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Paradoxo nórdico: países europeus ‘igualitários’ são perigosos para mulher?

Saiu no site UNIVERSA UOL

 

O caso da brasileira Raquel Bezerra do Vale — que perdeu a guarda do filho, A.*, de 4 anos, e sofreu violência doméstica e abuso sexual nas mãos do ex-marido, o dinamarquês Rasmus Grarup Nielsen — é um exemplo do chamado “paradoxo nórdico”.

A expressão descreve um fenômeno contraditório nos países do norte europeu, em que as mulheres encontram maior paridade de gênero nas oportunidades sociais e determinados direitos garantidos, mas enfrentam agressões íntimas de seus parceiros tanto quanto ou até mais do aquelas que vivem em outros lugares aparentemente mais violentos.

Como é a vida para as mulheres nos países nórdicos?

Dos cinco países nórdicos, quatro estão entre os 10 mais igualitários. Segundo o Relatório Global de Desigualdade entre Gêneros (Global Gender Gap Report) de 2024, organizado pelo Fórum Econômico Mundial e que avalia não só se homens e mulheres têm as mesmas oportunidades socioeconômicas, mas empoderamento político, conquistas educacionais, saúde e condições de sobrevivência, a Islândia é o país com maior paridade do mundo; seu índice de igualdade é 0,935, sendo que 1 seria uma sociedade perfeita.

Finlândia e Noruega ocupam o segundo e terceiro lugares, respectivamente, com o mesmo índice: 0,875. Já a Suécia está em quinto, com 0,816. A Dinamarca, o último país nórdico, está em 15º lugar no ranking mundial, com um índice de 0,789. Para efeito de comparação, o Brasil aparece na 70ª colocação, com um indicador de 0,716 em termos de igualdade de oportunidades para homens e mulheres.

A Finlândia tem o segundo maior índice de violência sexual, psicológica ou física cometida por parceiro de toda a União Europeia. 52,6% de todas as suas mulheres já passaram por estas agressões pelo menos uma vez na vida, segundo dados de 2021 do Instituto Europeu para Igualdade de Gênero, órgão mantido pelo bloco (do qual dois países nórdicos, Noruega e Islândia, não fazem parte).

A Suécia está em quinto no ranking, com 48,2% de mulheres agredidas, e a Dinamarca em sétimo, com 45%. Já na Islândia a situação não é muito diferente: aproximadamente 40% das mulheres já sofreram violência de gênero e/ou sexual. A conclusão foi de um estudo pioneiro da Universidade da Islândia, de 2018.

Comparativamente, cerca de 30% das mulheres no Brasil já sofreram violência doméstica. A conclusão é da 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo DataSenado em 2023. A média na UE é semelhante à brasileira, cerca de 31,8%. Em Portugal, por exemplo, o número é de 22,5%.

Por que o paradoxo acontece?

A expressão “paradoxo nórdico” foi cunhada em 2016 pelos estudiosos Enrique Gracia, da Universidade de Valência, na Espanha, e Juan Merlo, da Universidade de Lund, na Suécia. Desde então, Gracia lidera grupos das duas instituições em investigações do assunto e é a principal referência em pesquisas sobre por que homens criados em sociedades supostamente igualitárias agridem suas parceiras.

Há algumas teorias sobre por que, em países “igualitários”, homens agridem mais suas parceiras. Como o campo ainda é relativamente novo, não há um consenso formado até o momento entre estudiosos, mas as investigações já apontam algumas tendências.

Maior conscientização poderia explicar maior número de casos relatados. O pesquisador em masculinidade Lucas Gottzen, da Universidade de Linköping, na Suécia, apontou em artigo da revista científica Harvard Political Review que é possível que os altos índices de denúncia de violência doméstica no país estejam relacionados a uma maior consciência social do problema.

Outros estudiosos, como Gracia, discordam desta visão. Isto porque há dados estatísticos que sugerem que há baixos níveis de denúncias de violência doméstica e/ou sexual nestes países. Segundo um estudo de 2021 da Universidade Oxford Brookes, no Reino Unido, Universidade de Örebro, na Suécia, e Escola de Economia de Hanken, na Finlândia, o motivo estes índices baixos de denúncia seria a normalização da violência contra a mulher nestas sociedades.

Estudiosos ainda apontam uma misoginia enraizada há décadas – ou séculos – na cultura nórdica. Diversos pesquisadores discutem a possibilidade de que estudos que apontam igualdade nestas sociedades são influenciados pelas respostas da população, que está inserida nesta cultura. Famílias manteriam comportamentos violentos em casa, mas esta discussão não se torna pública.

Alto consumo de álcool poderia ser um fator de risco. O mesmo estudo multinacional de 2021 destacou esta como uma possibilidade, mas afirmou que é preciso investigar mais se os níveis de consumo de bebida em ambiente doméstico são realmente superiores a outros países. Atualmente, o Centro para Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, investiga até setembro o papel do álcool no paradoxo nórdico, mas conclusões preliminares ainda não foram divulgadas.

“Ressaca da igualdade”. Justamente por mulheres terem oportunidades mais igualitárias no mercado de trabalho ou direitos reconhecidos, os homens teriam passado a ressenti-las, descontando esta raiva fisica e emocionalmente nas parceiras.

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