Saiu no site INESC
O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), em parceria com as organizações Tax Justice Network, Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe e Latindadd, se uniram para a elaboração de um relatório para apoiar a avaliação do Brasil pelo comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW).
A CEDAW, sigla em inglês para “Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women“, é um tratado internacional adotado pela ONU em 1979, com objetivo de eliminar a discriminação contra as mulheres em todas as suas formas e promover a equidade de gênero. Ela estabelece uma agenda de ações para os países membros garantir direitos a esse público em áreas como educação, emprego, saúde, e participação política. Periodicamente, o Comitê da CEDAW monitora a implementação da convenção.
Em virtude da aproximação da data para o Brasil ser analisado, as quatro organizações querem alertar o órgão da ONU que o governo não mencionou a questão da justiça tributária em seu relatório. “Essa temática é fundamental no campo da promoção dos direitos de mulheres e meninas, principalmente das mulheres e meninas negras”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc. Segundo ela, na medida em que o sistema tributário nacional se concentra no consumo – e não sobre a renda –, são as pessoas mais empobrecidas as que pagam um imposto maior proporcionalmente. “Essa realidade aumenta ainda mais as desigualdades de gênero, pois, se as mulheres têm menor renda, elas acabam arcando com uma tributação mais elevada”, acrescenta.
No Brasil, enquanto os impostos indiretos (que incidem sobre o preço final de bens e serviços) correspondem 10,6% da renda de mulheres negras, esse percentual cai para 9,7% no caso de homens brancos, segundo um estudo do Inesc de 2023.
O alerta das organizações à CEDAW virá na forma de um Shadow Report (ou Relatório Sombra), e nele estará a explicação de que, justamente pelas mulheres terem menores salários ou não serem remuneradas, e serem responsáveis pelos cuidados dos filhos, da casa e de pessoas doentes, elas têm menos estabilidade e renda. Ao mesmo tempo, são elas que tendem a utilizar sua renda para gastos em consumo de itens básicos, como alimentação, higiene, cuidados pessoais e assistência à saúde. E mais, a excessiva tributação indireta penaliza sobretudo as mulheres negras, que pertencem às camadas mais pobres da sociedade”, denuncia o documento.
Também foram acrescentadas as análises do Inesc sobre o desmonte das políticas públicas para mulheres e para a promoção da igualdade racial no período 2019 a 2022. Por exemplo, em 2020, ano mais crítico da pandemia, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não conseguiu executar 70% dos recursos destinados ao combate à violência contra as mulheres. Ao mesmo tempo, a violência contra as mulheres cresceu em, ao menos, 20% das cidades brasileiras durante a pandemia.
Elaborado a partir de pesquisas e reuniões com movimentos feministas, o relatório das organizações denuncia ainda o impacto negativo de medidas de austeridade fiscal após a emenda do Teto dos Gastos, além de abordar a participação do Brasil em discussões globais sobre tributação internacional, enfatizando a necessidade de políticas fiscais que promovam os direitos humanos. O documento apela por uma reforma tributária que leve em consideração as desigualdades de gênero e raça.
Recomendações – Entre as recomendações do relatório sombra estão a necessidade de reconhecer o impacto desigual das medidas de austeridade sobre as mulheres, especialmente as negras, o pedido de políticas tributárias que considerem questões de gênero e raça, uma regulamentação que inclua subsídios para produtos de saúde e cuidados pessoais e a implementação reembolsos de impostos para os mais pobres. Sugere também a transferência da carga fiscal das mulheres para setores mais taxados, como produtos nocivos à saúde, maior transparência e penalidades severas nos incentivos fiscais para grandes empreendimentos que impactam mulheres negras, quilombolas e indígenas, uma participação ativa do Brasil na Plataforma Latino-Americana de Tributação e fortalecer a Convenção das Nações Unidas sobre Tributação e outras medidas que combatam as desigualdades nos impostos sobre renda e riqueza para reparar a violência histórica contra mulheres e mulheres negras.