Saiu no O GLOBO
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Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do governo federal, no início da pandemia, 65,6% das demissões foram de mulheres e, de acordo com a PNAD/IBGE, cerca de 7 milhões de mulheres deixaram seus postos de trabalho, 2 milhões a mais do que o número de homens no mesmo período.
Por isso, certamente, você já deve ter ouvido uma das seguintes frases: “a pandemia tirou as mulheres do mercado de trabalho” ou “as maiores prejudicadas pela pandemia são as mulheres”.
Concordei com estas afirmações por um bom tempo. Pronto, temos um culpado, a pandemia! Até ler a reportagem que Renata Izaal escreveu para a plataforma Celina, fruto de uma entrevista com a historiadora e jornalista americana Rebecca Solnit, autora do best seller“Os homens explicam tudo para mim”.
Depois de muito refletir e pontuar, concluí que as mulheres saíram e continuam a sair do mercado de trabalho, bem como são as maiores prejudicadas durante a pandemia, e não por causa da pandemia.Terceirizamos a culpa, sem nos darmos conta de que a pandemia não decide, não toma decisões. Ela apenas escancarou um problema milenar. Então, a culpa é de quem? De quem toma as decisões, em especial, de quem toma decisões enviesadas.
Todos temos vieses inconscientes, independentemente de gênero. Eles são atalhos cerebrais que facilitam o nosso dia a dia frente à enorme quantidade de informações que precisamos processar. Se por um lado trazem fluidez e agilidade às decisões, por outro criam os perigosos vieses de gênero ou, como outros preferem dizer, os estereótipos de gênero.
As pessoas tomam decisões enviesadas, em especial aquelas influenciadas pelos vieses inconscientes de gênero. Esta é a real causa de um retrocesso de 30 anos da força de trabalho feminina.
Um dos vieses de gênero mais comuns é o de maternidade. Existe um preconceito contra a maternidade no ambiente de trabalho. Muitas vezes, mesmo antes de as mulheres terem filhos.
O viés de maternidade traz muitas consequências negativas. Entre elas, as mulheres, em geral, assumem mais o cuidado com crianças e idosos e as tarefas domésticas do que os homens. Por outro lado, muitos homens se recusam a assumir as responsabilidades de cuidado e as domésticas. Nos dois casos há um enorme prejuízo ou mesmo impeditivo à carreira profissional das mulheres.
Inconscientemente, julgamos a performance profissional das mulheres inferior ao que elas realmente desempenham. Também atribuímos aos homens o posto de chefe de família, mesmo quando, no Brasil, atualmente, 43% dos domicílios são chefiados pelas mulheres.
Por consequência, faltam políticas publicas e empresariais que promovam a equidade de gênero. Na tomada de decisões de quem fica no emprego ou mesmo qual negócio receberá investimentos, as pessoas caem nas armadilhas dos vieses inconscientes e prejudicam diretamente as mulheres, toda a sociedade, os negócios e o desenvolvimento sustentável.
Podemos dizer então que a culpa das mulheres estarem saindo do mercado de trabalho é dos vieses de gênero? Definitivamente, NÃO! A culpa é daqueles que não reconhecem, bloqueiam e superam seus próprios vieses de gênero nas tomadas de decisões.
Por isso, repensem seus preconceitos, tanto contra como a favor de determinadas pessoas ou grupos. Este é o melhor caminho para o mundo melhor para todas as pessoas.
* Georgia Bartolo é sócia-fundadora da Warana Treinamentos e especialista em equidade de gênero