Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE:
Veja publicação original: #SerMulherNoBrasil: Alice Caymmi relembra episódios de assédio e machismo desde a infância
Neta do compositor Dorival Caymmi, a cantora Alice Caymmi era criança quando viveu seu primeiro episódio de assédio. Hoje, tem de lidar com o machismo em sua profissão
Pensando em situações de abuso, me vêm a mente momentos, fragmentos espaçados de situações embaraçosas que eu mesma, muitas vezes, não tenho coragem de lembrar. Mas voltando muito a fita, lembro que, em determinado momento, ao passo dos meus 8 para 9 anos de idade, me vi viajando com amigas que eu amava que tinham um padrasto. Esse padrasto gostava de fazer uma “brincadeirinha” com as meninas. Ele colocava a mão por dentro de suas calças e shorts e lhes acariciava o bumbum (ainda de criança), de forma natural, como se nada daquilo fosse errado. Até que um dia ele fez isso comigo. E nesse dia algo se quebrou.
Desde então, fui adolescendo e percebendo que, de certa forma, meu comportamento levantava uma bandeira feminista pelo simples fato de eu nunca ter mudado quem eu sou por convenções sociais ou pelo que se espera de uma menina. Uma vez, entrando para o showbusiness, tive que me deparar com homens muito poderosos, cujos olhares eram importantes para mim em determinado momento. Muitos desses homens tentaram fazer dessa minha vontade um acordo sexual. Muitas vezes, de forma sutil (o que é avassalador) e, por outras, de forma explícita e execrável. Recebi um e-mail de um homem muito importante no qual ele perguntava: “O que eu ganho com isso?”, quando pedi investimento em determinada ação para o meu trabalho.
Mas o que mais me prejudica mesmo é quando o machismo vem de pessoas com as quais tenho que contar em determinados setores do meu trabalho. Minha capacidade de fazer meu próprio trabalho muitas vezes é questionada, e isso me machuca e fere meus processos.
Ser mulher é lamber constantemente uma grande ferida que nunca se fecha.
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