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Por que o machismo nos transforma em vadias, fugitivas ou fingidas?

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Veja publicação original: Por que o machismo nos transforma em vadias, fugitivas ou fingidas?

 

Tudo começou como começam para muitas, nos primórdios da minha adolescência, quando surgiram os primeiros sinais daquele formigamento que começa no meio das pernas. Mais precisamente, nas partes. As íntimas.

 

 

Nesse ponto, as meninas carregam uma desvantagem biológica enorme em relação aos meninos, dado que não precisamos das mãos para urinar, o que nos tira a possibilidade de conhecer, desde muito cedo, pessoal e intimamente um de nossos órgãos mais fundamentais para a sobrevivência humana. E aqui não me refiro à reprodução, mas à sobrevivência de uma mente sã.

 

 

Pois, justamente, por essa falta de contato tão íntimo comigo mesma que foi só ali na adolescência que começou o interesse maior pela questão da sexualidade e os prazeres que ela poderia me proporcionar.

 

 

Acontece que junto com a descoberta dos primeiros sinais de tesão, os quais não foram reconhecidos enquanto sozinha na privacidade de um banheiro ou escondida sob os lençóis da cama, mas nos primeiros beijos mais quentes com um menino, que vieram também as primeiras castrações internas, que me impediam de seguir em frente e investir na deliciosa descoberta do prazer.

 

 

Isso porque, mais do que o medo natural do desconhecido, havia o medo cultural acerca do que aquele menino poderia disseminar por aí, ao contar nossas experiências aos amigos.

 

 

Naquela época, sem a óbvia maturidade, mas sim, carregada da suposta naturalidade de que as coisas eram assim mesmo, não pude compreender uma das consequências mais tristes e irracionais do machismo: a limitação nas iniciais descobertas sexuais de uma menina, ao começar a ser introduzida no universo do prazer carnal.

 

 

E foi assim, com essa mania que havia de naturalizar o que, naquela época, soava-me tão “normal”, que cada vez que eu começava a sentir aquele formigamento no meio das pernas, ao beijar um menino pela primeira vez, o moralismo adormecido na minha mente levantava-se de supetão e, com dedo em riste, acusava-me de puta, vagabunda, menina fácil. Ou, aos brados, alertava-me que, não fosse eu mesma, alguém certamente assim iria me rotular. Pronto. Imediatamente minha embrionária libido era castrada.

 

 

E se a adolescência foi assim, o começo da vida adulta, acompanhado do senso comum, vinha com sua mania de indicar que mulheres sentem menos prazer, têm menos apetite sexual, que algumas serão mesmo incapazes de sentir um orgasmo e outros tantos discursos que me eram (por outros, outras ou por mim mesma) vomitados como verdades absolutas e normais, naturais.

 

 

Assim foi construída a crença de que que, infelizmente e, certamente, por questões biológicas, eu não teria sido agraciada com a capacidade de sentir tudo aquilo que algumas amigas mais “safadas” e “animadas” me relatavam.

 

 

Como consequência, passaram-se anos de uma vida sexual muito ativa, mas com pouquíssima satisfação efetiva. Aliás, dado que sentir grandes prazeres não seria mesmo minha vocação, especializei-me em dar prazer.

 

 

Como o tempo passa e com ele vem a maturidade, depois de alguns anos de casamento comecei a descobrir o prazer de verdade. Eureca: não era biológico, era cultural!

 

 

Pois, justamente, graças à segurança que a intimidade com o marido começou a me proporcionar é que todos os prazeres carnais e sexuais começaram a desabrochar, até atingir o ápice de uma capacidade incrível de gozar, gozar e gozar. Aquele gozo enrustido, tão reprimido naquela fase inicial da vida sexual. Aquele gozo que era para ser sentido tanto tempo antes, que era para ter sido construído junto com os primeiros amassos, as primeiras transas. Que era para ter sido compartilhado e conversado e desenvolvido em conjunto com quem estava ali ao lado no carro, na cama, na escada do prédio.

 

 

Mas não. Graças ao medo de ser considerada puta, mulher fácil, vagabunda, safada, aquela menina de décadas atrás se deixou castrar, limitar, bloquear, pelo receio de virar mal falada.

 

 

Vê-se, então, que a questão não era nada biológica. Era e é cultural. Porque o menino tem a vantagem de, desde a primeira infância, por as mãos em seu órgão genital e, com isso, facilitar seu auto-conhecimento. Desde o início da adolescência é estimulado a se masturbar e a iniciar a vida sexual.

 

 

E o machismo é tão irracional e deficiente (apesar das eficientes consequências) que impede que os próprios meninos, no começo de suas vidas sexuais, descubram o prazer em dar prazer. O prazer de conhecer e construir junto a satisfação que a menina pode ter. O prazer em ter tempo para fazer essa construção em conjunto. E assim, gerações de meninos se formaram com base apenas no sexo rápido, via auto-atendimento ou via “rapidinha”, cuja satisfação, sabemos bem, não era para nós.

 

 

As pequenas meninas, por suas vezes, são logo reprimidas e indicadas a tirar a mão daí, quando descobrem ali o clitóris e as delícias que o toque lhe proporciona.

 

 

Na adolescência é preciso cuidado, se logo nos primeiros amassos deixar o menino lhe por as mãos, certamente ele não vai manter a discrição da experiência. E se justo ele que, agora sim, naturalmente, acabou tendo mais intimidade com seu órgão, poderia auxiliar a menina na mesma empreitada, acaba virando o motivo do bloqueio de seu desenvolvimento sexual. Afinal, o que ele o os outros vão dizer se eu, facilmente, ceder-lhe às carícias?

 

 

E graças a essa maldita, irracional, hipócrita e falsamente “moral” imposição cultural das regras do machismo (que, pasmemos, são desferidas por nós mesmos quando chamamos a “rival” de vagabunda por ter ficado com dois ou três meninos em uma mesma noite ou por ter “dado de primeira”), perdemos a oportunidade de iniciar maravilhosamente uma vida sexual sem a qual não sobreviveremos. Ou fugiremos. Ou fingiremos. Fingiremos sentir, fingiremos que está tudo bem. Fingiremos que é assim mesmo.

 

 

O mais curioso disso tudo é que estamos falando de sexo. Sexo! Aquilo que deveria ser a nossa libertação quando estamos na intimidade de nossas vidas, sozinhas, ou com quem desejamos estar. Sexo! Que deveria ser aquele pedaço da vida em que esquecemos de todo o resto, dos problemas, dos dilemas, dos sofrimentos, dos aborrecimentos. Sexo! Que deveria ser nosso grau máximo de desopilação.

 

 

Mas não. Para mim, ali no passado, para muitas ainda hoje, é o sexo vilão. Aquele cheio de regra e padrão.

 

 

Porque um dia resolveram moralizar o que nos foi dado (seja pela biologia ou pelo divino, em quem nele acreditar) de mais humano e natural: a capacidade de ter relação sexual e sentir as consequências maravilhosas do prazer carnal.

 

 

Dizem que sexo é algo complexo. Não nego a afirmativa, mas contesto suas causas. Sexo é algo naturalmente complexo ou tornou-se culturalmente complexo dado a tantas cartilhas que o pretendem regulamentar? Cabe a alguém, de fora da nossa intimidade, ditar como deve ser nosso sexo, como devemos nos relacionar, a quem queremos dar e receber prazer?

 

 

Aí entra o machismo e sua mania de diferenciar o que é aceitável aos homens e intolerável às mulheres. O que o homem pode livremente fazer, comer, meter, trepar e o que a mulher deve preservar, cuidar, esperar.’

 

 

E nessa irracional distinção, lá se foram anos da minha adolescência e o que poderia ter sido uma bela construção de uma “natural” e humana vida sexual.

 

 

O grande paradoxo da vida é que ela passa e isso é bom. Maturidade não tem preço, mas paga-se um valor muito alto para ter que esperar chegar até ela para se ser livre.

 

 

Espero, torço e envidarei meu melhor esforço para que os poucos exemplares das novas gerações a quem eu tiver a honra de poder auxiliar nesse caminhar não precisem esperar a maturidade chegar para entende que sexo errado é o forçado. No mais, com vontade, tesão e empatia, está tudo liberado.

 

 

 

 

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