Saiu no site: HUFFPOST
Por: Catherine Pearson
Um juiz de Turim, na Itália, absolveu no ano passado um homem de 46 anos acusado de agredir sexualmente uma mulher. Segundo o Washington Post, o juiz justificou sua decisão dizendo que a mulher não reagiu energicamente. Ela disse “pare!” e “chega!” enquanto estava sendo atacada, mas não gritou.
Dizer que uma mulher não pode ter sido violentada porque sua reação à agressão foi muito comedida é um argumento profundamente falho, mas o caso ocorrido na Itália não é nenhuma novidade. A expectativa é que as mulheres atacadas reajam e lutem contra o agressor. Quando elas não o fazem, seus relatos são questionados e até desacreditados, às vezes pelas próprias pessoas e os próprios sistemas que deveriam protegê-las.
Um estudo sueco recente e surpreendente publicado no periódico Acta Obstetricia et Gynecologica Scandinavica mostra até que ponto é “normal” que vítimas de agressão sexual sofram uma paralisia temporária que as impede de resistir ou gritar. Os pesquisadores entrevistaram quase 300 mulheres que procuraram uma clínica de atendimento emergencial em Estocolmo em até um mês depois de sofrer um estupro ou tentativa de estupro. 70% delas disseram ter sofrido um nível importante de “imobilidade tônica”, ou paralisia involuntária, durante o ataque.
Quase 50% relataram ter sofrido paralisia extrema, de modo que, na prática, ficaram catatônicas.
“Isso realmente confirma que grande número de mulheres sexualmente agredidas não reagem de maneiras que enxergamos como sendo o padrão típico de ‘lutar ou fugir’ – elas reagem ficando travadas”, disse ao HuffPost Laura Palumbo, diretora de comunicações do Centro Nacional de Recursos contra a Violência Sexual. Ela, que não participou do estudo, disse que a descoberta confirma como são complexos os aspectos neurobiológicos do trauma e que não existe uma reação que seja comum a todos.
A imobilidade tônica é vista como um mecanismo evolutivo de defesa dos animais.Quando eles não têm como reagir a um ataque ou quando não têm como se defender, seus corpos “congelam”.
Algumas mulheres que compartilharam suas histórias de agressão sexual descreveram essa sensação em palavras. “Quando ele começou a arrancar minha calcinha de qualquer jeito, meu corpo pareceu ficar paralisado”, escreveu Jackie Hong em artigo para o site Vice. “Mil pensamentos passaram por minha cabeça e aí pararam, e minha mente começou a vagar para outro lugar, algum lugar mais seguro, enquanto meu corpo ficou deitado no carro dele, duro e em silêncio.” Outros textos descrevem a vergonha que as mulheres sentem depois da agressão. “Mais que tudo, eu me senti estúpida por ter travado e não ter fugido antes”, escreveu outra pessoa.
Os pesquisadores também descobriram que as mulheres que ficam paralisadas quando são agredidas correm risco maior de sofrer de depressão e transtorno de estresse pós-traumático subsequentes. As razões da correlação não estão totalmente claras, mas a imobilidade tônica, a depressão e o TEPT todos possuem um forte componente neurobiológico.
Palumbo disse que pessoas que trabalham com sobreviventes de violência sexual já sabem há algum tempo que a paralisia temporária é uma reação normal, mas que o estudo mais recente mostra a prevalência dessa reação. Ela espera que estudos futuros explorem essa reação em homens que foram sexualmente agredidos. A pesquisa recente envolveu apenas mulheres unicamente porque a clínica só atendeu pacientes mulheres na época do estudo, não porque seus autores tenham teorizado que a paralisia temporária seja uma reação inerentemente feminina a traumas e agressões.
Palumbo comentou:
“Muito do que pensamos que uma pessoa ‘poderia’ ou ‘deveria’ fazer não é uma opção possível quando a reação contrária da pessoa entra em ação, e essa é uma informação valiosíssima para quem trabalha no campo médico. É importante também para a polícia, as autoridades investigativas, os advogados e juízes. Mas é importante também para todos nós que diariamente entramos em contato com sobreviventes de agressões sexuais, quer pensemos nisso intencionalmente ou não.”
*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost UK e traduzido do inglês.
Veja publicação original: Por que tantas vítimas de estupro não reagem à agressão