HOME

Home

Para denunciar assédio e machismo, mulheres russas viram comediantes

Saiu no site FOLHA DE S.PAULO

 

Veja publicação original:  Para denunciar assédio e machismo, mulheres russas viram comediantes

.

Inspiradas pelo #MeToo, cresce número de mulheres que fazem stand-up no país

.

Por Amie Ferris-Rotman

.

SÃO PETERSBURGO | THE WASHINGTON POST

.

As mulheres brincaram com o público, contando piadas sobre menopausa, genitália feminina e como é ser solteira na Rússia de hoje.

.

Houve até uma piada sobre matar maridos. A plateia, composta principalmente de mulheres jovens, entendeu o humor imediatamente.

.

É o humor stand-up russo –na versão #MeToo.

.

Pouco a pouco, para começar, mas agora em número crescente, humoristas russas estão subindo aos palcos para contestar o status quo. Estão embutidas em seu trabalho comentários sérios sobre o domínio que os homens russos exercem sobre o poder, tanto no Kremlin quanto sobre a vida pessoal das mulheres.

.

A Rússia permanece sob muitos aspectos a um passo de distância do feminismo, segundo a definição feita em partes do Ocidente e outras regiões do mundo. Embora o comunismo tenha concedido às mulheres da era soviética algumas liberdades cruciais décadas antes das mulheres ocidentais –incluindo o direito ao aborto legal e a licença-maternidade—, o sexismo e estereótipos de gênero antiquados ainda predominam no país.

.

Essa situação não é exclusiva da Rússia. O que há de diferente agora, entretanto, é que raramente até hoje ela serviu de material para comédia.

.

“Na Rússia as mulheres são sempre culpadas, e os homens são inocentes”, disse , 36, que acaba de concluir sua turnê “Assédio”, a primeira de uma comediante stand-up mulher a percorrer o país.

.

A comediante russa Iulia Akhmedova, que faz um programa de stan-up comedy no canal TNT
A comediante russa Iulia Akhmedova, 36 – TNT/Divulgação

.

Comparado com a tradição do humor stand-up no Ocidente, o fenômeno é relativamente novo na Rússia. O stand-up emergiu no país em meados da década de 2000 com shows de humoristas homens em bares. Dez anos mais tarde chegaram programas de televisão dedicados ao gênero.

.

Mas o ingresso recente de mulheres e a rápida ascensão delas à condição de estrelas criou um espaço em que as mulheres russas podem conversar, desabafar e falar da guerra dos sexos.

.

Iulia Akhmedova foi uma de 56 mulheres –um quinto de todos os humoristas— a participar do Festival de Stand-up de São Petersburgo, em junho, onde até 20 mil pessoas lotaram bares e teatros diariamente para assistir a shows de humor falando de corrupção governamental, do influxo de turistas chineses e de relacionamentos. Foi a sexta edição anual do festival.

.

O aspecto enxuto e simples do stand-up, sem acessórios no palco, atrai de modo especial uma geração de russas mais que dispostas a abraçar os ideais do feminino, termo que até recentemente era tratado com escárnio pela maioria das russas.

.

Para Viktoria Skladtchikova, 29, ex-operária de uma fábrica na Sibéria, o avanço do stand-up na Rússia lembra o cenário do gênero nos EUA na década de 1960.

.

“Ainda temos o estereótipo de que mulheres não conseguem fazer humor”, ela comentou.

.

Presença regular no circuito do stand-up em Moscou, Skladtchikova comentou que geme quando apresentadores (homens) do clube pedem ao público para “apoiar as meninas”.

.

“Á plateia não tem que sentir pena de nós”, ela disse. “Não tem que haver nenhuma diferença de gênero. Graças a Deus que mulheres estão fazendo stand-up e que estamos provando que o humor feminino existe, sim.”

.

O gênero também está chegando ao público mais amplo. Um novo programa de TV com humor stand-up exclusivamente de mulheres, o primeiro programa desse tipo na Rússia, vai estrear no outono no TNT, um dos canais de maior audiência no país.

.

O programa vai atrair comediantes das sessões de humor feminino, em sua maior parte underground, que vêm aparecendo em Moscou e São Petersburgo nos últimos anos.

.

Antes desse programa, exclusivamente para mulheres, houve uma versão quase exclusivamente masculina que estreou no TNT em 2013 e fez sucesso enorme.

.

Durante a turnê “Assédio” que Akhmedova levou a 25 cidades e que terminou em maio, a humorista falou francamente sobre assédio sexual e depressão, ambos temas normalmente proibidos no espaço social russo.

.

“Em nossa sociedade, se você chega aos 30 anos e ainda não é casada com filhos, é porque é uma grande perdedora. As mulheres mais velhas me agradecem por mostrar que existe vida depois dos 35 anos, e isso me deixa feliz”, comentou ela.

.

Akhmedova começava cada show pedindo ao público que aplaudisse se soubesse o que é assédio. Apenas um terço das pessoas presentes o fazia, em média. Depois ela perguntava se as pessoas sabiam sobre o escândalo de Harvey Weinbstein que explodiu dois anos atrás, desencadeando o movimento global MeToo. Ainda menos pessoas aplaudiam.

.

Sob a ideologia tradicionalista do presidente Vladimir Putin, os direitos das mulheres russas estão sendo mais arrochados que nunca. O país está se adaptando à descriminalização parcial da violência doméstica, aprovada dois anos atrás em lei sancionada por Putin. São cada vez mais frequentes expressões públicas de apoio a mulheres a quem as leis não defenderam.

.

Rússia está sentindo os efeitos de sua versão própria do movimento Me Too, ainda pequeno. Um parlamentar sênior e um repórter destacado da imprensa liberal foram acusados de assédio sexual.

.

Mas os avanços são lentos. Dois anos atrás, quando o humorista americano Louis C.K. admitiu ter cometido erros de conduta sexual, os colegas homens de Akhmedova não entenderam a razão de tanto rebuliço. “Na Rússia, a única coisa que choca as pessoas é estupro. E Louis C.K. não estuprou ninguém, então acharam que o que ele fez não tem importância”, explicou Akhmedova.

.

As mulheres se sentem inspiradas com seu humor, mas Akhmedova tem mais dificuldade em arrancar risadas dos homens em suas platéias.

.

Em Ecaterimburgo, alguns homens abandonaram um show dela na metade. Em outras cidades, homens a abordaram depois do show para pedirem uma selfie. “Eles me agarravam pelos pulsos, diziam ‘tomara que isso não seja visto como assédio’ e gargalhavam.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

Veja também

HOME