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Risco mimimi em números

Saiu no site FOLHA DE S.PAULO

 

Veja publicação original: Risco mimimi em números

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Discursos de políticos não são inócuo

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Por Vera Iaconeli

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A peça “Henrique V” (1599), atribuída a William Shakespeare, narra uma façanha inglesa na batalha de Azincourt, de 1415. A disparidade numérica de 4 para 1 dava larga vantagem aos franceses que, ainda assim, perderam para os britânicos. O bardo inglês coloca todas suas fichas no poder de liderança do rei ao fazer seu discurso, às vésperas da batalha. Ficção ou história à parte, sabemos como somos capazes de proezas diante de lideranças fortes com as quais nos identifiquemos, seja para lutar pelo bem comum, seja para a destruição em massa.

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Discursos não são inócuos. A mais ingênua fofoca gera ruído e desconfiança, e não olhamos a pessoa sobre quem se ouviu um comentário negativo da mesma forma que a olhávamos antes.

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No dia 8 de março de 2017, o então deputado Jair Bolsonaro (PSL) gravou o seguinte comentário para o Dia da Mulher: “Parabéns a todas as mulheres do Brasil, porque eu defendo a posse de armas de fogo para todos. Inclusive vocês, obviamente, as mulheres. Nós temos de acabar com o ‘mimimi’. Acabar com essa história de feminicídio, que, daí, com arma na cintura, vai ter é homicídio”.

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Desde o início de 2019, um fenômeno tem desnorteado pesquisadores e cidadãos: o aumento estarrecedor dos casos de feminicídio em São Paulo, justamente no momento em que a sociedade parece mais sensível ao tema. Qual a aposta dos pesquisadores?

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Tem sido pauta da campanha do atual presidente do Brasil o discurso de desqualificação, que chama de “mimimi” o sofrimento de mulheres, negros, indígenas, transexuais e pobres. Pauta que foi corroborada, assumida ou simplesmente ignorada pelas pessoas que votaram nele em troca de uma quimera econômica.

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O risco de considerar graves denúncias um simples “mimimi” estava precificado, como dizem os analistas econômicos, quando os brasileiros decidiram fechar os olhos para a violência dessa negação.

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Algo como vender a alma ao diabo, sem pretender entregá-la no final. A pesquisa científica foi dando lugar à política do achismo econômico oportunista (liberação das armas, por exemplo) com efeitos nefastos mensuráveis.

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Vimos na última semana um deputado hostilizar uma colega em plenário, afirmando que tiraria uma transexual a tapas do banheiro feminino se preciso fosse, alertando que apenas a biologia pode definir o gênero. Esse senhor esquece que a biologia é um discurso sobre os corpos e não sobre os sujeitos. Mas é claro que a notícia mais picante veio a seguir, quando ele teve que pular do armário às pressas antes que viesse a público sua verdadeira orientação sexual. Não obstante, retomou seu discurso de ódio. Ódio a si mesmo por ser gay ou necessidade de manter o eleitorado, a essa hora já bastante abalado?

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Fica em aberto. Discursos de políticos não são inócuos, porque deles partem políticas públicas e identificações morais, que inibem ou incentivam comportamentos sociais.

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Quando nos debruçarmos sobre os números do “risco mimimi” —o dobro de casos de feminicídio no primeiro bimestre de 2019 em relação ao mesmo período de 2018, uma morte a cada quatro horas— lembremos da crítica às feministas que saem nuas pelas ruas, defecam em fotos, fazem gestos obscenos, gritam palavrões nos raps e nos funks. São essas as chocantes e imperdoáveis armas das mulheres?

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Esses são gestos pueris quando comparados com os homens que, armados de discursos misóginos, músculos e, em breve, de mais revólveres, não cessam de abusá-las, estuprá-las e matá-las. E, pelo amor de Deus, esqueçam o mimimi.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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