Uma tradição milenar da gastronomia oriental diz que mulheres têm mãos quentes e, por isso, não podem manusear o peixe sob o risco de apodrecê-lo. A crença é levada tão a sério no Japão, que é praticamente nula a presença feminina nas cozinhas. A paulistana Alice Celidônio, 27 anos, se diverte com o mito. Ela é chef do sushibar do Un, um dos mais badalados restaurantes dos Jardins, bairro nobre de São Paulo.
“É difícil ver as mulheres à frente de qualquer atividade no Japão. A gastronomia é só mais um desses lugares”, opina sushiwoman, um caso raro de especialista mulher no corte e manuseio dos peixes no Brasil. Alice começou a se interessar pelos sushis e sashimis em seu primeiro emprego, como garçonete de um “japa” em Florianópolis (SC), onde cresceu. Após um ano servindo as mesas, pediu ao dono do lugar que lhe desse uma oportunidade no balcão. “Antes, tive que fazer um curso na cozinha durante os dias de Carnaval, às 7h”, recorda. “Foi um teste do dono para ver se eu estava determinada”.
Quero deixar um legado. Sou uma mulher que se impôs em uma gastronomia milenar
“Testes” assim, vez ou outra, reaparecem na vida de Alice, mesmo após 10 anos de experiência. O mais recente aconteceu durante uma viagem ao Japão. Em Kappabashi, rua em Tóquio conhecida pela venda de facas, a sushiwoman sonhava em adquirir uma yanaghi, um momento simbólico para os chefs orientais. “O vendedor se deparou com uma moça, ainda por cima, brasileira, e claro, tentou empurrar peças ruins, com o fio desalinhado…”, explica. “Ele só me levou a sério quando notou a forma com que eu manuseava a faca. Percebeu que eu não estava ali como curiosa”.
Na peça escolhida, no lugar de seu nome, Alice mandou gravar três símbolos que significam “amor”, “jasmim” e “sagrado”. “Mas quando se lê, a pronúncia é ‘Arice’. É a forma como os japoneses dizem meu nome”, explica. “Não ficou do jeito que manda a tradição. Mas valeu a intenção”.
“Arice” gosta mesmo é de quebrar regras.
Coordenação de vídeo: Danillo Sperandio; Direção de Arte: Fernando Faraon e Guilherme Leme; Edição de vídeo: Juliana Fumero; Imagens: Juliana Fumero, Marcelo Ferraz, Marcelo Pellegrino e Rafael Mori.
Publicação Original: Revolucionárias