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‘O estupro não é um ato sexual, é de poder, de dominação’, diz Rita Segato, a feminista que inspirou ‘O estuprador é você’

Saiu no site R7

 

Veja publicação no site original:  ‘O estupro não é um ato sexual, é de poder, de dominação’, diz Rita Segato, a feminista que inspirou ‘O estuprador é você’

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Os trabalhos da antropóloga Rita Segato, professora emérita da UnB, inspiraram ‘Um estuprador no seu caminho’, a música que nasceu no Chile e se tornou um hino feminista ao redor do mundo

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“O Estado opressor é um macho estuprador / O Estado opressor é um macho estuprador / O estuprador é você / O estuprador é você.”

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Esses versos fazem parte do que já se tornou um hino feminista mundial: “Um estuprador no seu caminho”, a música e a coreografia que nasceu no Chile e percorre praças de todo o mundo (assista no vídeo abaixo).

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A composição foi inspirada nos trabalhos da antropóloga feminista argentina Rita Segato, segundo o coletivo chileno que a criou, o Lastesis.

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A antropóloga estuda a violência contra as mulheres há anos e defende que crimes sexuais contra elas sejam entendidos como crimes de dominação e submissão. Em seus textos, defende a desmistificação do estuprador como um sujeito que pratica a violência por prazer sexual.

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Rita Segato deu aula na Universidade de Brasília (UnB) por mais de trés decadas e recebeu o título de professora emérita. A insituição apontou que a antropóloga tem “contribuições reconhecidas internacionalmente para os estudos sobre violência contra mulheres e direitos humanos”.

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Ela fez colaborações com organizações da sociedade civil do México, El Salvador, Nicarágua e Honduras sobre violência contra mulheres e direitos humanos. E, na década de 1990, também foi uma das autoras da primeira proposta de cotas para negros e índios na UnB.

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A BBC Mundo entrevistou a antropóloga sobre a repercussão de “Um estuprador no seu caminho” e o movimento feminista. Leia abaixo os principais trechos.

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BBC Mundo — O coletivo Lastesis, das autoras de “Um estuprador no seu caminho”, divulgou que a letra da música é baseada em seus trabalhos. O que você acha da repercussão gerada por ela?

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Rita Segato — Acho muito positiva e há várias coisas a serem pontuadas: não foi pela televisão que se espalhou. Ao menos aqui no meu país, a Argentina, isso não acontece pelos canais usuais ou convencionais… É algo que se tornou viral à sua maneira, na comunicação das próprias pessoas, e eu realmente amo isso. Vejo que ela circulou pelo planeta com seus próprios pés, escapou de todos os filtros, de todas as seletividades dos canais convencionais.

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Eu me sinto honrada, me dá muita felicidade que um pensamento que levou muitos anos para colocar no papel, em vários livros, como minha análise da violência contra a mulher, alcance um destino de massa, uma circulação tão grande quanto teve esse poema, essa letra, que realmente reflete alguns pontos centrais que enfatizo há muito tempo.

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BBC Mundo — Você acha que isso serviu para levar a teoria feminista da academia para as ruas?

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Segato — Sim, embora na América Latina já existisse o uso de textos, de autoras, de teoria nas ruas, nas marchas. Esse pensamento está presente porque é um problema grave.

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Portanto, mulheres de todas as idades, embora especialmente mulheres jovens, foram buscar na literatura uma explicação, uma maneira de entender o que é incompreensível do nosso ponto de vista: o que nos mata? E por que nos matam? Por que tanta morte para quem mata pouco?

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Porque o problema dos feminicídios é de quantidade, de crescimento numérico, especialmente quando se pensa sobre isso da perspectiva de quão pouco nós, mulheres, matamos. Existe uma enorme desproporção entre a violência letal que aplicamos e a violência letal que recebemos.

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Isso naturalmente requer e produziu, nas últimas duas décadas, uma busca por parte das mulheres e do ativismo pela literatura, pela análise acadêmica.

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Assim, a música “Um estuprador no seu caminho” não é uma novidade do ponto de vista da busca do ativismo no pensamento analítico, mas o que é uma novidade é a extraordinária circulação mundial de uma letra que condensa de maneira poética esse pensamento.

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E condensa de uma maneira não óbvia. E isso me chama a atenção, porque realmente existem as coisas que eu disse, mas elas são codificadas, e as pessoas souberam ler. Isso é extraordinário, surpreendente, e mostra uma maturidade das pessoas, do ativismo na leitura e compreensão de algumas ideias que não são tão acessíveis.

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BBC Mundo — O tema da música é a violência contra as mulheres, algo que você estudou bastante. Por que um homem estupra uma mulher? O que é um estupro?

Segato — O estupro é um ato moral, moralizador, e é isso que a música diz.

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A música diz algo que eu venho dizendo há muito tempo e que é muito difícil de digerir e muito difícil de entender, mas eu ouvi isso nas prisões. Hoje é óbvio nas ruas do Chile que quem estupra é a autoridade, quem estupra é o sujeito moral, que o sujeito estuprador é o sujeito moral por excelência e que o estupro moraliza, ou seja, coloca a mulher em seu lugar, a apanha em seu corpo, diz a ela que, mais do que uma pessoa, ela é um corpo.

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O estupro não se baseia em um desejo sexual, não é a libido descontrolada de homens, não é porque sequer é um ato sexual. É um ato de poder, de dominação, é um ato político. Um ato que se apropria, controla e reduz as mulheres por meio da apreensão de sua intimidade.

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Rita Segato explica que o estupro é um ato de poder e de dominação contra as mulheres, e não se trata de desejo sexualRita Segato explica que o estupro é um ato de poder e de dominação contra as mulheres, e não se trata de desejo sexual
Getty Images

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BBC Mundo — Você também define o patriarcado não como uma cultura, mas como um sistema político.

Segato — Retiro de meus textos a maneira de entender o patriarcado como cultura, cultura moral, cultura religiosa… O patriarcado é uma ordem política fundamental baseada no controle, na disciplina e na opressão das mulheres por meio de narrativas muito diversas e espalhadas. São narrativas de várias religiões, de culturas diferentes, que são narrativas morais diversas, mas por trás das quais está essa ordem política de dominação que diz que as mulheres são moralmente suspeitas, uma moral vulnerável ao mal, à tentação.

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Nós, a civilização judaico-cristã, temos isso no Gênesis, mas outras civilizações também, em seus próprios mitos: a mulher é facilmente tentada e, portanto, deve ser capturada por uma ordem, subordinada, disciplinada, porque é vulnerável a essa tentação.

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O estupro faz parte dessa moral opressiva que pega a mulher e impõe um limite a ela — o limite de seu corpo.

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BBC Mundo — Você acredita que o “mandato da masculinidade” também é prejudicial aos homens.

Segato — Uma das coisas que eu disse ultimamente é “abaixo o mandato da masculinidade”, e disse aos homens. Às vezes encontro homens na rua que dizem “obrigado, muito obrigado, abaixo o mandato da masculinidade”.

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Porque o mandato da masculinidade também destrói os homens, é um mandato corporativo hierárquico que exige atos que os destroem moral e fisicamente, porque a obediência à masculinidade gera tensões extraordinárias. Eles morrem antes em todos os países do mundo por esse tributo à corporação que têm que entregar, e que implica violência, crueldade, falta de sensibilidade, falta de empatia, falta de solidariedade, falta de companheirismo com as mulheres… isso vai causando tensão interna em muitos homens, que não podem sentir, não podem expressar ternura…

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Mulheres de todo o mundo interpretaram a música que diz 'O estuprador é você'

Getty Images

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BBC Mundo — Você acha que o movimento feminista deveria dar mais importância a dizer ao homem ‘você também é vítima’?

Segato — Isso tem sido muito discutido, mas acredito que, em primeiro lugar, em um mundo plural, quero um feminismo plural.

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Parece-me que o mandato da masculinidade prejudica os homens, as mulheres e parece-me que os objetivos do feminismo não são para as mulheres. As demandas do feminismo não são para nós, são para toda a sociedade, para um mundo melhor. É isso que meu feminismo procura. Agora, dentro do feminismo, há vozes no plural, e eu defendo o pluralismo em primeiro lugar.

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BBC Mundo — Há cada vez mais marchas, mais protestos de mulheres. Você acha que o movimento feminista na América Latina está no auge?

Segato — E não apenas na América Latina, acho que o mundo está vendo uma mudança de era, acho que a política está mudando de mãos.

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A política no código masculino, no código patriarcal, está atingindo um ponto de virada, devido ao grande fracasso, porque não conseguiu, em nenhum momento e por qualquer meio, tomar o Estado e a partir do Estado transformar a história. Não alcançamos um mundo com maior bem-estar para mais pessoas através dos caminhos usuais que sempre foram políticas de Estado, políticas nas mãos dos homens.

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Então, acredito que o que está surgindo nas ruas, na América Latina, mas também no mundo inteiro, são novas formas de política que não são habituais e, finalmente, a transferência para uma política que havia sido ignorada, reprimida, que é a gestão feminina da vida.

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Rita Segato deu aula na Universidade de Brasília (UnB) por mais de trés decadas e recebeu o título de professora emérita

Getty Images

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BBC Mundo — Você acha que isso produzirá mudanças reais?

Segato — Sim, se conseguirmos elaborar e formular a retórica que o movimento feminista está tendo no mundo.

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É dizer isso é política, assim a vida é transformada, o modo de fazer política é transformado, nessa relação de corpos que ocorrem nas ruas, novas amizades que são rapidamente geradas, que florescem nas ruas, novas formas de intimidade e de se enxergar como um coletivo.

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Aí a solidariedade se tornará verdadeira, não será um novo mecanismo, não será uma nova política social de solidariedade, será uma nova experiência e o esforço necessita de todos nós para colocar nome, porque os nomes são poderosos.

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Transformar uma retórica e ver o que essa nova maneira de fazer política, que é a maneira como as mulheres fazem política, ver o que ela alcança e o que isso significa, eu acho que pode inaugurar uma nova era porque houve um fracasso em todos os lugares para produzir felicidade.

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