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JUSTIÇANDO: O caso Mariana Ferrer e as deficiências do sistema de Justiça

Saiu no CONSULTOR JURIDICO

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É inacreditável que a sociedade e a Justiça brasileiras sejam tão tremendamente insensíveis quando se trata de crimes sexuais cometidos por homens contra mulheres. A eterna ladainha de que a culpa foi da vítima, por não ter se cuidado como deveria, é uma atrocidade machista sem cabimento nos tempos de hoje. Impressiona perceber o tamanho do estrago que o patriarcado cometeu contra as mulheres brasileiras, desde o descobrimento até os dias de hoje, mas pior ainda é constatar que tudo continua como dantes!

O caso Mariana Ferrer, que repercutiu por todo o país, deixa claríssimo que ainda existe o mesmo preconceito, de séculos atrás, que culpa a mulher pelas agressões sexuais que sofre. Por mais que tenhamos evoluído desde o descobrimento do Brasil, ainda permanece o hediondo preconceito que leva a injustiças atrozes.

Mariana era “influenciadora digital” e trabalhava como promoter de uma casa noturna. Segundo a versão da moça, em dezembro de 2018, ela foi dopada por um homem que lhe ofereceu uma bebida “batizada”, durante um evento em seu local de trabalho. Em seguida, ela foi levada a uma sala da boate e estuprada.

O caso repercutiu em todo o território nacional, não por sua crueldade, mas porque o suspeito de ser o autor do delito era um homem conhecido e de bom poder aquisitivo. Além disso, conforme as regras leoninas ditadas pelos machistas de plantão, que infelizmente são muitos, a mulher é sempre a culpada e os homens sempre vítimas das circunstâncias. Perante a Justiça, eles se apresentam como “inocentes”, levados por seus incontroláveis instintos e pelos atrativos irresistíveis da ofendida.

O caso Mariana chamou tanto a atenção de nossa “pátria-mãe tão distraída” (parafraseando o magnífico Chico Buarque de Hollanda) que o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei n°5.096/20, denominado Mariana Ferrer e que aguarda sanção presidencial. A nova lei irá preservar as vítimas de crimes sexuais de momentos vexatórios durante seus julgamentos e, acima de tudo, irá garantir a paridade entre réu e vítima.

Esperamos que não mais se ouse menosprezar a dignidade sexual da pessoa que tem a coragem de denunciar o crime e que não mais haja humilhações contra o polo mais fraco da estrutura social. O desrespeito a esses novos ditames poderá levar à responsabilização do autor nas áreas civil, penal e administrativa. O mencionado projeto de lei também prevê a elevação da pena do crime de coação no curso do processo, abrangendo o uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos, para favorecer interesse próprio ou alheio. Nesse caso, a pena será aumentada de um terço em se tratando de crime sexual.

Aproveitando o ensejo, seria importante que o Poder Judiciário e os Ministérios Públicos de todo o país instituíssem varas e promotorias especializadas no atendimento de casos de violência sexual contra mulheres, nas quais somente mulheres atendessem e trabalhassem em processos criminais que se referissem ao público feminino, incluindo a população LGBTQI+, quando for o caso.

Mariana passou por maus momentos durante o julgamento de seu caso: foi desrespeitada e humilhada, chorou na sala de audiência durante o julgamento e pediu encarecidamente para ser levada a sério. Ora, Mariana apenas exigiu que se cumprisse a Lei, obviamente, sendo bom lembrar que ela figurou no processo como vítima, não como acusada. Contudo, não por coincidência, os agentes públicos que atuaram no caso eram todos homens, com exceção da advogada de defesa.

Conforme divulgado pelo Google e ouros sites da internet, a jovem atribuiu ao empresário André de Camargo Aranha o ato de tê-la estuprado após induzi-la a beber um coquetel. O réu foi absolvido no primeiro e no segundo graus. Houve recurso da vítima, para as instâncias superiores, fato que renova nossas esperanças.

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