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“Posso errar bastante, mas prefiro não me calar”, diz Sonia Braga

Saiu no site ELLE:

 

Veja publicação original:     “Posso errar bastante, mas prefiro não me calar”, diz Sonia Braga

 

 

Sonia Braga está de olho no Brasil. A atriz vem tentando entender o que, afinal, acontece com o país que ela conhecia tão bem e hoje lhe causa espanto.
Por Luara Calvi Anic

Sonia Braga está aflita com o país. “Está complicado entender o que aconteceu desde o impeachment. Eu passo de um pensamento ao outro e não consigo explicar. E ainda tem a questão da mulher, do aborto, do negro e todo esse conservadorismo. São problemas que existem há muitos anos no país. Vivemos um retrocesso.” Falar é o seu caminho para tentar chegar a alguma conclusão. “Posso errar bastante, mas prefiro não me calar, não ficar quieta.” Ainda que viva em Nova York desde os anos 1990, o Brasil não sai da sua timeline no Facebook e das suas preocupações. Mês passado, desembarcou por aqui para visitar a família, voltar a Recife (onde gravou Aquarius, o filme que a trouxe de volta ao cinema brasileiro), para ver o show de Caetano Veloso e os filhos. Acabou visitando o acampamento do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. E topou estampar uma das capas desta edição de ELLE interpretando Mona Lisa, na pintura clássica de Leonardo da Vinci.

No dia do ensaio, depois de cumprir o carão protocolar de “Mona” (como passou a assinar os últimos e-mails que trocamos), Sonia jogou pedaços do cenário para o alto, fez careta, balançou os enormes cabelos. O resultado está nas fotos que você confere a seguir. Aos 67 anos, Sonia preenche o set com sua energia e autoconfiança. Desde que começou como atriz, no fm dos anos 1960, fez a sexy, a diva, topou o clichê da brasileira, que acabou colando em sua imagem. Fez Globo, fez filme premiado, fez pornochanchada. Usou na prática o “meu corpo me pertence”, bradado por feministas de sua geração. Ao longo de sua carreira, fez política apenas sendo ela mesma.

Para a edição de novembro de ELLE, liberou a publicação de uma foto de 1986, um nu clicado por Bob Wolfenson que está no livro que ele lançou no mês passado. “Mostrar-se nua adquiriu agora outro sentido, o de resistência à forças retrógradas e cínicas, que buscam criminalizar a arte e a nudez para desviar a atenção de assuntos que de fato importam para o país. Por causa disso, liberei a foto para a divulgação do livro. É um ato político”, disse em meio às polêmicas pelo fechamento da exposição Queermuseu, no Santander Cultural, e as críticas à performance La Bête, apresentada no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). “O artista é necessário”, diz Sonia, logo após trocar suas vestes de Mona Lisa por um look mais urbano: calça cargo, tênis e pochete.

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Como foi reproduzir a Mona Lisa agora, para a ELLE? Você é muito teatral no set.

Eu não sou teatral. Eu sou cinematográfica! Não faço teatro. Eu faço cinema. Adoro muito mais fazer still do que filmar. Nesse tipo de foto a equipe está junta, é quadro por quadro. Tem um cabelinho que saiu do lugar, tem aquele fundo. No cinema, você filma uma cena inteira e no final a gente vai discutir esses detalhes todos. Gosto de surpreender o fotógrafo, fazer umas caretas para acordar ele, a equipe.

O que significa fazer essa cara de Mona Lisa nesse momento que a gente vive de conservadorismo e censura às artes?

Acho que todo mundo está olhando para o momento de retrocesso que estamos vivendo. Não é só no Brasil. Aparentemente quase no mundo inteiro. As pessoas vão ver essa foto e talvez se identificar. Ela é parte de uma sequência. Não é um trabalho isolado. São outras pessoas participando e que estão pensando a mesma coisa: o Zé Celso está perdendo o teatro dele. Não é justo, pois é uma voz importante. O Caetano sendo acusado de mil coisas, proibido de tocar em São Bernardo.

Você mora fora faz bastante tempo. O que você percebe quando vem para cá?

Eu converso muito com as pessoas. E percebo que elas estão estranhas. O Brasil é reconhecido como um lugar alegre, sempre foi. Só que acho que está acontecendo um medo de não ser.

Seria um medo do futuro?

De perder a alegria. É esse momento de terrorismo que estamos vivendo, em que você está numa cidade que tem tiroteio, guerra civil, terrorismo psicológico. De você não saber que notícia vem no dia seguinte. O brasileiro é feliz, é uma energia que ele tem. Mas as pessoas estão tristes, preocupadas. Você tenta entender hoje sabendo que amanhã pode ser pior.

sonia_braga

Aliás, por que você foi para a ocupação do MTST em São Bernardo, onde o Caetano faria um show?

A Paula Lavigne organizou e me chamou logo depois que assisti ao show do Caetano com os lhos. Ela falou que as pessoas iam e disse: “Vamos embora!” A gente (Leticia Sabatella e Alinne Moraes) foi para ter um encontro com o pessoal da ocupação. Foi três dias antes da data do show do Caetano, mas lá soubemos que tinha sido proibido.

O que você reteve da visita?

Minha sensação é de que existe uma classe média que não se deu conta dos problemas sociais muito graves pelos quais o Brasil está passando há muito tempo. Conversamos com as pessoas, tipo uma pequena assembleia, e eles colocaram o que estão fazendo. Depois desse pequeno encontro de vozes, cada um partiria para um canto pra fazer algum tipo de trabalho e participar. A minha parte era ajudar as mulheres e homens que trabalham nas cozinhas. Cada grupo de casas tem uma cozinha em comum, em que todos fazem a comida, inclusive para os outros. Para mim isso não é estranho, cresci em uma família grande dos anos 1950, que compartilhava esses momentos.

Você acha que, com a internet, as pessoas estão debatendo mais assuntos que antes ficavam fechados a grupos que pensavam de maneira mais semelhante?

Não. Acho que isso aconteceria de uma maneira ou de outra. Existem movimentos sociais, eles estariam nas ruas, as coisas estariam sendo debatidas. Nos anos 1980, existia essa patrulha ideológica no cinema. Você fazia um filme, falava alguma coisa e te agrediam. Hoje, está todo mundo se agarrando em todo mundo, tentando se explicar. Tem gente com quem eu gosto de conversar. Caetano, por exemplo. Ele é uma pessoa não só lúcida e corajosa, mas a maneira como ele conversa é muito clara. Às vezes, eu posso discordar. Por que não? É uma beleza encontrar essa discórdia gentil, que parou de existir.

Conversar, discutir, é esse o caminho?

Acho que às vezes dá um vazio quando você vai começar a falar sobre tudo isso. Pensar e sentir é muito mais fácil, mas não falar me incomoda muito. Muito mais do que falar. Mesmo que não esteja certa na maneira como eu fale, como eu brinque ou como eu grite, prefiro esse erro agora. Posso errar bastante, mas prefiro não me calar, não ficar quieta.

 

 

 

 

 

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