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Veja publicação original: São Paulo: Entrevista com a feminista comunitária Julieta Paredes
Em setembro a feminista comuntária esteve em São Paulo para algumas atividades junto a movimentos sociais, nós aproveitamos a passagem dela para fazer a entrevista que segue.
Julieta Paredes, de origem aimará, é uma das impulsionadoras do feminismo comunitário. Faz parte da Assembleia Feminista Comunitária de La Paz (Bolívia) e da organização Mulheres Criando Comunidade.
Entrevista com Julieta Paredes realizada em 29/09/2017 em São Paulo
O que é feminismo comunitário? É possível haver grupos feministas comunitários em outras localidades?
JP: O feminismo comunitário, não é feminismo, é feminismo comunitário, este é o nome do nosso movimento e tem o nascimento na história, na memória do feminismo da comunidade Mujeres Creando Comunidade, comunidade na Bolívia e do processo de transformação, nós construímos uma proposta organizativa metodológica e uma proposta de mundo, então é possível continuar, e de fato hoje somos uma organização espalhada pela Abya Yala, de norte ao sul, e também uma organização de tecidos de feminismo comunitário migrante na Europa, também é possível nos Estados Unidos, mas como uma territorialização de tecidos migrantes, ou seja, é uma proposta política metodológica e uma proposta de movimento político orgânico, de Abya Yala e de Abya Yala no mundo, então não é possível espontaneamente fazer feminismo “espaço” espaço comunitário, é possível, as pessoas podem fazer o que querem, nós não vamos obrigar, mas é necessário tomar posição diante do que nós estamos dizendo, é necessário respeitar o nome que nós temos, antes de nós não existia isto que se chama feminismo comunitário, não existia, hoje aparecem por aqui e por ali, é necessário, nós dizemos sempre, é necessário convocarmos a construir juntas, se quiserem, se não quiserem, é necessário respeitar o que nós estamos construindo, e que temos construído a partir desta memória e dessa acumulação política, que não é apenas de uma pessoa, senão de um povo, é o povo boliviano, o Indymedia estava acompanhando desde 2000 a mal chamada “Guerra da Água”, ou em 2003 que é a “Guerra do Gás”, mal chamada “Guerra do Gás”, porque não eramos nenhum exército, era espontâneamente que nos organizávamos, sublevado, fizemos uma subversão da água, uma subversão anti-neoliberal no ano de 2003, então este processo politico do povo boliviano, essa memória descolonizadora e hoje despatriarcalizadora, não aconteceu em outro território, por que então haveria de existir outros feminismos comunitário.
Nós nos anos 1990, decidimos construir feminismo, e o fazemos também voltado para o feminismo latino-americano, não para o feminismo europeu. E tomamos posição.
Nos anos 90, quando criamos o Mujeres Creando, nós nos agarramos na memória das mulheres anarquistas da Bolívia, nas mulheres que eram nossas avós, minha avó materna, era anarquista, mas nunca me falou sobre anarquismo, logo nós descobrimos que elas eram anarquistas, e aí posicionamos um feminismo anarquista autônomo, isto era o Mujeres Creando, e nós lemos o feminismo anarquista dos lábios das nossas avós, não do Bakunin, não do Proudhon, senão da história do movimento popular trabalhador da Bolívia, que tinha duas vertentes: uma que era a Federación Feminina Obrera, das mulheres, e a Federación Obrera Local, a FOL, que era a dos homens, isso foi antes da Central Obrera Boliviana, que é marxista, que é posterior, então nós aprendemos a história do movimento trabalhador político boliviano, que tinha três vertentes: Federación Obrera Local (homens trabalhadores da cidade), Federación Obrera Feminina (das mulheres) e a Federación Agrária Boliviana, que eram o agrários, o gérmen de compreender os movimentos indígenas, como agrários, não camponeses e depois vem o marxismo, o leninismo, o trotskismo, que une, junta todos, não havia mais agrário, não havia mais mulheres, o proletariado, o sujeito político, então nós, quando nasce o Mujeres Creando, recorremos a esta memória destes três distintos espaços de conformação da luta política, não? Falamos de 1990 e Mujeres Creando se define a si mesma como feminismo anarquista autônomo, logo unimos a luta do feminismo contra as ONGs, contra o Estado neo-liberal e contra as igrejas, não? Esta é nossa história e daí logo nasce nosso posicionamento em 2006 até 2009 de conceituação do patriarcado, que nós dizemos que o patriarcado é o sistema de todas as opressões.
Então já estavam no processo e depois que concebem, esta ideia de patriarcado? Já estavam lutando? Já estavam fazendo coisas?
Sim, sim, no ano de 2006, que fiz o livro Hilando fino, que dissemos “o patriarcado é o sistema de todas as opressões”, mas esse conceito de patriarcado não pode ser somente isolado, tem três conceitos importantes, o conceito do feminismo, o conceito do patriarcado e o conceito do patriarcado ancestral e o entronque patriarcal, quatro perdão, ou seja não é sozinho o patriarcado, ou seja são quatro conceitos ao mesmo tempo que tem sentido, esses quatro conceitos, não é só patriarcado e nos distanciamos do conceito de patriarcado do feminismo europeu, é na realidade uma tetra, como dizer, uma tetra, são quatro conceitos interrelacionados, não é sozinho, é o patriarcado, o patriarcado ancestral, feminismo (definição de feminismo) e entroque patriarcal, porque sozinho o patriarcado não tem sentido.
Existe relação do feminismo curdo com o feminismo comunitário? Elas também trabalham de forma não hierárquica com representação política equivalente.
JP: Temos escutado das irmãs curdas, não conheço, não conhecemos, não sei se as irmãs aqui conhecem, mas escutamos que as irmãs estão se organizando em guerrilhas especificamente de mulheres, não escutamos bem, não temos estudado, mas temos apenas escutado. Conhecemos também a resistência do povo curdo, do que é o Afeganistão, o domínio também político da esquerda que tem feito. É lindo ver como nas diversas partes do mundo as mulheres podem encontrar os caminhos de explicação de nossas opressões, eu quando tomo distância, quando vocês me dizem que as irmãs fazem 40 anos agarram as ideias dos anarquistas. Porque para nós o anarquismo é parte do pensamento colonial, é colonizador, o anarquismo é a melhor resposta que tem o pensamento europeu dos homens para a situação que vivem na Europa, é a melhor resposta que tem, mas é um pensamento de homens colonial e colonizador, dentro da linha do tempo, por isso é que eu digo, está bem o pensamento poder fluir para o lado e para o outro, mas quando falam de anarquismo, nós também agarramos o anarquismo, não é o anarquismo europeu, mas era anarquista, era anarquia dos territórios da Bolívia. Não é anarquia, a nossa proposta é comunidade.
É a mesma dos curdos
JP: De nós é a comunidade que nasce de nossos ancestrais, não? Que hoje se oferece como uma possibilidade de construção aberta e quando nós criticamos o pensamento anarquista é porque a proposta anarquista se detém na realidade da comuna, que não recorre, como dizer, é linear, se apresenta pois como algo superador, superador da humanidade, não? E nós dizemos, não! é circular, é regressar, é regressar à origem. É regressar à origem, mas não é regressar, não sei se me compreendem. Então não é a anarquia, o não-governo, o não-Estado, senão é a comunidade, a proposta, porque se você está negando o governo, este é seu ponto de partida, o governo e o Estado e isso segue sendo uma linha do tempo.
As mesmas ferramentas
JP: Claro, por isso nós dizemos, não somos anarquistas, não somos feministas, estamos tratando de sair do pensamento eurocentrado, governamental, estatal, para dizer que haviam outras formas de vida que vocês nem sequer imaginam, era outro mundo que não compreendiam, que em 1492 o que fazem é comer o tempo que já começou, comendo a Europa, comendo a África, a Ásia, a todos os países que existiam. Não pode comer o tempo da China, não pode, estavam um pouco longe, mas sempre tentaram comer a China, o tempo da China da Ásia e dos países asiáticos, mas há uma barreira de idioma que impôs o mundo Chinês / Asiático, sobretudo os chineses, e não deixaram penetrar e que os comessem, mas sempre estão tentando. E hoje com a China e os BRICs e o mundo globalizado, já o estão comendo, mas todavia sobrevive, mas o resto do mundo conhecido pela Europa e dominado pela Europa foi comido, antes de 1492, mas o que acontece até 1492, é outro mundo, isso é o que nós territorializamos, a proposta é outra coisa, não queremos dizer que somos as únicas revolucionárias do mundo, isso não, não quero dar esta impressão quando dizem: É possível?, sim evidentemente é possível o que nós queremos é falar deste território, antes de 1500, antes de 1492, não foi comido, todavia não foi comido e hoje temos outra proposta que estamos recorrendo à memória antiga para que alimente a todos os sonhos, as prováveis recuperações da memória antiga das curdas, das próprias europeias, das próprias europeias, das irmãs curdas que agora estão agora em subversão, fazem, que seja 15, 40, 50 anos, não importa, elas farão a subversão, mas também as irmãs catalãs, bascas, as irmãs também tem uma memória antiga, e foram comidas pela revolução francesa e pela modernidade, foram comidos todos estes povos, ou seja este mundo, o mundo que foi comido, as africanas foram escravizadas e seu tempo comido e escravizado. Então não pretendemos dizer que nós temos a única sabedoria do mundo e a única revolução possível ou pensada, senão queremos deixar territorializadas as diferenças e os caminhos que seguem e o que hoje concretamente significa a Bolívia e o processo de mudança boliviano, porque hoje há um ataque, há aqui com Temer, sepultando os sonhos, e na Argentina, Equador está em uma crise, está sendo atacado, a Venezuela está sendo atacada, a Venezuela não é o que dizem nos meios (de comunicação), Maduro é um ditador, não é assim, não estou defendendo, mas está sendo atacado, Cuba está sendo atacada e Trump quer entrar com guerra, que fazer outro Vietnã na Venezuela e depois vir para a Bolívia.
E o Brasil vai ajudar.
JP: Sim, então é por isso que nós queremos dizer para cuidar do processo de mudança na Bolívia. O processo que está acontecendo é nosso, está alimentando os sonhos do mundo, temos que cuidar, é por isso que nós nos aferramos que isso nasceu na Bolívia, feminismo comunitário e que esta territorialização que tem consequências políticas hoje, de cuidar do processo de mudança, o governo do irmão e companheiro Evo Morales ainda que nós tenhamos críticas também, não é uma maravilha, tomamos posições, mas é o que temos e queremos cuidar.
Qual a relação do feminismo comunitário com o Estado e as políticas publicas?
Estamos propondo, estamos fazendo políticas públicas, porque consideramos que este é o tempo de propor, é o tempo de desmistificar que a política pública é uma ação que só os governos podem fazer.
Estão fazendo oficialmente?
JP: Também, porque não? Quem senão nós vai fazer política pública? Também no sentido de que existem muitas irmãs que são/governam territórios, por exemplo prefeituras, por exemplo, governos que são do movimento popular, então quem vai produzir, quem vai fazer políticas públicas, pois somos militantes, podemos propor, nós propusemos o Plano Nacional de Igualdade de Oportunidades, que foi aprovado pelo governo de Evo Morales no ano de 2009/2010, foi escrito por nós, é um marco conceitual que o livro Hilando Fino foi traduzido a linguagem tecnocrática, que não é como o Hilando Fino, que está em linguagem popular, mas o traduziram, não fui eu, o traduziram a linguagem mais técnica e é esse o pensamento. Não colocaram dinheiro para fazer, mas ai está a proposta: a despatriarcalização e a descolonização a partir das mulheres é uma proposta de política pública nossa. Agora quando voltar vou assessorar às mulheres parlamentares para fazer a lei de despatriarcalização, me pediram faz pouco tempo. Então nós estamos aí as vezes empregadas como assessoras, as vezes sem emprego, grátis, gratuitamente, mas trabalhando, porque é nosso processo, é nosso povo, estamos aí e ademais sempre com a crítica, com a crítica construtiva, com a crítica que anuncia e diz, irmãos isto não está bem, a Evo Morales também, é um machista, isso não se diz, as críticas contra a imprensa, por todos os lados estamos aí nos aportando. É necessário desmistificar, no ultimo livro O Desafio da Despatriarcalização, temos falado também com as irmãs e irmãos Zapatistas no sentido de que a política pública é um campo de disputa.
Você acha certo o que estão fazendo, com uma candidata?
JP: Está certo, no sentido em que se dá visibilidade as mulheres, mas é necessário disputar, porque os irmãos, o que estão fazendo é expor a irmã para que obedeça a linha que dá o grupo de comandantes que principalmente são homens, mas o que podemos pedir? Está bem, devemos estar com ela, apoiar, disputar, tem que lutar, as coisas não são fáceis, a candidata não tem que ser o que sonhamos, é o que o povo zapatista, Tzotzil, Tzeltal, tem hoje, e isso é o que tem e isso que temos que apoiar, porque isso é o que eles querem e o que elas querem e com a irmã temos que caminhar com paciência e com cuidado tem que estar ao seu lado.
“A é manipulada” o mesmo dizem na Bolívia das irmãs Bartolinas, “as Bartolinas são levanta mãos, não tem autonomia”, sim e? quantas mulheres burguesas não tem nenhuma crítica a seu homens burgueses, as mulheres dos partidos de direita, quantas delas tem enfrentado aos fascistas e burgueses de seus maridos? Quantas? Por que nós, que não temos educação, não temos dinheiro, não temos informação, por que teríamos que ser outra coisa? Somos inclusive melhor que o que fazem as burguesas com educação, com universidade, com Harvad e com tudo e com inglês. É importante estar ao lado de nossos povos, e não ficar criticando, “ah deveria ser assim, deveria ser assado”, pois está bem a irmã zapatista, está bem a frente, continue e ali teremos que estar as mulheres, falando com os irmãos também, não?
O que pensa do momento político atual?
JP: O que quero é que você tome consciência do que está falando. Esta é uma concepção de tempo linear, não estamos retrocedendo a 2001, porque é circular. Lamentavelmente, lamentavelmente, ainda temos, em nossos corpos, a classe trabalhadora… Em 2001, seu corpo estava em 2001 e sabia, como era a história e o povo trabalhador estava e tem todavia em seu corpo e sua memória o 2001, mas apesar disso continua a não apoiar o processo, não aprofundar o processo, isso é o que temos que levar em conta, não é linear, ou seja cometemos erros políticos, a revolução se faz a cada dia, hoje tem que…
Quando diz apoiar o processo, que processo?
JP: O processo mínimo populista, popular, progressista, como quiser chamar o que havia aqui, que não é o mesmo que agora existe, havia algo, e este algo não foi apoiado, não foi aprofundado, isso é o que com responsabilidade na Bolíva nós queremos aprofundar. Porque as coisas não são como uma varinha mágica, não, ou seja não podemos lamentar o momento de agora, tem que fazer, tem que recuperar o momento de agora com a memória de 2001, que passou em 2002, 2003 e 2010, 2014, 2015… o que aconteceu com essa memória? Agora temos que recuperar. É mais difícil, é mais difícil porque toda a América Latina, não está nas melhores condições, mas essa é a luta e tem que assumir que cagamos…a luta a memória.
Você acredita que é possível que no momento atual, você acredita que é possível que o feminismo ocidental/eurocentrico contemporâneo contribua para o individualismo?
JP: Sim, com certeza, é um dos cavalos de troia do neoliberalismo.
E você acha que o feminismo comunitário vai virar popular também?
JP: Não acredito.
Por que?
JP: Porque nos vamos fundir com o povo na comunidade e a tendência do feminismo comunitário é se diluir na comunidade, nós não queremos ser eternamente feministas, não? Não queremos ser a celebridade Feminista Comunidade do ano 3000, não, ou seja o que impulsiona o feminismo comunitário é a comunidade, a razão de existir é a comunidade. Então a comunidade enquanto não existe, enquanto o mundo continue com fronteiras nós estaremos lutando, não vamos fazer isso seguindo a moda, se somos populares em todos os movimentos, então neste momento no qual já não tem razão de existir o feminismo comunitário porque as pessoas, os homens e as mulheres, já está, acabou o feminismo comunitário, viva a comunidade!
Mas esta coisa do feminismo ficar popular não é boa? É má ou não é nada?
JP: Não sei se popular é a palavra, estar na moda. Eu acredito que uma das coisas que o feminismo comunitário tem feito é ter agarrado a palavra feminismo e ter colocado ela novamente em uma linguagem latino-americana, por exemplo e a América Latina está influenciando todo o mundo, porque não foi a Europa que voltou a colocar na moda a palavra feminismo, foi a América Latina, e na América Latina foi o feminismo comunitário porque na realidade o feminismo, o que é feminismo institucional burguês eurocêntrico, o que fez foi destruir o feminismo nas políticas de gênero, elas não queriam ser feministas, elas disseram que já passou a época, que não havia necessidade do feminismo, mesmo as mulheres da livraria de Milão, da Itália, declararam que o patriarcado tinha terminado nos anos 90. Claro, porque elas estavam falando de uma nova era na qual não havia necessidade do feminismo, acabou o feminismo e deram como morto, nós replantamos o feminismo na América Latina, é o feminismo comunitário com a despatriarcalização com a proposta de descolonização e despatriarcalização, somos nós as culpadas disso, mas também temos que lutar, por isso agora dizemos que não somos feministas, é a como dizer, a política contra-hegemônica que estamos fazendo, elas são as mesmas tecnocratas de gênero, são as mesmas ONGs, as mesmas neoliberais, que diziam que não eram feministas e agora voltaram a ser feministas, então temos que denunciar isso também. E por isso dizemos, não somos feministas, não somos, somos feministas comunitárias.
É possível uma solidariedade internacional?
JP: Sim, o feminismo comunitário está constituído por muitos tecidos orgânicos, nós estamos fazendo esta parte nossa, também aqui no Brasil pudemos conversar com muitas irmãs, estivemos em um espaço onde foram muitas irmãs feministas de diversos grupos e elas falaram que fazia muito tempo que não se dava esse encontro, a noite nos juntamos para discutir a justiça comunitária, por exemplo, não os típicos temas por exemplo despenalização do aborto, direitos sexuais, direitos reprodutivos, violência contra mulheres, isso aí nós discordamos, mas nós discutimos justiça comunitária e aí temos concordância, talvez que há a necessidade de se discutir a conjuntura.
Que são questões que são feministas, mas não são “Feministas”.
PJ: Que nos tocam, que são do interesse das mulheres, porque nós feministas não somos uma classe a parte, ou seja existem feministas de uma classe a parte, mas as feministas comunitárias, as feministas populares, as feministas periféricas, as feministas negras as feministas indígenas mesmo que não sejam comunitárias temos problemas e interesses que cruzam o nosso povo, cruzam a nossa classe trabalhadora e isso não discutimos, nós juntamos as mulheres para discutir a agenda que nos dá a ONU, que nos dá a Cooperação Internacional, e não os problemas do nosso povo, que são também problemas nossos, de mulheres feministas indígenas, feministas negras, feministas proletárias, feministas estudantes, então é uma forma de separar o ativismo, a militância feminista dos problemas reais das mulheres, e nós do feminismo comunitário, dizemos “não, os problemas nossos de violência de despenalização do aborto são políticos e são da comunidade, porque os que nos matam, os que nos engravidam, são os irmãos do proletariado, nossos irmãos da esquerda, são com eles que temos que discutir paralelamente da falta de moradia, da falta de terra, da falta de água”, paralela e ao mesmo tempo temos que discutir tudo isso.
E aí teremos um trabalho dobrado, não?
JP: Sim, e temos que ganhar o espaço da assembleia, e temos que levar nossa posição no movimento sem-teto, temos que levar nossa posição do feminismo comunitário para o teto e companheiros. Também queremos teto seguro sem violência e o que vamos fazer para que debaixo desse teto, para homens e mulheres, que vamos fazer para viver tranquilas para que as mulheres não apanhem, para que as meninas não sejam violentadas por seus pais, o que vamos fazer? Então aí levamos a proposta, colocamos o corpo na luta pelo teto e também é teto para nós, e aí discutimos com os irmãos.
Como não adoecer com esta carga dupla?
JP: Uma das primeiras coisas que implantamos no Plano Nacional de Igualdade e Oportunidade, é uma metodologia, porque são cinco campos de ação para lutar, como política pública falamos sobre a recuperação do tempo das mulheres, que significa lutar para, concretamente, dois aspectos: a remuneração do trabalho doméstico como política pública um, que deve ser pago pelo Estado e pelos empresários capitalistas. Para as mulheres o trabalho doméstico é uma luta que ainda não começamos, mas que está proposta na Constituição política do Estado, nós colocamos que o trabalho doméstico deve ser quantificado e remunerado, está na Constituição, ninguém se lembra, mas nós lembramos, mas ainda não começamos esta luta. E por outro lado o compartilhamento em todas as organizações sociais do “falar”, inclusive definir por acordos políticos da comunidade que nós mulheres temos o direito de nos reunirmos, e quando nos reunirmos as mulheres, os homens devem cuidar das crianças e devem fazer as tarefas domésticas. Em algumas comunidades isto já está acontecendo, em outras existe resistência, mas a luta com as irmãs mulheres e os irmãos homens é falar e dizer que o trabalho doméstico, além de ter que lutar para que seja remunerado, deve ser compartilhado, porque até que o Estado, ou os capitalistas paguem, nós mulheres seguimos com uma dupla, tripla jornada.
Outro campo de ação desta metodologia é o corpo das mulheres, então falamos não só das políticas públicas de saúde, senão também da prevenção na saúde das mulheres, como o descanso, como comer… as mulheres não comem, hoje tem mais comida, temos lutado para melhorar as condições de comida, hoje na Bolívia as pessoas não morrem de fome como antes, morriam de fome, hoje não morrem de fome, mas ainda as mulheres seguem pensando que quem tem que comer mais é o homem, o filho, a filha, ela não. Bom, nós estamos falando, mas todavia não de forma massiva, que temos que cuidar de nossos corpos, isso é o que nós fazemos. Agora, pessoalmente, nós tentamos nos cuidar mas também descuidamos, pessoalmente digo, descuidamos de nossa saúde, porque trabalhamos e estamos em uma coisa, estamos em outra… Mas também como somos uma comunidade de mulheres, existem irmãs que cuidam de nós e também reinvindicam o corpo, e por isso então equilibramos, equilibramos e isso nos ajuda, porque não estamos sozinhas, fazemos comunidade, sempre tem uma irmã que diz: “descansa, vamos comer, durma, não beba tanto, se cuida, se está doente”. Então esta prática entre nós comunitárias também está crescendo, ainda que tempo falta, digo que falta porque deveríamos ter mais tempo, mas existe esse cuidado. Não é como a esquerda, a esquerda é bastante martirizadora, há destruir o corpo, porque mártires. são um homens de aço.
É possível um Estado feminista?
JP: Não. Bom, sim institucional eurocentrico, sim, o partido feminista espanhol quer tomar o governo e quer fazer parte do Estado na Espanha. Na Dinamarca também, existe a Lista de mulheres, ou sejam querem fazer e devem tentar, também existe uma tendência que nós chamamos de hembrismo, (macho – machismo, hembra – hembrismo) que é o posicionamento de alguns grupos de lésbicas, mas também de mulheres héteros que internalizaram a metodologia machista e que querem dominar também os homens, e existe essa intenção dissimulada e muitas vezes explícita de alguns grupos de mulheres que quiseram matar os homens ou que quiseram dominar os homens, que devem vir a vingança, mais ou menos, mas são grupos pequenos de gente de poder, de gente com poder, sim de burguesas, que elucubram um pouco.
O que você pensa sobre ações feministas escracho, como vinganças contra os homens que cometeram assédio? Como formas feministas de justiça?
JP: É muito doloroso irmã, porque estamos fazendo merda entre nós, porque eu entendo, na outra noite nós falávamos, que é imprescindível responsabilizar-se do que se faz, um homem violador, não pode dizer, “eu não fiz nada”, um homem que bate em uma mulher não pode dizer: “Eu não fiz nada”, mas não podemos atuar como uma inquisição, que vai às casas. Estes homens são da nossa comunidade, são de nossos movimentos, o que aconteceu? O que aconteceu com o movimento? Um homem violador, agressor, não aparece da noite pro dia, aconteceram muitas coisas, foi criado no meio de uma classe trabalhadora de um grupo de pessoas, o que aconteceu? Não é da noite pro dia que alguém viola, que alguém mata, que alguém agride. O que estamos fazendo, temos que nos responsabilizar, inclusive existem homens que participam desses escrachos, que vão e apoiam as mulheres, e você o que fez? Onde estava enquanto este que era seu amigo? Os homens também, dizem: “Eu sou contra a violência irmã e apoio” e são muito populares entre as mulheres porque são homens feministas, mas o que fizeram para que isso não acontecesse? Sim o que fizeram? O que fazem? Onde estavam?
E quando acontece um caso como esse de agressão, violação, como lidam com isso?
JP: Dentro do que são as propostas de justiça comunitária, nós estamos trabalhando na Bolívia para que a violação, a pedofilia, o abuso sexual e o feminicídio, sejam tratados de maneira comunitária, como uma troca dentro da justiça comunitária, como uma reeducação que seja feita dentro das comunidades, porque uma das coisas que algumas comunidades fizeram foi expulsar de sua comunidade o violador, mas ele vai para outra comunidade fazer o mesmo, fazer o mesmo, então é necessário, e na Bolívia a justiça ordinária e a justiça comunitária tem duas constiuições e deveriam ter o mesmo valor, todavia não o tem, mas estamos falando, insistindo, propondo para que a justiça comunitária ocupe o lugar de cura de nossas organizações de nossas comunidades, de nossos povos. Porque temos uma lei magnifica, a n. 348 que diz: “para garantir às mulheres uma vida livre de violência” é magnífica, que bem não garante nada, ou seja os feminicídios. Estava escutando esta manhã, que na semana passada em uma rodovia, uma jovem, igual todos os dias, não temos parado, não se deteve os feminicídios, não se detiveram as agressões, então se passou cinco anos, o que acontece? Não é suficiente a lei, a lei serve para visibilizar estatalmente, institucionalmente que existe uma violência explicita dos homens contra as mulheres, estatal, pronto, mas não vai barrar, os policiais não irão deter a violência, porque eles também são violadores, os juízes não irão julgar, porque também são feminicidas, violadores e agressores, não vão deter, mas existe uma visibilização, um reconhecimento, do Estado Boliviano, plurinacional, que há uma violência que é exercida pelo sistema, o sistema de educação, e pelas instituições do Estado, há uma violência que é exercida todos os dias contra as mulheres, isso é a lei, não esperamos que seja a solução, a solução tem, que ir por outro lado, e isso para nós é a justiça comunitária, pretendemos, fazer isso mas todavia não conseguimos realizar ainda.
Você fala das ONGs e coisas assim, o que pensa, por exemplo está aqui por uma instituição, uma fundação, e acredita que fazem um papel importante para que difundam as ideias do feminismo, tem um trabalho mais como de apoio ou de atraso?
JP: Não estou aqui por uma fundação, estou aqui porque minhas irmãs feministas comunitárias, me convidaram, que elas busquem maneiras de financiar minha passagem é legitimo, podemos fazer arrecadação, podemos fazer uma festa, mas podemos também, há dinheiro que está vindo, para mulheres, para movimentos, e você tem que pegar na medida que não te condicione temas, espaços, linguagem, argumentos, narrativa, fotos, ou seja na medida em que não te condicionam, nada que você não queira, pois é legítimos que eu e minha irmãs as feministas comunitárias utilizemos estes fundos que vem para nosso povo para nosso trabalho, e podemos lutar inclusive, disputar os fundos com as ONGs, ONGs grandes que arrecadam fundos grandes para fazer pouca coisa, então isso é legítimo.
C: O que acontece aqui, eu acredito que agora com este feminismo pop, na moda essas coisas, a pauta social está mudando para uma parte das ONGs, essas organizações com recursos, que tem um pé ou dois pés no capitalismo, e como falam pela libertação das mulheres, mas na verdade estão fazendo políticas para o governo e não para as mulheres, sabe? Eu acredito que está é a forma que está mudando o feminismo aqui, uma coisa comercial, não social.
JP: Isso para mim não é só aqui irmã, na Bolívia também está igual, sim, e também a noite a Lívia disse que lançamos um meteorito a noite, dizemos e denunciamos que esta campanha de “Ni una a menos” tem este objetivo também, está com esse objetivo de despolitizar a luta das mulheres de revitimizar as vitimas de arrinconarmos??? de reduzir nossas preocupações a isso, disso que sim devemos nos preocupar, mas não só esta a preocupação, devemos nos preocuparmos com muitas coisas e agora os fundos internacionais e da ONU todos estão dirigidos, não se pode preocupar de se organizar, da água disso não.
C: Só temos que nos manter vivas.
JP: Sim, e isso despolitiza nossas lutas. Não só dos grupos POPs que são as pinks, as feministas barbies, senão também pelo lado das supostamente politizadas.