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O livro de Angela Davis que leva o ativismo para a prática e exalta a luta política das mulheres

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Veja publicação original: O livro de Angela Davis que leva o ativismo para a prática e exalta a luta política das mulheres

 

Angela Davis, ativista norte-americana, acadêmica, filósofa e escritora.

“A política não se situa no polo oposto ao de nossa vida. Desejemos ou não, ela permeia nossa existência, insinuando-se nos espaços mais íntimos”. 

A frase acima é da escritora e ativista Angela Davis, 71, em seu livro Mulheres, Cultura e Política, lançado pela primeira vez no Brasil pela Editora Boitempo. Publicado originalmente em 1989, o livro é uma compilação de discursos e artigos que sintetizam e complementam o pensamento de Davis sobre economia, cultura, política e militância.

Enquanto Mulheres, Raça e Classe (1981) — lançado pela primeira vez em português em 2016 — expõe as bases do sistema político e da configuração das relações sociais nos Estados Unidos com base em gênero (mulheres), raça (negra) e classe (trabalhadoras), o novo livro pode ser visto como a continuidade prática do primeiro.

Com dados históricos e estatísticas, Davis aponta que o governo de Ronald Reagan (1981 a 1989) operou para enfraquecer grupos sociais nos Estados Unidos, como a classe trabalhadora e a população negra; e também reflete sobre movimentos sociais, além de destacar a importância de conhecer o ativismo de mulheres como Winnie Mandela, que ficou mais conhecida por ser ex-mulher do ativista sul-africano e antiapartheid, Nelson Mandela, do que uma escritora e feminista.

“Ela estabelece claramente uma relação de hereditariedade”, conta Heci Regina Candiani, cientista social pela Unicamp e tradutora de Angela Davis para o português, em entrevista ao HuffPost Brasil.

 

Neste livro, segundo Candiani, Davis mostra “o que as mulheres militantes de hoje devem aprender com as mulheres militantes do passado, e como é importante não se posicionar apenas em relação à opressão no interior dos Estados Unidos mas também na América Latina, na África, em todo o mundo”.

Hoje, quando refletimos sobre o processo de empoderamento das mulheres afro-americanas, nossas estratégicas mais eficazes continuam sendo aquelas guiadas pelo princípio adotado pelas mulheres negras do movimento associativo. Precisamos nos esforçar para “erguer-nos enquanto subimos”. Em outras palavras, devemos subir de modo a garantir que todas as nossas irmãs, irmãos, subam conosco.Angela Davis em ‘Mulheres, Cultura e Política’.

Davis, que analisa como racismo, capitalismo e sexismo estruturam as relações gerando formas combinadas de opressão, amplia o horizonte de suas reflexões e de suas preocupações com o contexto social em Mulheres, Cultura e Política.

DIVULGAÇÃO/EDITORA BOITEMPO
Capa da edição brasileira do livro de Angela Davis, ‘Mulheres, Cultura e Política’, publicado pela primeira vez no Brasil em 2017.

Em 193 páginas, a autora expõe também o que cortes em programas sociais, de saúde e educação e o que as reformulações em políticas públicas representaram para as mulheres estadunidenses à época.

“Essas são realidades que as mulheres vivenciam todos os dias, no Brasil e em todo o mundo, e acredito que as reflexões da autora podem ser bastante claras em inspirar estratégias de resistência e de luta política”, afirma Candiani.

Porém, a obra, mesmo quase 30 anos depois de publicada, continua atual. “É impossível não reconhecer nos relatos que ela traz alguns aspectos do oportunismo político dos atuais governos do Brasil e dos Estados Unidos”, completa.

Como podemos garantir que esse padrão histórico se rompa? Enquanto defensoras e ativistas dos direitos das mulheres de nosso tempo, devemos continuar a fundir esse duplo legado a fim de criar um “continua” único, que represente de modo sólido as aspirações de todas as mulheres da nossa sociedade. Devemos começar a criar um movimento de mulheres revolucionário e multirracial que aborde com seriedade as principais questões que afetam as mulheres pobres e trabalhadoras.Angela Davis em ‘Mulheres, Cultura e Política’.

Para a tradutora, que também é cientista social e estudou a obra de Davis em seus estudos sobre gênero, é “impossível não estabelecer uma relação dos dois livros com a própria trajetória da autora”.

Na década de 70, Angela Davis integrou o grupo Panteras Negras e foi membro do Partido Comunista. Ela foi presa e ficou mundialmente conhecida pela mobilização da campanha “Libertem Angela Davis”, que deu nome a um documentário. Atualmente, ela é professora emérita do departamento de estudos feministas da Universidade da Califórnia e desenvolve trabalho intenso sobre a questão prisional nos Estados Unidos.

O primeiro foi escrito, em parte, quando estava presa, e o segundo quando já estava em liberdade e em contato mais próximo mulheres de todo o mundo.

PAUL MORIGI VIA GETTY IMAGES
Angela Davis faz discurso na Marcha das Mulheres, em 21 de janeiro de 2017, em Washington, nos Estados Unidos.

O maior desafio ao traduzir Davis para o português? O cuidado para não cair em armadilhas. Segundo Candiani, o alinhamento da autora com a ideia de um feminismo interseccional transparece em sua escolha de palavras e na construção das frases. Por isso, o processo de tradução precisa levar isso em consideração.

“É preciso ter um cuidado especial com uma armadilha de nossa língua portuguesa: o masculino como fórmula de neutralidade (dizemos “historiadores”, por exemplo, para nos referirmos a “historiadoras e historiadores”)”, conta.

“Essa característica de nossa língua encobre o protagonismo e a ação das mulheres em muitos campos da atividade humana. E isso teve outros desdobramentos, porque também em relação às questões étnicas e de classe nossa linguagem é carregada de preconceitos”, complementa.

As mulheres de Angela Davis

O pensamento e a existência de Angela Davis podem ser considerados sinônimos de força e resistência a um sistema que, diariamente, insiste em criar mecanismos para que as mulheres negras tenham seus direitos cerceados e suas trajetórias silenciadas.

“Antes de queimar os sutiãs, nós, as mulheres negras, já tínhamos queimado os canaviais e as casas grandes”, aponta Vilma Reis, socióloga, feminista negra e ouvidora da Defensoria Pública da Bahia que assina o prefácio da edição brasileira de Mulheres, Cultura e Política.

Davis busca integrar falas e escritos de mulheres de origem africana, afro-americana, árabe, asiática, indígena em seus textos e traz histórias, relatos e citações de textos desconhecidos, em muitos casos, pelo leitor.

“As mulheres negras e de outras etnias foram silenciadas e invisibilizadas até na literatura feminista. Angela provoca isso. Ela traz para o debate a miopia política dentro do próprio movimento feminista que, até então, só era visto por uma ótica hegemônica, como apenas um movimento de mulheres brancas”, finaliza Reis.

 

Libertem Angela Davis, Shola Lynch (2011)

 

 

 

“Se eu tivesse que destacar um aspecto eu diria que é o modo como ela dá voz às mulheres de todas as etnias em suas obras”, aponta Candiani.

A filósofa faz jus às mulheres que defenderam a igualdade racial de gênero nos Estados Unidos, como Winnie Mandela, na África do Sul, Nawal El Saadawi, no Egito, além de citar a também a feminista e escritora norte-americana, Audre Lorde.

Anote aí:

A escritora estará no Brasil no dia 25 de julho, Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha, para uma palestra no evento “Julho das Pretas”, sobre as perspectivas futuras da luta anti racistas, organizado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Mulheres, Cultura e Política

Editora: Boitempo

Páginas: 193

Preço: R$ 48,00

 

 

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