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Veja publicação original: O processo de desconstrução de um machista: um relato de causa
O texto deste mês é mais um relato pessoal do que propriamente uma fonte de crítica. O tema não poderia ser menos complexo: machismo.
Nesta vida, temos o desafio de evoluir a cada experiência que gozamos na busca de sermos pessoas melhores. Pensando nisso, gostaria de compartilhar como vem sendo o processo de desconstrução do machista que existe em meu (in)consciente. Tenho absoluta certeza de que a caminhada só está começando e será infinda, pois vivemos em uma sociedade patriarcal, misógina e machista.
O colírio mágico e libertador que venho utilizando diariamente para desconstruir o machista que existe dentro de mim está do meu lado. Devo admitir que sem a Jeniffer (te amo) e outras mulheres incríveis com quem convivo, continuaria enxergando o mundo a partir de uma lente enviesada que freia e coloca em risco o desenvolvimento da vida das mulheres.
Gostaria de compartilhar nas histórias abaixo, como esse tal colírio tem feito com que eu desfaça o machista que está dentro mim. Espero que as resenhas sirvam de inspiração para você se tornar uma pessoa melhor.
Entendendo meu papel na casa
Nos primeiros meses pós-matrimônio, surgiu um tema no qual eu não estava acostumado que envolvia a tarefa de administrar uma casa. Na minha cabeça, a função do homem era “ajudar” a mulher nas atividades domésticas e aqui tive o meu primeiro aprendizado.
Na verdade, assim como a minha esposa e qualquer outra pessoa que divida uma residência com alguém, eu era responsável pelas atividades do lar. Mesmo tendo uma rotina de trabalho, estudos e palestras, eu era dono da louça na pia, do banheiro sujo, do chão encardido, da roupa fedida, da geladeira sem comida e do prato vazio.
Só para você se sensibilizar de como essa ideia de que a mulher é a dona da casa é algo latente em nossa sociedade, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE de 2015, as mulheres trabalham em média 7,5 horas a mais que os homens por semana. A jornada total média das mulheres em 2015 era de 53,6 horas, enquanto a dos homens era de 46,1 horas. Em relação às atividades não remuneradas, mais de 90% das mulheres declararam realizar atividades domésticas. Tais indicadores demonstram que as mulheres continuam se responsabilizando sozinhas pelo trabalho doméstico, o que é injusto.
Para combater a máxima da sociedade e deixar de achar que esse é um assunto velado, repito para mim todo dia é: você é dono desse espaço, portanto, se desafie a criar uma visão panorâmica do que está acontecendo a sua volta. Devo admitir que preciso aprimorar muito esse quesito, mas sei que tenho evoluído.
Para você, homem, fica como dica amiga de leitura sobre o assunto o texto “Mulheres não são reclamonas — só estamos de saco cheio”.
Revendo a forma como me comunico
Você já se perguntou o quão machista somos ao utilizarmos termos no masculino o tempo todo? A principal questão aqui é que as pessoas não se sentem representadas quando elas precisam lidar com conteúdos repletos de palavras que dão a ideia do masculino como universal.
Tal pensamento remove das mulheres a natureza de sujeitos, deixando-as submetidas aos homens, reproduzindo e dando respaldo à sociedade sexista em que vivemos.
Volta e meia me encontro falando ou escrevendo “cara”, “guys”, “gestor”, “diretor”, “programador”, “professor”, “alunos” etc. Um exercício interessante que tenho praticado é buscar falar no feminino todas as palavras no plural que possuam gênero. Assim, estarei sendo menos machista e mais inclusivo.
Se você está interessado em saber mais sobre como utilizar uma linguagem menos sexistas, não deixe de ler “Escrever com “x” não é linguagem neutra”. O conteúdo é uma aula de como é possível se comunicar de uma maneira que considere todas as pessoas.
Olhando a menina e a mulher do jeito que ela merece
Gostaria de incluir como último tópico do texto alguns mitos machistas que venho questionando e que precisamos derrubar:
- Menina gosta de rosa e de boneca. Não, quem impõe isso é uma sociedade que empurra para a criança crenças e conceitos que separam “coisas de meninos e coisas de meninas”. Segregar as atividades a partir do gênero da criança impede que ela desenvolva habilidades que serão úteis para uma vida adulta mais igualitária. Minha sobrinha tem me ensinado muito sobre o assunto, mas fica a dica de leitura do texto “4 coisas que precisamos saber se quisermos educar as crianças sob uma perspectiva de igualdade de gênero”.
- A mulher existe para servir o homem. Sério que em pleno século XXI existam pessoas que acreditem nessa frase? Sim, existem. Basta lembrar da declaração do vampiro que exerce a função de presidente do Brasil. Tal crença é tão forte que pode anular a vida de uma mulher. Isso ocorre quando entendemos que a mulher existe para ser a serva sexual do homem, a cozinheira do dia a dia, a dona da casa, a responsável por arrumar a mala do marido, a responsável por dar banho e comida para os filhos etc. Se você faz parte de alguma religião, reveja como os evangelizadores estão posicionando em seus discursos a mulher frente ao homem. Faça questionamentos sobre o real significado espiritual de frases como “para o homem Deus criou uma mulher” ou “a mulher nasceu da costela do homem”. Não seja conivente com a ideia de que a mulher serve para obedecer o homem. Acreditar em tal afirmação é tão grave que, infelizmente, precisamos lidar diariamente com casos de mulheres sendo agredidas, mortas e estupradas por homens senhorios. Para refletir sobre o assunto, deixo o texto “Violência nunca é sobre amor: dissecando a carta do assassino de Campinas”.
- Exatas não é coisa de mulher. Desde cedo, meninas são desestimuladas a seguirem uma carreira em matemática, física, computação ou engenharia, por ouvirem o tempo todo que número e mulher não combinam, ou que mulheres lidam melhor com cadeiras ligadas as ciências humanas. Você tem dúvida disso? Basta olhar para salas de graduação de engenharia ou empresas de tecnologia da informação que você compreenderá o quão segregado estão os contextos que envolvem as áreas de conhecimento relacionadas às exatas. Para a alegria da área de TI, existe uma série de iniciativas como o Codamos e o Infopreta que estão buscando tirar o sistema do status quo.
- Toda mulher deve ser mãe. Não, a mulher existe para ser quem ela quiser ser. Convivo com mulheres que buscam cada vez mais reconhecimento profissional, independência financeira e experiências transformadoras que não estão intimamente ligadas com a maternidade. Um texto que li recentemente e que me tocou sobre o tema maternidade foi “Do profundo desamparo da maternidade”. Tenho plena convicção de que a maternidade traz uma carga para a mulher que precisa ser distribuída, caso contrário pode destruir sua essência e sua personalidade.
Conclusão
Se você está interessado em começar a quebrar o machista que vive em você, gostaria de deixar a dica de uma leitura que abriu minha cabeça. O livro se chama “#Meuamigosecreto — Feminismo Além Das Redes” e foi escrito pelo coletivo Não Me Kahlo. O conteúdo é composto por uma série de artigos sobre temas como padrão de beleza, violência contra a mulher, aborto, o desafio de ser mãe, machismo no mundo geek, feminismo negro e o porquê do ódio contra a mulher. Extremamente embasado e com uma linguagem fácil de ser consumida, o material é um excelente ponta pé inicial para quem está interessado em questionar o machismo institucional de cada dia.
Como aprendi com a Jhê, cada ser é um universo a parte que tem sua história. Porém, somos seres pensantes que estão nesta experiência de vida para somar e evoluir. Devemos dar um basta ao machismo que impera em nossa sociedade. Para isso, temos que começar a evolução por nós, criando a consciência de que somos machistas e precisamos mudar.
O que achou do texto? Como você tem enxergado o machismo no seu dia a dia? Deixe seu comentário que ele será muito importante.
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