Indico a leitura desse artigo incrível, escrito por Liliane Prata.
Saiu no site M de Mulher:
A cada dia, cresce na internet e fora dela uma palavra que não está nos dicionários: a sororidade. No Google, a curva de buscas pelo termo aumentou 100% do fim de 2012 para cá. Em um mês, de maio a junho, foram contabilizadas no Twitter 6 281 menções a termos relacionados a ela. Seu significado é simples: união entre as mulheres. É uma camaradagem que se contrapõe à rivalidade tradicionalmente associada ao gênero. “A crença de que somos inimigas umas das outras, enquanto os homens são parceiros, é estratégica. Serve para manter o patriarcado, a dominação masculina”, afirma a filósofa Marcia Tiburi. “Sustentar as mulheres como falsas, traidoras, só preocupadas com a aparência ou em arranjar um homem faz parte de um discurso misógino que hoje está sendo desmontado”, completa. Se as mulheres acreditam que estão umas contra as outras, ficam mais vulneráveis à dominação masculina. E, assim, vão sendo mantidas longe da política, da ciência e demais espaços de poder, bem como tendo seus direitos civis violados – segundo dados de 2013 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),58% dos brasileiros acreditam que, se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros.
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Tal mentalidade ficou muito clara quando o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos no Rio de Janeiro, em maio, veio à tona. Foi Michel Brazil da Silva, mais tarde indiciado, postar em sua conta do Twitter um vídeo com as imagens do crime que o assunto tomou conta das redes sociais. Se a reação foi de repulsa geral? Não só: também fervilharam comentários como “Essas mina dão muito mole mesmo” (o usuário teve a conta bloqueada na mesma rede) e “Ela tava procurando isso” (no fórum de um portal de notícias). Em seu primeiro depoimento na delegacia, a garota sentiu-se julgada ao enfrentar as perguntas do delegado, Alessandro Thiers, que acabou sendo afastado do caso (pelo telefone, a assessoria de comunicação da Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro alegou não ter sido esse o motivo, mas, sim, que Thiers precisou sair de férias). “Ele perguntou se eu tinha o costume de fazer isso, se eu gostava de fazer isso. O próprio delegado me culpou“, afirmou a garota, em entrevista na televisão.
Em junho, a delegada de polícia Cristiana Bento, titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), divulgou o resultado do inquérito, que contém o pedido de prisão preventiva de seis indiciados, entre eles Michel, e a apreensão de um menor de idade. Um novo inquérito ainda investigará a possibilidade de haver mais algum envolvido nos crimes, e a garota se encontra em programa de proteção a vítimas e testemunhas.
A indignação com o caso (e com o descaso dos que, de alguma forma, culparam a vítima pelo crime) levou à Avenida Paulista, em São Paulo, pelo menos 5 mil pessoas, a maioria mulheres, no dia 1º de junho. Contra o machismo e a cultura do estupro, as manifestantes entoavam em megafones e exibiam em cartazes frases como “Mexeu com uma, mexeu com todas” e “Ensine seu filho a respeitar”. Daí as fotos que ilustram esta reportagem. Com a mesma tônica, cerca de mil manifestantes protestaram no centro do Rio de Janeiro – de novo, a grande maioria eram mulheres. Unidas.
MUDANDO A HISTÓRIA
Reverter esse jogo tão arraigado e se unir tornou-se um dos pilares fundamentais do feminismo. Foi refletindo sobre a importância da irmandade para a luta pelos direitos das mulheres que Babi Souza, jornalista de Porto Alegre de 25 anos, criou em 2015 a comunidade do Facebook “Vamos Juntas?”, que incentiva o apoio mútuo entre desconhecidas, em situações de risco, nas ruas. Vinte e quatro horas depois de ir ao ar, a página já tinha 5 mil curtidas – hoje são mais de 350 mil. “Numa sexta-feira, ao final do expediente, em vez de feliz, eu estava tensa. O motivo: entre dois pontos de ônibus do meu trajeto, havia um trecho escuro, em que eu precisava cruzar a pé uma praça”, conta Babi. No caminho, ela percebeu que outras mulheres, todas caminhando sozinhas, também pareciam nervosas. “E algumas estavam indo para o mesmo ponto que eu! Pensei: ‘Provavelmente, todas aqui sentimos mais medo de homem do que de mulher. Então, por que não vamos juntas?’.” Prestes a completar um ano de vida, o projeto ainda emociona Babi, com depoimentos de seguidoras que aproveitaram o ambiente da página para falar sobre assédio e abuso sexual.
É a sensação de acolhimento que encoraja as mulheres a falar sobre seus fantasmas sem filtros. Quando a jornalista Juliana de Faria criou em 2013 a campanha Chega de Fiu Fiu, milhares de mulheres foram incentivadas a falar sobre o desconforto de ser assediadas nas ruas. Maíra Liguori, diretora do Think Olga, ONG fundada por Juliana, explica que tanto aquela ação quanto a Meu Primeiro Assédio, lançada dois anos depois, foram muito catárticas. “Aí entra a sororidade: se reconhecer uma na outra, se expressar e ser ouvida“, diz Maíra.
Não se calar, aliás, também é o apelo da publicitária Daniela Schmitz, mãe de Valentina, que, aos 12 anos, foi alvo de pedofilia na internet em outubro de 2014. Após a menina aparecer no reality show culinário MasterChef, mensagens de cunho sexual foram direcionadas a ela (fato que motivou o lançamento da hashtag #meuprimeiroassédio). Depois de dois anos sem se manifestar, Daniela decidiu fazer um desabafo público. Como vice-presidente de uma grande agência de relações públicas, conclamou a todos para deixar de consumir marcas ou contratar para criar ou estrelar anúncios pessoas que contribuam, de alguma forma, para a objetificação da mulher. “Isso não é campanha publicitária, é contribuir ativamente para a construção de um comportamento estuprador, desumano e que coloca a mulher, desde bem pequena, num contexto profundamente humilhante”, escreveu.
Ao mesmo tempo que os meios digitais deixam à mostra a agressividade do machismo, contribuem para amplificar e fortalecer denúncias e movimentos capazes de transformar o comportamento de uma sociedade. O impacto é inevitável, mesmo para aqueles menos ativos nas discussões, que acabam levando novas ideias para a vida offline. “Nos posts, fóruns e comentários, é mais fácil perceber como somos muitas em busca de um mundo menos sexista e mais igualitário”, reforça Babi.
Como todo movimento político, o feminismo é alvo de críticas, e isso acontece com o conceito de sororidade também. Alguns argumentam que, como cada ser humano é único, não se pode falar em união das mulheres. “Não quero que nenhuma parceira de ativismo pense como eu”, rebate Marcia. “O feminismo de que falo é o que chamo de dialógico. Não implica uma busca por unanimidade. Certos consensos são necessários e possíveis em certos momentos, é claro, para fazer acordos, por exemplo. Mas, na política, é preciso conviver com a discordância.” Mais um argumento simplista em relação às mulheres é desmontado: a aliança do gênero está cada vez mais forte, mas não, não somos todas iguais.
ISTO É SORORIDADE
1. Esqueça termos como “vagabunda” e sinônimos: você já viu um homem ofendendo outro por ter se relacionado sexualmente muitas vezes? Agredir uma mulher por causa do comportamento sexual dela é opressor.
2. Da mesma forma, não julgue ninguém pela roupa decotada, curta ou justa. Mesmo se você considerar o ambiente inadequado. “Se um homem aparece de bermuda em uma reunião, vão dizer que é desleixado, o que representa um julgamento de valor, mas profissional. Já se a colega for de saia curta, pode receber julgamentos bem mais ofensivos, de cunho sexual”, explica Maíra.
3. Quando uma mulher for acusada de algo, ouça o lado dela ou aguarde mais informações em vez de partir do pressuposto de que a culpa é dela. Todo mundo é inocente até que se prove o contrário.
4. Ao ser apresentada a uma mulher, procure abrir-se para conhecê-la em vez de olhá-la de cima a baixo. “Ensinaram que precisamos sempre competir umas com as outras”, lembra Babi.
5. No fundo, é simples: a ideia é respeitar, ouvir e dar voz às mulheres, mesmo que nem sempre estejam de acordo.
Publicação Original: O que quer dizer “sororidade” e por que você precisa dela