Saiu na REVISTA CLAUDIA
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A poeta norte-america na June Jordan uma vez escreveu “Children are the way the world begins again and again” ou, em tradução livre, crianças são a maneira que o mundo começa de novo e de novo. Se já havia algo de sublime nessas palavras, escritas nos anos 1970, hoje elas fazem ainda mais sentido.
A maternidade em 2020 e 2021 é um ato de coragem e de fé. De coragem porque, em meio a uma pandemia, crescem os medos já naturais às mulheres quando se descobrem grávidas. De fé porque, num mundo que apresenta tantas reviravoltas, perdas e angústias, o nascimento é sinônimo de esperança, de crença em dias melhores.
“Eu confio que essa geração vai mudar tudo. Vai reduzir o plástico, removê-lo dos oceanos, diminuir o lixo, salvar as florestas, achar cura para doenças”, fala Ingrid Silva, 32 anos, olhando para a pequena Laura, deitada em seu colo.
A bailarina carioca mora em Nova York há mais de 10 anos. Lá, é uma das estrelas do Dance Theatre of Harlem Company, cofundadora da Blacks in Ballet, plataforma de inclusão e destaque de dançarinos negros, e criadora da plataforma EmpowHer New York, rede de ativismo e empoderamento feminino.
Há cinco meses, também é mãe. Não bastasse a longa lista de tarefas que ela abraça, ainda está aprendendo o malabarismo disso tudo na pandemia. Com voz potente e pensamento muito lúcido, Ingrid faz questão de dividir com outras mulheres os desafios.
A sinceridade não a permite esconder, por exemplo, as dores do pós-parto, a dificuldade até para caminhar e o uso de fraldas. “Não sei se outras mulheres não falam disso por vergonha ou por medo de parecerem fracas, mas acontece com todas nós e deveríamos estar discutindo mais sobre isso, até mesmo pra poder oferecer apoio”, fala.
As fotos para esta matéria foram feitas no Brasil, um dia antes de Ingrid subir no avião. Ela veio ao país passar parte da licença-maternidade com os pais e o irmão e também para apresentá-los à mais nova integrante da família.
No final da nossa conversa, a carioca destacou o significado, para ela, de ver Laura estampando uma capa de revista: “É tão raro uma mulher poder incluir o bebê no seu trabalho, então eu queria dedicar essa capa à minha mãe e a todas as mães, que fazem seu melhor para criar os filhos. Quero que elas vejam que existem oportunidades e que elas não devem ter medo de aceitá-las, que não são obrigadas a escolher entre a maternidade ou a carreira.”
Ingrid, qual foi seu primeiro pensamento quando descobriu a gravidez?
Achei que era mentira, porque foi em 1º de abril (risos). Foi um choque, não era planejada, apesar de eu saber que seria mãe em algum momento da vida. O que aconteceu foi que eu senti que o anticoncepcional estava mexendo muito com meus hormônios e decidi fazer uma pausa para
limpar o organismo.
Sempre ouvi das amigas que tomaram pílula muitos anos que elas demoraram um ou dois anos depois de parar para conseguir engravidar, algumas até tratamento fizeram. Eu estava bem relaxada achando que não ia dar em nada, mas seis meses depois, estava grávida.
Eu lembro de estar com meu marido voltando da clínica, onde tínhamos feito o exame, e falar que nós seríamos os melhores pais do mundo, que ia dar tudo certo. Hoje, olhando pra trás, vejo que, engravidar na pandemia me deu mais tempo para mim mesma, com ela, para me recuperar e voltar à rotina.
Foi a notícia mais feliz em um ano triste. Eu me lembro de quando contei pra Taís Araújo e ela falou: ‘Criança é notícia boa, é vida’. Eu comecei a ver tudo com outros olhos a partir dali.
Qual foi seu maior medo de estar grávida numa pandemia?
Acho que minha primeira preocupação não teve a ver exatamente com a pandemia, mas com a minha carreira. Não queria parar de dançar depois de virar mãe. Depois, pensei no meu corpo, no que aconteceria com ele.
Eu uso meu corpo como instrumento de trabalho e sempre tive controle dele. Pela primeira vez, isso não seria verdade. Além disso, a gente vive numa sociedade que exige muito da mulher em todas as etapas da vida. Eu ouvi de muita gente: “Nossa, mas você vai conseguir dançar depois?”. Era como
se potencializassem um medo que eu já sentia.
Mas me considero uma pessoa de muita sorte e sei que tive apoio. Não só as bailarinas, mas qualquer mulher precisa do apoio da empresa para conseguir conciliar o trabalho e a maternidade, caso esse seja seu desejo. A minha companhia passou a fazer aulas online em março, então pude ficar em casa a maior parte do tempo.
Quando voltei a dançar no estúdio, eu já estava com quase sete meses e fazia aula sozinha, sem ver ninguém. Ter ficado em casa, além de segurança, me deu tempo para refletir. Eu viajo muito a trabalho, raramente estou sozinha com meus pensamentos.
Fiquei ali chocando meu o ovo, fazendo conexões internas, pensando no que eu queria para aquele bebê, para mim. Conversei muito com familiares e amigos, alguns que não falava há algum tempo, reformei o apartamento pra fazer um canto pra Laura.
“Eu me isolei durante a gravidez porque precisava desse tempo sozinha para encontrar a força para
gerar minha filha e meus guias na maternidade”
Você se sentiu solitária?
Não, eu me isolei mesmo. Eu precisava desse tempo sozinha para encontrar a força para gerar minha filha e meus guias na maternidade. Eu acredito muito em energia e não queria entrar em contato com tudo de negativo que vinha rolando no mundo.
Os primeiros quatro meses foram muito intensos pra mim, eu tinha sonhos, não conseguia relaxar. Era o medo tomando conta, e esse tempo de introspecção foi necessário pra mandar isso embora. Depois do parto, não deixei ninguém ir em casa, porque tinha medo de contrair o vírus ou, pior, de alguém infectar a Laura.
Mas foi muito bom, porque eu e meu marido tivemos a oportunidade de aprender tudo juntos. E ele fazia tudo, limpava casa, lavava roupa, providenciava comida. Ele nem me deixava levantar, falava que minha única preocupação tinha que ser a Laura.
Como foi a recuperação disso?
Eu estava com absorventes nos peitos, porque vazava leite, e usando fraldas durante todo o primeiro mês. Por causa dos pontos que tomei, tinha dificuldade para andar. Estava feliz, mas me sentia incapacitada. Fiquei duas semanas sem ir ao banheiro.
Toda mãe passa por isso, mas ninguém fala. Não sei se elas têm vergonha ou medo de parecerem fracas, mas falar sobre isso seria uma oportunidade de união. Não tinha posição pra dormir, meu peito estava muito inchado.
Nada é perfeito. A barriga não volta depois de três dias e eu ainda tive diástase, então estou fazendo fisioterapia. Mas os primeiros meses foram bem punk.