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#AGORAÉQUESÃOELAS
Por Sil Bahia*
Outro dia, assistindo ao Tedx da Rapper Preta Rara “Eu empregada doméstica” fiz algumas reflexões sobre as possibilidades que nós mulheres negras e indígenas temos no mundo do trabalho. Assim como a Preta Rara, sou filha e neta de mulheres que trabalharam a vida inteira como empregadas domésticas e também contrariei as estatísticas quando não me tornei uma. Fiquei pensando em como é difícil sonhar ser algo que você nem imagina que é possível.
Ter exemplos que inspiram e ampliam repertórios e as possibilidades é parte importante da nossa educação e influencia o lugar que aspiramos ocupar no mundo. Desde que, há um ano, comecei a trabalhar no Olabi, organização referência na promoção da descentralização do fazer tecnológico, venho percebendo como isso influenciou outras meninas e mulheres negras a me procurar e pensar que atividades ligadas a esse universo poderiam ser um caminho a seguir.
Realizamos nesse período uma série de encontros, atividades, levamos a discussão a outras organizações e agora resolvemos fazer um esforço concentrado para aumentar a quantidade de meninas e mulheres negras e indígenas no universo da inovação e tecnologia. A PretaLab, que nasceu oficialmente na última sexta-feira, dia 17 de março, é uma iniciativa que busca mostrar que estamos aqui, existimos e fazemos a diferença nos espaços em que ocupamos. Ela foi criada para dizer para outras meninas negras e indígenas que elas podem, sim, sonhar com outros futuros e não só aqueles que estão socialmente dados para nós.
Com o apoio da Fundação Ford, o objetivo da PretaLab é, além de gerar dados, dar visibilidade para meninas e mulheres que já estão inseridas nessa área, organizando uma rede de colaboração. Cabe lembrar que as tecnologias digitais desempenham um papel cada vez mais central no mundo contemporâneo. É a partir delas que decisões são tomadas e que o futuro está sendo moldado. Por isso, olhar para as tecnologias é essencial se queremos pensar a redução de desigualdades e a transformação social. Fala-se muito no possível impacto positivo da revolução digital e sua capacidade de resolver os grandes problemas sociais do mundo, mas o fato é que diversos estudos comprovam que a tecnologia tem sido um importante vetor para a concentração de renda e das oportunidades.
Dos alunos que ingressam nos cursos relacionados à computação e tecnologia apenas 15,53% são mulheres, de acordo com o levantamento feito pelo Inep/MEC em 2013. E 41% das mulheres que trabalham com tecnologia acabam deixando a área, em comparação a 17% dos homens, segundo outro estudo sobre o tema, esse desenvolvido pela Harvard Business Review. Ficar à margem de processos que são centrais na sociedade diminui o nosso potencial de intervenção. Se o digital é cada vez mais a realidade, precisamos lutar para que as tecnologias sejam produzidas por todo o tipo de pessoa. Face a esses dados atuais, é urgente trazer esse protagonismo para as mulheres negras do Sul.
Arrisco dizer que a ausência de mulheres negras e indígenas nos espaços voltados para área de tecnologia e inovação está ligado diretamente a dois fatores: acesso e falta de referência. Acesso porque quase tudo relacionado a esse campo é caro, em inglês e são raras as políticas (públicas ou privadas) destinada ao nosso ingresso e permanência nesses espaços. A falta de referência é outro fator determinante: se ser uma mulher nas tecnologias já é um desafio, imagina para nós, negras. A ausência de referências positivas sobre mulheres negras e indígenas é uma questão social que perpassa não apenas o mundo das tecnologias, mas os mais variados campos profissionais e de poder.
Quase não existem dados sobre quantas são as mulheres negras nesse campo. 4% é a porcentagem de mulheres negras entre as fundadoras de startups de tecnologia nos Estados Unidos. No Brasil, segundo um levantamento do Grupo de Gênero da Escola Politécnica da USP (Poligen), em 120 anos a USP não formou nem dez mulheres negras. Ainda, na lista das pioneiras da ciências no Brasil, criada pelo CNPQ, nenhuma das mulheres citadas é negra. Democratizar o acesso às tecnologias é ampliar não apenas o consumo, mas a possibilidade de criar as aplicações e não podemos fazer essa discussão sem complexificar a questão de gênero mas também de raça.
As mulheres, no geral, merecem políticas e estímulos para que esse índice seja melhorado. Mas, resolvemos fazer um recorte de raça, para além desse de gênero, porque tenho acompanhado uma discussão crescente sobre a necessidade de aumentar a presença feminina e senti falta desse olhar mais amplo. E não podemos deixar passar a oportunidade de democratizar, de fato, o acesso às ferramentas que podem nos permitir a criação de sociedades mais democráticas e justas. E, para isso, é fundamental a gente falar sobre as mulheres negras e indígenas.
Aliás, quantas mulheres negras você conhece trabalhando com tecnologia e inovação? Sabemos que somos poucas mas é importante saber a dimensão desse “pouco”. Inclusive porque sem dados é difícil orientar políticas. Por isso, a PretaLab nasce como um chamado para coletarmos histórias de outras mulheres que atuam nesse campo. Partimos de um mapeamento, com um formulário simples disponível no site www.pretalab.com
Precisamos agora fazer com que esse formulário chegue a maior quantidade de pessoas possível. E falamos não apenas sobre as desenvolvedoras de software, as cientistas da computação, de dados e diversas engenharias, e sim sobre as produtoras de conteúdo, analistas de mídias sociais, ativistas do campo da internet, inventoras de garagem, artistas digitais, experimentadoras de linguagens e as muitas meninas e mulheres que de forma autodidata têm aprendido com a infinidade de tutoriais no Youtube sobre eletrônica, robótica, softwares e outras técnicas ligadas ao mundo da inovação e da tecnologia.
Se você acredita que essa chamada é para você ou conhece alguém nesse perfil, compartilhe este texto, use a #PretaLab e me ajude a realizar um antigo sonho:
ver mais mulheres negras ocupando espaços que, na maioria das vezes, não são destinados para nós.
*Silvana Bahia é Diretora de Programas do Olabi, pelo qual está à frente da PretaLab, iniciativa focada em estimular mulheres negras e indígenas nas tecnologias. Mestre em Cultura e Territorialidades pela UFF, foi facilitadora da Maratona RodAda Hacker – oficinas de empoderamento feminino em novas tecnologias.