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“Preferia estar trabalhando para não sofrer violência doméstica”

Saiu no site N10:

Por Gleide Ângelo

Caros leitores,

No artigo desta segunda (26), falo sobre uma situação vivenciada por diversas mulheres que sofrem violência doméstica: a de se refugiar no trabalho para não ter que retornar à casa. Recebi várias mensagens falando sobre a segurança que o trabalho proporciona, pois é um local onde o agressor não está. Justamente no lar, que deveria ser o local de proteção, é onde se está mais vulnerável.

É triste ler relatos de mulheres que trabalham em regime de plantão quando elas dizem que fazem um expediente de 48 horas seguidas para fugir da violência doméstica. Elas correm da agressão, mas se torturam com escalas dobradas, levando o corpo e a mente à exaustão. Conversei com três delas que passaram por esse problema – duas da área de saúde e uma da segurança. Todas disseram que se oferecem para trabalhar no lugar dos colegas. Não pelo dinheiro, mas para não ter que voltar para casa. Das três, a história de uma delas me chamou mais atenção: a de uma enfermeira que vou chamar pelo nome fictício de Suzana.

O plantão de quatro dias de Suzana no Carnaval

Quando sentei para conversar com Suzana, ela logo me disse: “Estou traumatizada, ainda estou me recuperando. Sofri muito”. E era exatamente isso o que eu queria escutar. O relato de uma mulher que, mesmo sofrendo, teve a coragem de mudar. A ela espondi que sua atitude de querer mudar é o combustível necessário para encontrar a felicidade.

Conversamos bastante e Suzana narrou toda sua história de mulher batalhadora que sempre lutou para conquistar os seus sonhos. Estudou, se formou em Enfermagem, tem três bons empregos em hospitais particulares. Aparentemente, com a vida resolvida e pronta para ser feliz. E era essa sua vida. Uma mulher independente, segura e feliz, até o dia em que começou a se relacionar com Gilberto (nome fictício). Ela não sabe explicar exatamente o que aconteceu, só sabe que ele a tornou uma mulher insegura, dependente e com baixa autoestima.

“Eu já tinha meus três empregos quando o conheci. Tinha 28 anos e ele 34. Sempre tive muitos amigos, pois sou extrovertida e participo de todas as festas. Era uma pessoa muito alegre, saía sempre com os colegas de trabalho. Mas depois que comecei a me relacionar com Gilberto, tudo mudou. Não podia mais sair com os amigos e não podia conversar com eles. Gilberto dizia que me amava muito e que tinha ciúmes. Ele sempre alegava que todos os médicos tinham interesse, por isso que tinha ciúmes. Porque me amava”, contou a enfermeira.

Como era o começo do relacionamento, Suzana, apaixonada, acreditou no amor de Gilberto. O problema é que, com o tempo, ele foi ficando cada vez mais agressivo e possessivo. Ele a isolou dos amigos, observou cada ligação que ela recebia, fiscalizou as postagens nas redes sociais, nos e-mails. “Minha vida virou um verdadeiro inferno. Deixei de sair e tinha até medo de conversar no trabalho, pois achava que ele estava me vigiando 24 horas por dia. Comecei a ter medo das pessoas, medo de trabalhar. Fui diagnosticada com depressão. Passava o dia deitada dentro do quarto. Era isso o que Gilberto queria, pois virei prisioneira”, relembra.

Fui escutando a história de Suzana e vendo que ela era vítima de um homem agressor e dominador. Primeiro ele isola a mulher, destrói a sua autoestima e faz com que ela precise dele para viver. A mulher que era independente e segura é transformada em um ser frágil, inseguro e dominado. Foi exatamente isso o que ocorreu com Suzana.

Não demorou até que ela começasse a ser vítima de agressões verbais e físicas. Com medo de Gilberto, no último carnaval Suzana trabalhou os quatro dias seguidos, tirando os plantões de todos os colegas. “O medo era tanto que eu saía de casa e não queria mais voltar. Trabalhei todos os dias de festa e acabei adoecendo. Cheguei a ser internada, mas eu preferia ficar no trabalho a voltar para casa e ser agredida moralmente e fisicamente”, afirmou. Com isso, Suzana chegou ao fundo do poço e viu que precisava de ajuda.

Ela, então, procurou ajuda médica e psicológica e voltou a trabalhar, mas não era mais a mesma pessoa. “Meus amigos não me reconheciam mais. Eu não me arrumava, não me alimentava, estava parecendo uma pessoa enferma. Minhas amigas me aconselhavam a deixar Gilberto, mas eu não conseguia, não tinha forças. Era como se eu estivesse com uma doença incurável, que não existisse remédio para curar aquele mal”, disse.

Atualmente, Suzana está se consultando com os profissionais do Centro de Referência da Mulher e está mais fortalecida. Ela se afastou de Gilberto e voltou a morar com a mãe. “Não queria ficar sozinha, pois ainda estou com medo. Por onde eu ando, o vejo. A impressão que eu tenho é que ele estava em todos os lugares”, explicou.

Com a mãe, Suzana está mais segura e sua vida está voltando ao normal. Ela conta com acompanhamento no Centro de Referência e está voltando a se equilibrar. Ainda não sai com os amigos e explica o motivo: “Não estou saindo com os amigos porque tenho medo que Gilberto apareça e me faça algum mal. Esse fantasma ainda está me rondando, mas estou me sentindo bem melhor e sei que em breve tudo isso irá passar. Voltarei a ser a Suzana que meus amigos conheceram”, torce a enfermeira.

Amigas, a história de Suzana é a mesma de muitas mulheres que estão lendo este artigo. Mulheres que construíram suas vidas sozinhas, com esforço próprio e, de repente, colocaram seus destinos nas mãos de homens agressores e dominadores. Eles isolam suas companheiras para torná-las presas fáceis dos seus abusos. Eles as fragilizam emocionalmente, fazendo com que elas acreditem que merecem sofrer todo o tipo de agressão. As que sofrem violência psicológica se sentem culpadas e acham que o homem é violento por culpa delas. Com a autoestima baixa, elas não conseguem enxergar o mal que o agressor lhe faz e não conseguem sair do ciclo da violência que vai aumentando a cada dia.

Se você está passando pelo mesmo problema que Suzana, procure ajuda. Você não é culpada pelo seu companheiro ser um agressor. Você precisa se fortalecer para sair dessa relação doentia e cessar o ciclo da violência. Isso será feito com uma denúncia, então procure uma delegacia de polícia, registe um boletim de ocorrência e solicite uma Medida Protetiva. Assim você estará segura e o agressor verá que você não permite mais ser agredida. O seu basta lhe protegerá da violência. Seja firme, supere a dor, se fortaleça e denuncie.

Você não está sozinha, veja onde buscar ajuda:

– Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008 // 3009 // 3010

– Centro de Referência da Mulher Maristela Just – (81) 3468.2485

– Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon – 0800.281.2008

– Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107

– Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187

– Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal – 180

– Polícia – 190

A mulher e a lei Gleide Ângelo é delegada especial, gestora do Departamento da Mulher. gleideangelo@gmail.com

Publicação Original: “Preferia estar trabalhando para não sofrer violência doméstica”

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