Saiu no site FOLHA DE SP
Série da Max sobre o primeiro e o comportamento do segundo com a namorada no Grammy mostram que a combinação de influência e dinheiro tem as mulheres como maiores vítimas
P. Diddy reinou durante duas décadas no mundo do hip hop americano. Só em setembro do ano passado ele foi finalmente preso, com mais de 20 processos nas costas e acusações de tráfico sexual, extorsão, associação criminosa e promoção de prostituição.
Uma nova série do Max reconta a trajetória do artista, que teria agredido, dopado e violentado dezenas de mulheres, fossem namoradas, ficantes, garotas de programa ou até desconhecidas.
O caso de Diddy, que aguarda julgamento em maio, e o de Kanye West, que, de acordo com pessoas próximas, teria obrigado a namorada a ir praticamente nua ao Grammy no último domingo (2), são emblemáticos de como a cultura do rap e do hip hop nos EUA têm um lado muito tóxico.
Basta pensar nas centenas de clipes do gênero que já víamos desde os anos 90 na MTV. A receita era quase sempre a mesma: homens cheios de correntes de ouro e prata, tênis caro, montados em carrões conversíveis e… rodeados de mulheres gostosas em roupas ou biquínis sumários. Uns reis leões.
Claro, ninguém é inocente e, no capitalismo, nunca foi pecado ter mais poder ou dinheiro, tornar-se milionário, ser um dos homens mais admirados de sua área. O problema é quando esse poder vira violência, que do trabalho ainda extravasa para a vida pessoal, fazendo das mulheres as maiores vítimas.
Esqueça o formato da série de P. Diddy, que reforça o sensacionalismo em torno de um caso que nem precisava desse “molho”. Os depoimentos são fortes em si e não precisavam do tom melodramático usado pelos diretores.
A coisa vai num crescendo –de Sean Combs, seu nome de batismo, como um novo gênio da promoção de novos artistas do hip hop, andando armado e trocando tiros numa boate até Cassie Ventura, jovem artista de sua gravadora que Diddy começa a namorar só para fazer da vida dela um inferno.
Em sua denúncia, Cassie alega que foi estuprada várias vezes pelo namorado, obrigada a se drogar e transar por dias com outros homens enquanto Diddy a agredia. O vídeo da câmera de segurança de um hotel na Califórnia em que ele aparece espancando e puxando Cassie pelos cabelos foi a grande evidência, o estopim que detonou um processo que ganhou força de #MeToo, com muitas outras vítimas se juntando à denúncia, incluindo dois homens.
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O depoimento mais estarrecedor da série é o de Thalia Graves, que à época namorava um funcionário da produtora de Combs. Um dia, em 2001, Combs chegou em sua casa dizendo que ela precisava ir ao escritório resolver uns problemas do namorado. No banco de trás de seu carrão, ofereceu vinho a ela.
Quando chegaram à produtora, Thalia se sentiu tonta e percebeu que tinha sido dopada pelo artista. Teve as mãos amarradas e foi estuprada em uma mesa de sinuca em uma das salas do local. Depois, Combs ameaçou destruir sua vida caso contasse algo.
A série também me fez lembrar do caso do rapper Chris Brown, que em 2009 agrediu a namorada Rihanna. É daqueles casos que fazem pensar: se um cara desses não se intimida em bater numa artista rica, famosa e cheia de poder, o que não fará com uma mulher desconhecida, sem dinheiro e sem recursos para se defender?
Diante de tantas barbaridades que já vieram à tona, fica a pergunta: como fazer para evitar novos casos como esse? Dificilmente o volume de dinheiro que circula na indústria da música vai diminuir. Os machos tóxicos também parecem os menos propensos a fazer terapia –afinal, nunca precisaram questionar suas atitudes.
Resta confiar no caminho aberto pelo #MeToo: sempre ouvir as vítimas, dar crédito a elas e procurar outras do mesmo agressor. Infelizmente, onde há fumaça há fogo, e um homem desses raramente faz só uma vítima.
“A QUEDA DE P. DIDDY”
Minissérie em cinco episódios na Max