa da internet no celular pra falar com o namorado.
O marido parece que esqueceu que pra gastar é preciso ter. Faz conta em tudo quanto é canto. “Vou comprar um carro. Não está dando pra dividir um carro só aqui em casa”, ele anuncia. “Não estamos conseguindo nem pagar o emplacamento do que já temos!”, respondo. “Depois me viro pra pagar”. Mas quem se vira sou eu, de um lado pro outro da cama à noite pensando nas dívidas.
Por causa delas, não me lembro qual foi a última vez que comprei uma calcinha ou sutiã pra mim, mas ele quer comprar um carro. Quem olha as contas sou eu, quem põe na ponta do lápis sou eu. Ele nem sequer olha. O que os olhos não veem o bolso não entende, dizem por aí.
Quero tirar um cochilo depois do almoço. Meia hora. Preciso de meia hora pra descansar. Me deito e o telefone toca. É pra mim. É credor ligando, é parente ligando, é ONG ligando. Não consigo descansar. Mais uma vez.
É mãe pra levar ao médico, almoço pra dar pros cachorros, roupa pra estender no varal. “Tem que ir ao banco fazer o depósito”, diz o marido enquanto fuma na varanda. Me arrumo e vou. Ele não tem paciência com filas. Aproveito pra ir ao mercado depois. Tem que comprar a comida de amanhã. Os filhos estão reclamando que não tem o que lanchar.
Chego em casa, descarrego o carro. Filhos chegam. “Tem café pronto?”, me perguntam. “Tem”, respondo. “Mas ainda não consegui tomar o meu. DE NOVO!” Penso comigo mesma. O filho janta, a filha quer uma tapioca com ricota. “Faz pra mim, mãe? Meu dia foi tão cansativo!”.
Comem e a deixam a louça suja pra no dia seguinte tudo se repetir na minha vida de uma mulher cotidianamente anulada.
Texto escrito por Lorena Muniz.
Publicação Original: Sobre ser mulher e cotidianamente anulada