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Pandemia acelerou uso da tecnologia no combate à violência contra a mulher

Saiu no O GLOBO

Veja a Publicação original.

Com a propagação da Covid-19 em todo mundo no início de 2020, medidas de isolamento social foram adotadas como uma estratégia importante para a redução do número de infectados pelo vírus. Ficar em casa, no entanto, virou sinônimo de insegurança para muitas mulheres, que em muitos casos já viviam em condições precárias e que sofreram uma redução drástica na renda mensal logo no início da pandemia.

No mês de abril, um relatório da ONU Mulheres já mostrava que o número de casos de violência doméstica tinha aumentado em vários países. No Brasil, considerado pela Organização Mundial da Saúde um dos países mais violentos do mundo para as mulheres viverem, não foi diferente: a taxa de feminicídios cresceu mais de 20% entre março e abril.

Junto ao aumento de casos de violência houve também uma redução no acesso às redes de atendimento e canais de denúncia, pelo fechamento de serviços e pela impossibilidade dessas mulheres saírem da própria casa para buscar ajuda ou medidas de proteção. O resultado foi uma queda nos registros de violência contra a mulher nas delegacias, mas um aumento nos pedidos de socorro pelo Disque 180. No mundo todo, os registros por canais de atendimento telefônico para esses casos aumentaram em cinco vezes durante a pandemia.

Antes mesmo da Covid-19, a violência contra as mulheres já registrava enormes proporções: 243 milhões de mulheres e meninas, entre 15 e 49 anos, tinham sofrido algum tipo de violência psicológica ou sexual de seu companheiro ou marido nos 12 meses anteriores, de acordo com a ONU Mulheres.

Com a prorrogação das medidas de contenção da crise sanitária, estimam-se 15 milhões de casos de violência doméstica a cada três meses adicionais de isolamento social.Isso porque, no contexto da pandemia, os fatores de risco aumentaram, com o aumento das tensões em casa com o confinamento e problemas econômicos, maior vulnerabilidade com a renda reduzida e a sobrecarga de tarefas domésticas e cuidados com crianças, além do acesso limitado aos serviços de saúde, segurança e justiça. Na prática, a combinação de instabilidade financeira, cerceamento social e acirramento emocional gerou uma espécie de bomba-relógio da violência.

Como em outras áreas, a pandemia acelerou o processo de avanço tecnológico também na resposta ao aumento dos riscos de abusos e ameaças contra as mulheres. O relatório “Combate à Violência contra a Mulher (VCM) no Brasil em época de COVID-19”, do Banco Mundial, mostra que vários países adotaram ferramentas tecnológicas como parte das medidas para fortalecer os sistemas de resposta e apoio, adaptar e garantir serviços de justiça e segurança, ampliar a conscientização sobre o problema, e expandir a divulgação de informações.

Os governos da Argentina e Chile, por exemplo, lançaram um call center silencioso em parceria com o Whatsapp para que as mulheres que estejam em casa com o agressor possam pedir ajuda sem o risco de serem ouvidas ou interceptadas. Já a França criou uma plataforma web com atendentes treinados para receber denúncias online de violência doméstica e, na Escócia, uma organização de assistência a mulheres vítimas de abuso ampliou o acesso para contatos por e-mail ou Facebook. Na Espanha, um botão de pânico foi acrescentado ao aplicativo Alertcops — um serviço de alerta de segurança fornecido pelas autoridades policiais, que possibilita que as vítimas peçam socorro por escrito e que sua geolocalização seja usada para enviar ajuda.

A adoção de soluções baseadas em tecnologia está entre as principais recomendações do relatório do Banco Mundial para medidas de curto, médio e longo prazo para prevenir e responder à “pandemia das sombras”. No Brasil, aplicativos para celular e outras plataformas digitais também ganharam protagonismo no enfrentamento à violência doméstica durante a pandemia, com iniciativas inovadoras da sociedade civil.

A Think Olga, ONG criada em 2013 viu a necessidade de adaptar o recém-lançado Isa.bot, robô para ajudar com orientações e ferramentas sobre o que fazer em casos de violência, e incluir um botão de pânico para denúncias emergenciais. A Mete a Colher, startup recifense liderada por Renata Albertim e que já atendeu centenas de milhares de mulheres em situações de risco no país inteiro nos últimos quatro anos, criou um produto específico para empresas chamado Tina, que oferece atendimento online para colaboradoras.

Lançado durante a pandemia, o projeto Justiceiras reúne voluntárias com formações interdisciplinares (advogadas, médicas, assistentes sociais, psicólogas, entre outras profissões) que dão orientações gratuitas a mulheres que precisem de ajuda. No primeiro mês de atendimento via WhatsApp mais de 600 mulheres de diferentes partes do país tinham entrado em contato. Destas, 40% tinham entre 31 e 40 anos, 15% consideravam seus casos emergenciais, mas 49% nunca tinham denunciado o agressor antes.

Tudo num só lugarplataforma da ONU reúne serviços de apoio às mulheres vítimas de violência no Brasil

Criado ainda mais recentemente, o aplicativo Todas Por Uma foi ideia de um estudante do curso técnico de Desenvolvimento de Sistemas, Mateus de Lima Diniz, que cresceu vendo o pai agredir a mãe. Três meses após seu lançamento, o app já tem mais de 5 mil usuárias do Brasil e de outros doze países, como Colômbia, Alemanha e Irlanda. Elas podem cadastrar o número de telefone de um anjo — uma pessoa de confiança que vai receber um pedido de socorro com o endereço onde a vítima está — e também marcar os locais onde mulheres foram agredidas ou assediadas, criando um mapa acessível para as outras.

O Projeto Glória, uma plataforma de transformação social, foi construída para acabar com a violência contra mulheres e meninas a partir de 3 pilares tecnológicos: inteligência artificial, people analytics e blockchain. A ideia é ajudar as mulheres vítimas de violência a conseguirem atendimento sem perder o anonimato, garantir o acesso a informações ao maior número de mulheres possível e identificar soluções para quebrar o ciclo de violência. No último ano, o projeto impactou mais de 20 mil mulheres e meninas, e desenvolveu um mapa da violência com base nos dados coletados.

Além dessas, outras iniciativas importantes foram criadas por empresas privadas de diferentes setores e pelo Governo. Além do 180, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos agora possibilita fazer denúncias de violência contra a mulher por aplicativo (Direitos Humanos Brasil), pelo Telegram e Whastapp, e na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos.

Nesse processo de adaptação ao novo contexto, os serviços da rede de proteção e atendimento a vítimas em diferentes estados avançaram também em soluções digitais. Hoje, a Polícia Civil realiza, em 17 Estados e no Distrito Federal, o boletim de ocorrência eletrônico para casos de violência doméstica. Em vários desses, como no Distrito Federal e em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, as medidas protetivas de urgência (MPUs) podem ser solicitadas online ou por telefone. E em todo o Brasil, os serviços online, que funcionam em parceria com a rede de proteção, continuam sendo ampliados.

Apesar das importantes iniciativas, ainda temos inúmeros desafios pela frente. Não restam dúvidas de que ferramentas como botões do pânico e aplicativos para celular são recursos valiosos, mas que deveriam funcionar também em formatos off-line. Dados divulgados em abril de 2020 da PNAD Contínua TIC mostraram que uma em cada quatro pessoas no Brasil ainda não tem acesso à internet — em áreas rurais o índice chega a 53,5%. É importante também que as ferramentas sejam realmente seguras para as usuárias e não deixem rastros, já que um quarto das vítimas afirma que os agressores têm acesso aos seus celulares (Justiceiras, 2020).

A tecnologia já se mostra uma importante aliada no enfrentamento à violência contra a mulher, mas para ser eficaz deve, além de garantir acesso e segurança, servir também como parte de uma abordagem integrada de prevenção, proteção e resposta e um sistema multidisciplinar de atuação.

*Paula Tavares, advogada especialista sênior em Gênero do Banco Mundial

**Roberta Salomone, jornalista do Grupo Globo e pesquisadora de Gênero

Veja a Matéria Completa Aqui!

 

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