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Veja publicação original: Por que é tão difícil lidar com a culpa sobre parar de amamentar
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Quando é OK parar de amamentar? Quando você sentir a necessidade.
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Por Catherine Pearson
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Os problemas de Stephanie Walton com a amamentação começaram logo depois do nascimento do seu primeiro filho. Ela teve de fazer uma cesariana de emergência e teve de esperar horas até dar de mamar pela primeira vez.
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Quando finalmente conseguiu, o bebê pegou o peito com tanta força que os mamilos começaram a sangrar. Amamentar foi um desafio nos primeiros dias. O bebê perdeu 13% do peso nos primeiros cinco dias de vida. Walton teve uma infecção e mastite (inflamação do seio que causa dor intensa).
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Mas os médicos, enfermeiros e seu marido insistiram para que ela continuasse tentando, e foi o que ela fez.
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Toda vez que o bebê chorava de fome, ela usava uma fórmula para complementar o leite materno. Ela também tomou metoclopramida, remédio usado para aumentar a produção de leite. Ela bombeava antes e depois de cada amamentação e dava de mamar a cada duas horas, mesmo que isso significasse acordar o bebê e sacrificar suas preciosas horas de sono.
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A luta da amamentação era exaustiva. Durante meses, Walton raramente dormiu mais que uma hora seguida. Aí veio a depressão.
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“A amamentação me fez sentir como seu eu odiasse meu filho”, diz Walton, mãe de três. “Às vezes eu estava em casa sozinha e ele começava a chorar. Eu pensava: ‘Ai, não, por favor, não. Não quero ter de amamentar’. E isso me deixava extremamente culpada.”
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(A depressão é um dos possíveis efeitos colaterais da metoclopramida.)
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As mães não se cansam de ouvir que a amamentação é essencial. O objetivo é claro. A Academia Americana de Pediatria recomenda que a amamentação seja a alimentação exclusiva dos bebês durante os 6 primeiros meses de vida e continuem amamentando por um ano ou mais, complementando com comidas sólidas. A AAP aponta benefícios como menor risco de contração de infecções.
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Muitas mulheres acham que são as únicas que não cumprem essa recomendação, mas isso está longe de ser verdade.
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Mais de 80% das mães dos Estados Unidos começam a amamentar, um avanço em relação a décadas passadas, mas apenas 58% continuam depois de 6 meses, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. E, a esta altura, somente 25% alimentam os bebês exclusivamente com leite materno.
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Existem muitas razões para que as mulheres não deem de mamar ou não mantenham a amamentação como alimentação exclusiva de seus filhos – questões como bebês que não pegam o peito, dor, baixa produção de leite, problemas médicos, a necessidade de voltar ao trabalho ou simplesmente uma decisão deliberada. A maioria das mulheres sente os impactos físicos, logísticos e emocionais de manter outro ser humano vivo com o leite produzido em seu corpo.
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Tudo isso significa que existe um abismo entre as recomendações médicas e o que as mulheres efetivamente fazem. E isso abre espaço para sensações de culpa e vergonha, num momento da vida das mães em que elas estão vulneráveis.
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Essas sensações podem dominar os primeiros meses da maternidade, o que aumenta o risco de problemas de saúde mental pós-parto – mesmo que ganhem destaque as ideias de que a alimentação é o que importa, não necessariamente a amamentação, e de que temos de levar em conta também os desejos e a saúde mental da mulher.
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“Quando fiquei grávida de novo, tive de fazer terapia, porque parecia que estava sofrendo de estresse pós-traumático depois do primeiro filho”, diz Walton. “Pensava: ‘não posso passar por isso de novo’.”
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Por que a culpa da amamentação é perigosa
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Para muitas mulheres, ser mãe hoje em dia é uma sucessão de tropeços pelos quais elas são julgadas de forma implacável. Segundo uma pesquisa recente da revista Time, mais de 70% das mães entrevistadas afirmam sentir pressão para criar seus filhos de uma certa maneira. Metade afirmou sentir culpa ou vergonha em relação a questões de como cuidar dos filhos.
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Culpa e vergonha têm aspectos únicos quando se trata de amamentação. E, para as novas mães, é o primeiro contato com a humilhação que acompanha a maternidade nos Estados Unidos.
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“Não podemos generalizar, mas acho que há um certo nível de culpa, vergonha ou meio que um trauma psíquico que acompanha o não amamentar, e ele aparece mais rápido – e é mais profundo – que outras questões ligadas à maternidade”, diz Kate Kripke, assistente social e fundadora do Pospartum Wellness Center, na cidade de Boulder, Colorado.
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Um dos motivos? Hormônios.
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Durante e depois da gravidez, hormônios como progesterona e estrogênio ajudam o corpo a produzir leite. Mas essas mudanças hormonais também podem alterar a química do cérebro, em alguns casos aumentando as chances de a mulher sofrer de depressão e ansiedade.
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Mesmo que não tenham problemas de saúde mental, as flutuações hormonais influenciam a intensidade dos sentimentos e das reações nos primeiros meses após o parto. O fato de o bebê não pegar o peito vira um problema maior que realmente é. E a saúde mental pode afetar a produção de leite. Para muitas mães, ansiedade, depressão e amamentação viram um grande nó.
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Kripke diz acreditar que a culpa ligada à amamentação é diferente dos outros tipos de culpa simplesmente por ser incrivelmente comum – e muitas mulheres passam por isso, de uma maneira ou de outra.
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“É muito, muito, muito raro que a amamentação seja tranquila desde o começo”, diz ela. “O que significa que a maioria das mães vai sentir algum tipo de culpa. Estamos falando de uma questão universal.”
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Universal, mas raramente discutida. Muitas mães não falam dos problemas que têm para amamentar, o que aumenta a sensação de isolamento. Essas mulheres podem sentir vergonha de admitir que têm dificuldade em cuidar dessa necessidade fundamental de seus bebês.
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Quem dá ‘permissão’ para que as mães parem de amamentar?
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“Sou consultora de amamentação e vejo mães sentindo culpa quando têm dificuldades ou quando pararam de amamentar antes do planejado”, diz Carrie Bruno, consultora canadense e fundadora do The Mama Coach, um grupo de apoio a novas mães.
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“Minhas clientes costumam estar no terceiro ou quarto mês (da amamentação). Entro nas casas delas … e elas estão exaustas de tentar dar de mamar. Isso afeta os laços que elas têm com os bebês”, diz Bruno. “Em algum momento, a definição de ‘boa mãe’ foi associada à amamentação. Não acho isso justo. Mas acho que as mães sentem essa pressão.”
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Para Jenna Robinson, 26, os problemas começaram no hospital. Seu filho não pegava o peito, por mais que ela tentasse posições diferentes ou recebesse conselhos de consultores.
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Ela estava física e emocionalmente exausta e chorava toda vez que não conseguia dar de mamar. Sua vontade era passar a dar fórmula, mas, ao receber alta, ouviu do médico: “É muito importante que você continue tentando amamentar”.
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Foi o que ela fez – complementando com fórmula. Finalmente, ela contou para o pediatra. Em vez de sugerir alternativas, ele disse que não havia problema nenhum – o importante era alimentar o bebê. Para Robinson, a conversa mostrou que é possível ser mãe sem sentir culpa. Ela parou de fazer segredo sobre o uso da fórmula, apesar de ainda sentir vergonha de comprar.
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A produção de leite de Shawna Beckner despencou quando sua primeira filha fez oito meses. Mas Beckner, 36, diz que achava importante dar de mamar durante o primeiro ano de vida da bebê. Ela bombeava leite várias vezes por dia, tirando apenas cerca de 30 ml por vez. Ou seja, ela usava a bomba mais de uma hora por dia para ter leite suficiente para uma mamadeira cheia a cada três dias.
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“Por que continuei?”, pergunta Beckner. “Por culpa. É ridículo.”
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Muitas vezes, as mães não precisam de ajuda para dar de mamar; elas precisam de ajuda para parar.
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Em 2017, Carrie Bruno escreveu um post de blog sobre uma experiência que teve dizendo para uma cliente que não havia problema em parar de amamentare passar a dar fórmula. “Percebi naquele momento de que aquela mulher precisava de mim: ela precisava de permissão”, escreveu ela. “Disse que o mais importante era que o bebê se sentisse amado e que ela fosse capaz de cuidar do filho.”
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Os dogmas da amamentação são tão poderosos que uma frase aparentemente tão benigna pode ser polêmica. Bruno diz ao HuffPost que, dois anos depois do post, ainda recebe mensagens indignadas.
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É por isso que os especialistas dizem que o mais importante para superar a culpa da amamentação é uma abordagem por vários ângulos: continuar a conversa para não despertar sentimentos de culpa e vergonha nas mães; dar às mulheres o apoio necessário para que elas consigam atingir suas metas, quaisquer que sejam; e lembrar que a saúde mental é parte fundamental do tema.
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“É importante que as mulheres considerem ‘o que é importante para mim’ e ‘o que é importante para meu bebê’”, diz Kripke. “É um equilíbrio complicado, e a resposta varia de pessoa para pessoa.”
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Ela acrescenta: “Incentivo as mulheres a pensar na amamentação como uma esperança, não como uma expectativa. Isso abre mais espaço para autocompaixão e empatia”.
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*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.
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