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Veja publicação original: O papel religioso na luta contra a violência doméstica
por Martina Arraes
Mulheres de diferentes religiões revelam suas reflexões sobre a importância das crenças no combate contra atos violentos
Mesmo com todos os avanços alcançados após a Lei Maria da Penha (nº 11.340, de 7 de agosto de 2006), os números de violência doméstica contra a mulher ainda assustam. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 2,4 milhões de mulheres sofreram agressão de alguém conhecido, quase o dobro comparado ao quantitativo masculino, 1,3 milhões. Além disso, dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. É o que mostra o Mapa da Violência de 2015, desenvolvido pelo Ministério da Saúde.
Outro estudo, bastante compartilhado na internet, mostra que 40% das mulheres que sofrem violência doméstica se declararam evangélicas. A pesquisa foi realizada na Casa Sofia – que atende mulheres em situação de violência -, em São Paulo, por Valéria Cristina Vilhena, professora, palestrante e autora do livro ‘Uma Igreja Sem Voz’. Para Valéria, o resultado, mesmo fruto de um ambiente específico, reflete que algumas igrejas não ajudam a combater esse tipo de violência porque ainda usam doutrinas muito antigas. Como a de que a mulher deve obediência ao marido.
“Quando a mulher vai procurar o seu pastor para dizer que ela está sofrendo violência, normalmente ela não recebe apoio, o pastor aconselha mais submissão, em nome de Deus: ‘Seja sábia, fique calada, não enfrente’”, afirmou a pesquisadora. Segundo Valéria, a religião é mais resistente a mudanças, mas, como qualquer cultura, não é estática e dura, é dinâmica e tem que estar em movimento. Com base nessa pesquisa, a reportagem do LeiaJá entrevistou mulheres de diferentes religiões, para mostrar como a violência doméstica é abordada dentro das doutrinas.
Integrante da igreja católica do Morro da Conceição, a estudante de direito Ivanna Albuquerque explicou que faz parte da rotina da igreja tratar temas do nosso cotidiano. “A violência contra mulher não foge à regra pois, infelizmente, é uma realidade na nossa sociedade. Nas missas, sempre é pregado o respeito que deve haver entre os cônjuges. Que o marido deve respeitar sua esposa e que na família deve prevalecer amor, carinho e respeito”, disse.
Segundo a Ministra Extraordinária da Sagrada Comunhão da igreja do Morro da Conceição, Eduarda Nascimento, existem diversos grupos na igreja católica, como o Encontro de Casais e o Encontro de Jovens, que abordam de forma mais intensificada a temática. “Nesses encontros há, por exemplo, encenação de como ocorre o abuso, as diferentes formas de violência, o que a mulher passa e o quanto ela sofre. É uma forma de alertar a ambos os sexos, que a mulher pode e deve procurar ajuda e não se submeter, e ao homem de que esses atos são desprezíveis e inaceitáveis”, detalhou.
A voluntária do Núcleo Espírita Aristides Monteiro (NEAM), Carolina Santana, detalhou que a violência doméstica, dentro do espiritismo, pode ser uma forma de resgate ou obsessão por aqueles espíritos de atitudes primitivas. “O espiritismo nos impulsiona ao progresso moral. O processo de autoconhecimento pode construir ou destruir uma encarnação. Mas, isso depende muito de nossas atitudes e de como administramos os nossos impulsos. Esta é a nossa melhor encarnação. A diferença é o que vamos fazer dela para evoluirmos”, detalhou.
De acordo com Ana, é um processo tanto para vítima quanto para o agressor, serve para evolução daquela encarnação. Tanto esse tema como todos os outros do cotidiano são trabalhados através da caridade dentro do centro espírita. “O espiritismo respeita o nosso livre-arbítrio. Kardc aponta a prova escolhida pelo espírito antes de reencarnar, aquele que desejou expor-se à tentação para ter mérito na resistência. Não existe uma regra do que fazer quanto a isso. Mas, a doutrina sempre aconselha ao trabalho espiritual e a vigilância”, ressaltou.
A médium de Umbanda, Graziele Magalhães, contou que muitas mulheres procuram a comunidade Umbanda escondidas dos seus cônjuges, por medo, em busca de auxílio dos mentores espirituais. “Lá elas recebem o amparo espiritual necessário”, disse. De acordo com Graziele, essa busca acontece há muito tempo.
Quando mulheres sofrem abusos, violência ou desilusões amorosas, vão às casas de Umbanda e passam por incorporações nos médiuns para serem ajudadas. Nesse segmento religioso, a explicação para atitudes fora da conduta, como os casos de violência contra mulher, é de que existem espíritos obsessores que induzem a esse tipo de comportamento. “Falanges espirituais trabalham sobre a lei de Umbanda para auxiliar essas mulheres, como as pombas giras. Pessoas que possuem desvio de conduta em relação aos espíritos mais ‘fracos’, como mulheres e crianças, podem estar obsidiadas por espíritos que necessitam de ajuda e tratamento espiritual”, explicou Graziele.
Na Igreja Presbiteriana ‘A Ponte’, é realizado um evento só para as mulheres, de duas a três vezes por ano, o ‘De Cara Limpa’. O encontro traz à tona problemáticas vividas no cotidiano das mulheres, como a violência doméstica. “Muitas vezes a gente não imagina pelo que a mulher ao nosso lado pode estar passando. Então é um momento em que abrimos vários debates para que as mulheres possam se colocar uma no lugar da outra. Pois, sabemos que mulher costuma se calar, ela não fala sobre as violências que sofre, sejam elas verbais ou físicas”, pontuou a líder do evento e integrante da igreja, Bruna Franco.
Bruna contou que, pelo fato da igreja abordar temáticas um pouco diferentes do que geralmente se fala nas igrejas tradicionais, no De Cara Limpa notou-se a necessidade de haver mais abertura. Recentemente, foi realizada uma exposição de fotos e alguns cultos abordando só violência doméstica contra as mulheres.
“Eu e meu marido, o pastor Guilherme Franco, fizemos os cultos para mostrar a importância que Jesus trouxe às mulheres, através de passagens da própria bíblia. Envolvemos a questão da submissão, que é muito mal vista pelos cristãos, na qual os maridos se aproveitam de um machismo enraizado para fazer um discurso machista. O machismo não é de Deus. Nada que vai para um extremo é de Deus”, ressaltou.
De acordo com Bruna, é preciso uma reflexão sobre o papel da igreja na vida das mulheres. “Se enxergamos que a igreja é um lugar de solução de Deus para o sofrimento, a manifestação de Deus na sociedade, por que as mulheres não estão correndo para solucionar seus problemas nas igrejas? Justamente porque em muitas igrejas o machismo é reforçado, como a alegação de que a mulher não pode reclamar do seu marido, por exemplo. Então são muitos paradigmas que ainda precisam ser quebrados”, refletiu.