Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE
Veja publicação original: O que te faz bem?
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Nunca nos preocupamos tanto com o corpo e a mente, nem nos dedicamos tão profundamente a fazer com que trabalhem em harmonia. O bem-estar deixou de ser um conceito restrito à medicina para se tornar parte de quase todas as nossas decisões cotidianas. Do cardápio do café da manhã aos vídeos no YouTube
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Por Natacha Cortêz
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Qual é sua receita de bem-estar? Do que você precisa para chegar a sua melhor versão de corpo e mente – mesmo que ela dure minutos de um dia? Virginia Woolf, escritora britânica que viveu no começo do século 20 com o dramático diagnóstico de transtorno bipolar, precisava escrever para chegar lá. Colocar as palavras no papel levava Virginia para perto do êxtase, fazia com que se sentisse “em casa no próprio corpo”.
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Em um vídeo publicado no YouTube e visualizado mais de 1 milhão e 200 mil vezes, Cláudia Batista de Souza, conhecida como Monja Coen, aos 70 anos ensina: “Devemos treinar a mente para apreciar a vida e valorizar o presente, viver e contemplar a realidade. E sermos resilientes e pacientes com ela e seus baques”. Virginia Woolf provavelmente riria da filosofia budista da monja. O bem-estar para a escritora estava no exercício do escapismo – a forma como se despediu deste mundo, se deixando afogar em um rio, aos 59, diz muito –, e não na experiência da realidade.
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De um lado, uma mulher que se alimenta da própria ficção para não adoecer. De outro, uma que sugere a lucidez e os dois pés fincados no agora para uma existência sã. Há, entre as escolhas de cada uma, a mais sensata? A mais indicada por especialistas de uma vida plena?
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Não em um mundo onde o conceito de bem-estar, digamos, rejuvenesceu. Se em um passado recente, boa saúde era sinônimo de uma dieta pouco calórica, exercícios físicos regulares e visitas pontuais ao médico, hoje esse universo se expandiu. Tanto que há espaço para diversas – e às vezes incompatíveis – filosofias. Coexistem em uma prateleira de uma loja de produtos naturais frutas de uma alimentação orgânica e sachês proteicos da mágica comida em pó. Coexistem na oferta de tratamentos psiquiátricos ansiolíticos tarja preta e ayahuasca, chá alucinógeno tradicionalmente usado em rituais xamânicos.
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Olhe em volta. A potência da indústria do bem-estar (ou você pode dizer wellness, um dos trending topics do momento) é tamanha que, mesmo sem que se planeje isso, ela permeia sua rotina. As aulas de pilates, um curso de massagem tântrica, a melatonina para dormir melhor, a kombucha, a meditação, o dildo de cristal, o Rivotril: tudo faz parte desse mercado. Segundo o levantamento mais recente do Global Wellness Institute, em 2015 toda a indústria global do bem-estar valia 3,7 trilhões de dólares. Na década de 50, foi a construção civil a responsável por esquentar a economia. Na de 70, os eletrodomésticos. O entretenimento, com destaque para a TV e o videocassete, nos anos 80. A virada do século trouxe a internet (as redes sociais, a hiperconexão, a superexposição e novas angústias com elas). Em 2018, nossa busca por viver melhor, e menos ansiosos, alimenta como nunca antes a economia mundial.
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Em meio a uma avalanche de métodos, filosofias e caminhos que prometem uma vida mais… leve, fácil, calma, bem sucedida? (escreva aqui a sua meta: __________________), como ficamos nós, os alvos? Talvez aqui Virginia pudesse concordar com a monja brasileira: “Precisamos de um mergulho em nós mesmos, ainda que ele nos leve fora daqui por um instante”.
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