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Os momentos da história em que a sexualidade feminina foi alvo de crueldade

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Veja publicação original: Os momentos da história em que a sexualidade feminina foi alvo de crueldade

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Por Heloísa Noronha

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De castigos terríveis para quem cometesse adultério até estupros legalizados e a fama incutida de que toda mulher oferece perigo e falsidade, a trajetória da sexualidade feminina é marcada por sofrimento e preconceito.

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Durante o período da Inquisição na Europa, o clitóris era tido como um sinal de que a mulher praticava bruxaria. O órgão, segundo os “estudiosos” da época”, foi descrito como “o bico do seio do diabo”. Durante a Inquisição, os boatos de feitiçaria e pacto com o diabo recaíam principalmente sobre as mulheres que, de alguma forma, carregavam algum estigma e não tinham papel definido na sociedade vigente: solteiras, viúvas, indigentes.

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No século XIII, na Suíça, a mulher que praticasse o aborto sofria a punição de ser enterrada viva.

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No período em que a França estava sob o domínio dos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres tinham a obrigação de fornecer filhos para o projeto do III Reich de transformar a Alemanha na maior potência mundial. Assim, aquelas que optassem por interromper a gravidez, seja qual fosse o motivo, cometiam um crime contra a segurança nacional e, se condenadas, eram executadas.

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A menstruação foi alvo de tabu durante vários momentos da história. Antes da invenção dos absorventes descartáveis, em 1930, também era motivo de grande desconforto. As mulheres tinham de usar faixas de tecido atoalhado grossas e largas. Para piorar, ficavam ásperas e incômodas depois das lavagens. E ainda havia o inconveniente de achar um lugar para secá-las, já que não podiam ficar à vista dos outros – leia-se: homens.

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No Egito Antigo, o clitóris e os lábios vaginais eram extirpados como forma de evitar a infidelidade feminina. Ainda assim, as que tinham algum relacionamento amoroso fora do casamento e eram descobertas ficavam sem o nariz.

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Já na Grécia Antiga, a libido das mulheres casadas era reprimida com requintes de sadismo: elas tinham de permanecer descalças o inverno todo, pois os pés frios, de acordo com crendices da época, fazia o desejo sexual diminuir.

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Em várias sociedades, em diferentes épocas, a mulher que cometia adultério sofria humilhações públicas e se transformava numa espécie de pária da sociedade. Na Roma Antiga, por exemplo, aquelas que pulavam a cerca eram obrigadas a vestir na rua uma toga curta e escura que se contrapunha ao branco puro das longas estolas das damas. O enredo da obra clássica “A Letra Escarlate” (1850), de Nathaniel Hawthorne, se passa na Salem (EUA) do século XVII e conta a história de Hester Prynne, uma mulher casada que acredita que o marido morreu nas mãos de índios. Ela se envolve com o reverendo local e acaba engravidando, mas se recusa a dizer o nome do pai da criança e é condenada à prisão. Ao sair, precisa usar a letra “A”, de adúltera”, bordada na roupa.

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Durante vários séculos a Igreja Católica teve uma relação um tanto quanto hipócrita com a prostituição. Ao mesmo tempo em que a condenavam em seus sermões, vários membros solicitavam serviços sexuais – o “cliente” mais famoso foi o Papa Alexandre V (1431-1503), que certa vez promoveu uma orgia em que obrigava as moças a recolher castanhas do chão com a vagina. Já o Papa Clemente II (1000-1047) decretou que, ao morrer, as prostitutas tinham de deixar metade dos ganhos para a Igreja.

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Na Idade Medieval, as mulheres eram praticamente o mal encarnado na Terra – ideia que a Igreja, obviamente, fazia questão de propagar. Eis algumas características relacionadas às mulheres: deixavam-se ser seduzidas facilmente, gostavam de bajulação, não conseguiam guardar segredos e eram tidas como desonestas, invejosas, falsas e geniosas. O sexo, portanto, abria praticamente as portas do inferno.

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O ritual de mutilação do clitóris (“clitoridectomia”) e da parte externa dos órgãos genitais femininos é uma tradição criada há mais de dois mil anos em alguns países da África, do Oriente Médio e do Sudeste Asiático. A extirpação é feita logo na infância com o propósito de impedir o prazer rudimentar. Algumas culturas ainda seguem a tradição que, em geral, é feita de modo precário, levando muitas mulheres à esterilidade.

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Associated Press
 Seita, uma jovem queniana, chora após ter seu clitóris extirpado numa cerimônia de passagem da infância para a maturidade que garante à mulher um bom lugar na triboImagem: Associated Press

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Durante o período colonial, no Brasil, os portugueses diziam que as negras e as índias eram mulheres sem honra e, por isso, livres para fazer sexo sempre que algum homem tivesse vontade.

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Embora sejam relacionados à Idade Média, os cintos de castidade surgiram muito tempo depois, no século XIX, na Era Vitoriana. Não eram impostos pelos homens nem colocados para controlar a fidelidade das esposas, mas, ainda assim, sua história não é nem um pouco bela: esses instrumentos eram adotados pelas próprias mulheres para evitar serem estupradas nos locais de trabalho.

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Na Europa, na Renascença, o estupro não era considerado crime, a não ser que fosse cometido contra crianças, idosos ou aristocratas. Mesmo estupradas, aquelas que engravidavam “perdiam a honra”, pois havia a ideia que uma mulher só concebia se sentisse prazer durante o sexo. O resultado: muitas, impossibilitadas de casar, viravam prostitutas.

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Na época da escravidão, no Brasil, muitos senhores se relacionavam com suas escravas. Mais do que obter prazer erótico, também tinham por objetivo aumentar o número de escravos da senzala. Incomodadas com a traição, mas sem voz diante de casamentos impostos e do poder patriarcal, as sinhás descontavam a raiva nas mulatas e nos bebês bastardos. Há relatos que senhoras que mandaram arrancar os olhos de mucamas ou matar e cozinhar pedaços de crianças e servi-los ao marido nas refeições.

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A mulher do século XIX, pelo menos em terras brasileiras, não tinha poder algum sobre o próprio corpo e não podia de forma nenhuma recusar as “obrigações” com o marido no leito conjugal. Estupros domésticos eram comuns.

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iStock
 Ilustração de jovem mulher vitoriana tentando fugir de um homemImagem: iStock

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As meninas da Era Vitoriana, em especial as das famílias mais puritanas, vestiam uma camisola durante o banho e, ao trocar de roupa, tinham de manter os olhos fechados para não contemplar os próprios corpos.

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A partir dos anos 1920, o cinema passou a impor novos comportamentos para o público – especialmente o feminino. As estrelas da Sétima Arte surgiam a bordo de vestidos decotados e curtos que mostravam as pernas e os joelhos, muita maquiagem, penteados modernos e hábitos extravagantes, como fumar. A sociedade conservadora passou a tratá-las como prostitutas vulgares e exemplo a ser evitado – pelo menos da boca pra fora, já que muitas mulheres da classe alta sonhavam intimamente com poder desfrutar de tanta liberdade.

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Em 1710, nos cafés londrinos, as pessoas podiam comprar folhetos sobre o perigo de doenças sexualmente transmissíveis. Fez enorme sucesso uma brochura anônima contra a masturbação chamada “Onania ou o Pecado Infame da Desonra de Si Mesmo e Suas Terríveis Conseqüências para Ambos os Sexos, com Conselhos Morais e Físicos Endereçados Àqueles Que Já Sofreram os Prejuízos Desse Hábito Abominável”. As ameaças às mulheres eram cruéis, pois o leque de consequências do prazer solitário incluía desde a loucura até o aumento do clitóris, que ficavam do tamanho de pênis.

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Lançado em 2001, o filme “Em Nome de Deus”, de Nora-Jane Noone, mostra quatro jovens enviadas à força para um convento na Irlanda nos anos 1960. Baseado em histórias reais, o longa mostra que antes da revolução sexual do final da década era comum entre famílias conservadoras enviarem jovens “fora dos padrões” para expiar os pecados entre as freiras – na verdade, para encobrir a vergonha que provocavam. Assim, desde vítimas de estupro até mães solteiras e moças muito bonitas ou com atitudes consideradas provocativas tinham de ser internadas para uma possível “cura” entre as paredes católicas.

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Fontes: “Histórias e Conversas de Mulher” (Ed. Planeta), de Mary del Priore; “História do Amor no Brasil” (Ed. Contexto), de Mary del Priore; “O Guia dos Curiosos – Sexo” (Panda Books), de Marcelo Duarte e Jairo Bouer; “O Lado Sombrio dos Contos de Fadas – As Origens Sangrentas das Histórias Infantis” (Ed. Abril), de Karin Hueck; “Histórias Íntimas – Sexualidade e Erotismo na história do Brasil” (Ed. Planeta), de Mary del Priore; “Uma Breve História do Sexo” (Ed. Gaia), de Claudio Blanc

 

 

 

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