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Por que nós, mulheres, aprendemos a policiar umas às outras

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Ozzy Etomi – Escritora, criativa, vive na Nigéria e ama Beyoncé.

Sistemas patriarcais vão ruir quando as mulheres pararem de exigir padrões ridículos delas mesmas e das outras

Certa vez me disseram que eu não estava pronta para o casamento.

Tinha expressado meu desprazer com a apropriação indevida e o abuso da ideia de submissão. Você pode achar que se tratava de uma mulher mais velha, presa a uma ideologia africana antiga, fazendo pouco da minha inocência. Mas era uma jovem bonita, casada havia alguns anos e determinada a compartilhar a riqueza de conhecimentos que tinha adquirido. Para o deleite dos homens que a apoiavam, e de outras mulheres cheias de desdém pelo que consideravam feminismo empedernido, ela me informou com ares de superioridade que uma esposa jamais abandona o casamento por coisas bestas como infidelidade e que expressar opiniões fortes ou confrontar o parceiro só resultaria em uma “desfeminização”.

Este seria um dos muitos encontros que eu teria com mulheres que pareciam ter assumido a tarefa de pregar misoginia para um grupo de jovens ansiosas que, desesperadas para não se sentir sozinhas, precisavam racionalizar o que estavam passando, aceitar como algo normal, e até mesmo como a própria verdade. Minha incredulidade e fascínio em relação a essas mulheres, que parecem estar fazendo um ótimo trabalho mantendo outras mulheres firmemente submersas em uma existência miserável, só tem crescido ao longo do tempo.

Ao assistir dias atrás o documentário fascinante “Going Clear: Scientology and the Prison of Belief”, um monólogo muito interessante chamou minha atenção. Um dos ex-discípulos da Igreja, ao discutir como o sistema de crenças tornou-se cada vez mais ridículo com o passar dos anos, tentava explicar por que, mesmo depois de começar a questionar a sanidade do que estava fazendo, ele ainda não tinha abandonado a igreja. Parafraseando:

“Você TEM de continuar acreditando. Porque, se você olhar muito profundamente .. se você olhar racionalmente, pode enlouquecer. Teria de aceitar que tudo em que você se permitiu acreditar é uma mentira e teria de questionar todas as suas ações. Teria de se sentir estúpido e envergonhado.”

Uma explicação muito simples e uma falácia humana difundida, essa idéia de que é preferível ter conforto na mentira a confrontar a verdade.

Talvez isso explique por que tantas mulheres inconscientemente internalizaram o patriarcado, a negatividade e o ódio geral contra si mesmos?

Não as culpo — esses ensinamentos foram transmitidos social, cultural e religiosamente; uma mensagem global transmitida desde que as meninas começam a usar suas funções cognitivas. Para as mulheres, a aceitação reside na adesão dedicada às normas sociais.

Se você passa a vida inteira recebendo a mensagem de que você é o sexo mais fraco, é emotiva, irracional, nervosa, menos do que, você está infeliz sozinha, solteira, só se completa com um companheiro, com crianças, menos ambiciosa, menos adequada para ser líder e assim por diante, além d as idéias de um ser superior te criou assim, para cumprir certos papéis e, essencialmente, ficar em segundo plano a vida toda, no fim das contas você vai aceitar isso como a verdade do evangelho.

Então, como uma mulher como você imagina que você pode reivindicar algum poder? Não só o aceitando, mas deliberadamente escolhendo essas idéias, tornando-as suas:

Você faz da missão de sua vida ser uma Sra.; porque nada é mais importante do que um anel no dedo e um sobrenome ao qual você pode se agarrar, a prova de que você foi escolhida.

Você despreza as mulheres solteiras; de alguma forma elas são menos afortunadas que você, como se o fato de você ser casada se devesse a algum tipo de mérito de sua parte. Mesmo que elas possam parecer felizes ou bem ajustadas, você sabe lá no fundo que elas são miseráveis ​​e estão fracassando. Estão sozinhas, e nada pode ser pior do que não estar ligada a um homem.

Você fecha os olhos para as indiscrições do seu homem; você sabe o seu lugar e realmente não se importa.. você tem coisas mais importantes com que se preocupar. Você tem seus filhos e sua família e vocês são a vida, mais do que simples relacionamentos românticos.

Você se encolhe, se dilui, se aquieta, se faz mais presente para as necessidades dele, o coloca no altar; afinal de contas, você é uma esposa cristã e sabe a verdade sobre o casamento, e todas essas mulheres determinadas e feministas *arrepios*, vão acabar sozinhas e na pior.

Você racionaliza quase em êxtase tudo o de ruim que fazem com você em nome de manter a família intacta; Você tem um papel importante a desempenhar. Não é apenas seu dever submeter-se, mas também rezar para que seu marido também se submeta. Se você fosse mais paciente, mais doce, menos absorta, mais interessada nele, mais sexual, mais religiosa e, mais interessante, menos interessante, o que quer que ele possa precisar que você seja, talvez ele possa parar de tentar destruir a família que você está tão decidida a salvar.

Mas, acima de tudo, você aprende odiar outras mulheres. Você aprende a desprezar as mulheres que fizeram escolhas diferentes das suas. Você tem de se agarrar àquilo que acredita ser verdade, porque as outras opções não merecem ser avaliadas. Você aprende a julgar como uma mulher se veste, como ela interage com o sexo oposto, o que ela bebe, como ela dança, o que ela fuma, como ela se expressa. Você é cruel com a mulher que reivindicou sua sexualidade, a mulher sensual que não tem medo de exigir prazer. Aquela que não tem medo de celebrar seu corpo ou sua feminilidade, seja numa estampa de oncinha em cima de um palco, ou que não teme ser sincera sobre as experiências femininas das quais aprendemos a ter vergonha. Você afoga os lamentos incessantes da feminista sempre reclamando; ela exige demais, tem expectativas ridículas e irracionais.

Você faz careta para casamentos fracassados porque sabe que a mulher não fez sua parte; ela não deu a outra face, ela não era submissa, ela se afirmou em detrimento de sua família. Você não tem piedade da mulher sem filhos, embora tenha sido a decisão dela, e ri de forma condescendente com a mulher tola que escolhe não se casar.

Você busca a segurança enganosa da aprovação masculina e internaliza o desgosto pelas mulheres que desrespeitam as regras; as mulheres recalcitrantes e desafiadoras que secretamente te fazem se sentir um pouco menor, julgada e envergonhada; não porque elas tenham expressado alguma negatividade em relação a você, mas porque ousaram reivindicar seu valor de uma maneira que você só poderia aspirar.

Pois, se o verdadeiro valor de uma mulher não reside na sua habilidade de ser “a mulher perfeita” e cumprir todos os prescritos da feminilidade, então o que isso significa para você e para as coisas que você se permitiu aturar?

E é por isso que as mulheres policiam outras mulheres; algumas não são capazes de entender e simplesmente continuam perpetuando a educação que vieram a compreender. Outras precisam encontrar explicações para suas experiências, como a certeza do que os outros devem esperar. Elas têm de aprender a amar o sexismo a todo custo e a empacotar seu doutrinamento como sabedoria; por isso, às vezes as maiores defensoras do casamento são justamente as mulheres que estão nos piores casamentos. E vamos falar a verdade: pessoas abusadas tendem a enxaguar e repetir.

As mulheres policiam outras mulheres porque estão com medo. Eles têm medo de que valorizar-se significa desvalorizar sua religião, não importa quão superficiais pareçam as idéias da feminilidade que foram retiradas e remodeladas a partir dela. Questionar o que foi dogmaticamente enfiado na sua cabeça por aqueles que você considera estar em um plano espiritual mais elevado significa botar a mão no vespeiro para aqueles que não estão totalmente prontos para decifrar a verdade por conta própria.

É por isso que não se espera que as mulheres tenham a melhores das relações umas com as outras. Algumas parecem mais inclinadas a destruir as mulheres, em vez de elevá-las. Outras veem outras mulheres como concorrentes, não camaradas. Algumas mulheres são mais duras e mais críticas com as mulheres do que com os homens, especialmente no trabalho. As mulheres fazem os comentário mais maldosos nas redes sociais e tendem a ser muito mais céticas em relação a outras mulheres que se encontram em situações comprometedoras (“se você tivesse obedecido as regras, bem…”). Algumas mulheres vão admirar outra mulher por quebrar o teto de vidro, e algumas mulheres … bem, algumas mulheres preferem votar em Donald Trump.

E foi por isso que me disseram que não estou pronta para o casamento; porque não faz sentido dizer o que você quer, ser vocal, escrever sobre feminismo, manter-se dedicada à busca da individualidade e ao mesmo tempo participar da instituição com essas mesmas mulheres que se ofendem com críticas aos sistemas patriarcais.

E eu diria que ela estava certa; eu, como muitas outras mulheres, estamos começando a perceber que não estamos prontas para nos ver abaixo de ninguém, e sim como um igual que tem sua própria parte a fazer, como ele tem a dele. Não estou pronta para fazer concessões para que meu parceiro se desrespeite, a seu corpo, a nossa família e a uma união que nós dois valorizamos; não estou pronta para perdoar um homem por coisas pelas quais ele nunca me perdoaria. Não estou pronta para desaparecer atrás do véu do Sra., existindo como mera sombra de mim mesma, entregando minha existência e realização a um homem. Estou cansada de esperar para rezar, comer, rebolar para segurar um homem que não se esforça para ser segurado. Não estou disposta a aceitar ou calar a boca; então faz sentido que eu não esteja pronta para o tipo de casamento que um monte de mulheres africanas acabam tendo de aceitar.

Só estou disposta a aceitar o tipo de união em que um homem dê valor à parceira. Em que um homem veja seus filhos como sua responsabilidade, não como brinquedos que ele pega emprestado da mulher de vez em quando. Em que um homem não use a provisão de coisas materiais como um meio de controle e não sufoque a capacidade ou o desejo de sua esposa de prover em espécie para si mesma e para a família. Com um homem que seja realmente amável e que goste de mulheres e não as enxergue como objetos criados para sua conveniência nem como presentes aos quais ele tem direito por ter nascido, mas sim como pessoas que também merecem a felicidade. Um homem que seja capaz de enxergar a mulher como um ser inteiro e não a soma de suas partes; que não fique exibindo sua esposa, mas sim seja seu amigo de verdade. Um homem que não se acha no direito de dizer o que sua esposa diz, veste, pensa. E que não exija seu silêncio em assuntos importantes. O tipo de homem que entenda que o respeito é dado quando conquistado.

E é por isso que as mulheres continuam a prática perigosa de policiar outras mulheres; porque, por alguma razão, a audácia de exigir tudo isso faz algumas mulheres muito, muito zangadas, e elas nem sequer conseguem ser sinceras o suficiente consigo mesmas para examinar o porquê. Sistemas patriarcais e misóginos vão ruir quando as mulheres pararem de exigir padrões ridículos delas mesmas e das outras. Quando aprendermos a parar de procurar a aprovação dos homens e deixarmos de dar importância às opiniões deles sobre nossa conduta, Quando não nos preocuparmos mais com o que deveríamos aprender para agradá-los. Quando as mulheres passarem a viver verdadeiramente para elas mesmas.

 

 

 

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