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O caso Cristiane Machado e o ciclo de violência tragicamente democrático

Saiu no site HUFFPOST

 

Veja publicação original:  O caso Cristiane Machado e o ciclo de violência tragicamente democrático

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Para especialista, caso da atriz que registrou agressões do marido ex-diplomata ressalta que violência doméstica ocorre em todas as classes sociais.

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Por Andréa Martinelli

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“Eu tinha encontrado o amor da minha vida. Ele era meu príncipe (…). Ele me diminuía, me chamava de burra. Ele queria me tirar da vida de atriz (…). Morro de medo de ele me matar.”

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As declarações recentes da atriz Cristiane Machado, 35 anos, que era brutalmente agredida por seu marido, o ex-diplomata Sérgio Schieller Thompson Flores, ao Fantástico, da TV Globo, resumem o ciclo de violência tragicamente democrático que não só transforma o Brasil no quinto País que mais mata mulheres, mas também faz uma vítima a cada 6 horas em todo o mundo.

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Para provar à Justiça que sofria violência de forma constante e tinha medo de ser morta, Machado instalou câmeras de segurança em um dos quartos da residência em que vivia com Thompson Flores no Rio de Janeiro. As imagens, divulgadas pelo programa, mostram a atriz sendo alvo de socos e tapas, além de ser jogada na cama e enforcada com um fio de telefone pelo homem que acreditava ser um “príncipe”.

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O caso, que foi denunciado à 15ª DP (Gávea) e segue em investigação, é, segundo Viviana Santiago, cientista social e gerente de gênero e incidência política da ONG Plan Internacional Brasil, um exemplo da violência que perpassa a vida de muitas mulheres independente de classe e raça:

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“Esse caso é mais um que desmistifica aquela história de que a ‘violência doméstica está restrita a classes sociais menos favorecidas’. Isso não é verdade. Essa violência atinge uma parcela muito grande das mulheres e é fruto de uma violência misógina que ensina aos homens que eles têm poder sobre as mulheres.”

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O que é o ciclo de violência

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Segundo a Lei Maria da Penha, a violência doméstica funciona como um sistema circular que apresenta três fases:

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“Aumento da tensão”: as tensões acumuladas no cotidiano, as injúrias e as ameaças tecidas feitas pelo agressor, criam na vítima uma sensação de perigo iminente.

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“Ataque violento”: o agressor maltrata física e psicologicamente a vítima; estes maus-tratos tendem a ficar mais frequentes e com mais intensidade.

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“Lua de mel”: o agressor envolve a vítima de carinho e atenções, desculpando-se pelas agressões e prometendo mudar.

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Apesar de as imagens mostrarem as agressões e de existirem outras provas – como gravações feitas em celular com ameaças contra a atriz e sua família -, os advogados do empresário negam que elas tenham ocorrido. Afirmam que as imagens foram editadas e que representam uma reação a uma ação anterior que teria sido praticada pela atriz.

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“Essa é uma prática muito comum nesses casos, de forma geral: a linha de defesa desloca a vítima para o banco dos réus”, afirma Silvia Chakian, promotora do grupo de violência doméstica do Ministério Público de São Paulo. “Isso costuma acontecer em casos de violência doméstica, nas tentativas de feminicídios e também em feminicídios consumados”, aponta.

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A defesa de Thompson Flores também considerou ilegal o mandado de prisão por descumprimento de medida protetiva, com o argumento de que, durante os meses de setembro e outubro, o casal conviveu em harmonia. Ainda afirmou que as acusações da vítima são motivadas por interesse financeiro.

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Para Chakian, é um argumento corriqueiro. “A mulher é comumente tida como ‘louca’, ‘descontrolada’, ‘interesseira’ e são utilizados argumentos relacionados ao comportamento social ou sexual dela, como se algum desses argumentos justificasse a violência cometida pelo agressor.”

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A promotora também aponta que criticar a ampla denúncia que culpabiliza a vítima “não quer dizer que o réu não possa se defender, esse é um direito constitucional que todos têm”. “O que é preciso discutir são os limites éticos dessa defesa, que também intensifica o fato de que a violência contra a mulher seja tragicamente democrática no Brasil”, afirma.

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O empresário, que até então estava foragido, se entregou à polícia no domingo (25) e foi transferido na segunda-feira (26) para o presídio Frederico Marques, em Benfica, no Rio de Janeiro.

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Na terça-feira (27), a Justiça decidiu que o pedido de liberdade expedido pela defesa do empresário fosse indeferido para garantir a integridade física da atriz.

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“Eu sou uma sobrevivente. Uma sobrevivente porque eu fui uma corajosa. Eu sei que eu tenho ainda uma luta muito grande, mas hoje foi uma grande vitória”, afirmou Machado em entrevista ao G1.

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No entanto, enquanto o agressor ainda estava foragido, ela relatou sentir uma inversão de papéis: “Eu me sinto a foragida e ele a pessoa livre. Fico com medo de andar nas ruas. Todos os hábitos que eu imagino que ele saiba meus, pela convivência, eu estou mudando. E eu me sinto enclausurada, presa dentro dessa história.”

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Os números da violência contra a mulher no Brasil

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O temor que Machado sentia pela própria vida encontra uma triste base nas estatísticas de feminicídio do País. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres. São 4,8 homicídios para cada 100 mil brasileiras.

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Já o Mapa da Violência de 2015 aponta que, entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram por sua condição de ser mulher. Do total de feminicídios registrados em 2013, 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.

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Pesquisa divulgada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) aponta que, a cada 6 horas, uma mulher é vítima de feminicídio no mundo. A pesquisa ainda mostra que, em 2017, 87 mil mulheres foram vítimas de feminicídio e mais da metade delas (58%), cerca de 50 mil, foram mortas por conhecidos, companheiros, ex-maridos ou familiares. A conclusão é de que o lar é o ambiente mais violento para as mulheres.

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Uma outra pesquisa também realizada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), órgão também submetido à ONU, mostra que, a cada 10 feminicídios cometidos em 23 países da região em 2017, 4 ocorreram no Brasil. Ao menos 2.795 mulheres foram assassinadas na região, no ano passado, em razão de sua identidade de gênero. Desse total, 1.133 foram registrados no Brasil.

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Da lua de mel à denúncia de agressão

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REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Atriz registrou imagens das agressões que sofreu do ex-companheiro.

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Segundo a reportagem do Fantástico, o casal se conheceu em março de 2017 e se casou no civil 8 meses depois. Machado disse que, quando conheceu Thompson Flores, ele era carinhoso, cuidadoso e não dava indícios de que poderia ser violento. Logo após a cerimônia do casamento as agressões começaram: segundo ela, um empurrão e um tapa no rosto.

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“O ciclo de violência está muito bem posto nesse caso”, explica Santiago. “Ela passou por toda a trajetória padrão a que o agressor submete a vítima. O que acontece é que esse ciclo vai quebrando a sua capacidade de fazer uma análise crítica do que está acontecendo. Tudo isso mexe profundamente com a sua crença em si mesma. Essa violência é, antes de tudo, uma violência psicológica”, aponta.

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Machado disse à reportagem que sempre que discordava do empresário, uma briga acontecia. E que, para ela, tudo começou de uma forma sutil até evoluir para um ciúme podador e violento. “Ele me diminuía, me chamava de burra. Ele não gostava do meu trabalho. Ele queria me tirar da vida de atriz. Eu não podia mais ter senha no celular. Ele tinha que ter acesso”, contou.

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Em abril de 2018, a união do casal foi celebrada no religioso. Machado relatou que, antes mesmo de subirem o altar, ela procurou a polícia, e Sergio foi denunciado e preso em flagrante após bater nela e quebrar a casa. À época, ele pagou fiança, e ficou proibido de se aproximar dela através de medida protetiva. Com casamento marcado, contudo, a atriz decidiu perdoá-lo.

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Em casos de violência doméstica como este, Santiago aponta que é comum que perguntas como “por que ela ficou?” ou “por que ela não se defendeu?” estejam presentes. A resposta, explica, é mais complexa do que se imagina: diz respeito tanto à vulnerabilidade frente à violência sofrida, quanto ao estigma na hora de denunciar.

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“A gente vive em uma sociedade que culpa as mulheres simplesmente por serem mulheres. A palavra delas são colocadas em dúvida o tempo todo. “A denúncia vai acabar com o seu casamento”, “como ficam os seus filhos agora?” são frases comumente usadas. E tudo isso faz com que ela seja ainda mais violentada.”

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Além da Lei Maria da Penha, que criminaliza a violência contra a mulher no País, o Brasil hoje também conta com a Lei do Feminicídio para proteger as mulheres e punir os agressores. Matar uma mulher pela sua condição de mulher passou a ser um agravante do crime de homicídio – com pena aumentada de um terço até a metade. Para definir a motivação, considera-se que o crime deve envolver violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

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“Um homem que é violento em uma sociedade que criminaliza a violência contra a mulher faz isso por escolha própria. Porque, além das mulheres, a legislação já diz que isso não é certo e que ele pode ser punido”, diz a especialista. “A utopia é de que, um dia, essa violência não exista mais. Trabalhar para isso é um papel de todos. Inclusive dos homens.”

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Não silencie!

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“Foi só um empurrãozinho”, “Ele só estava irritado com alguma coisa do trabalho e descontou em mim”, “Já levei um tapa, mas faz parte do relacionamento”.

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Você já disse alguma dessas frases ou já ouviu alguma mulher dizer? Por medo ou vergonha, muitas mulheres que sofrem algum tipo de violência, seja física, sexual ou psicológica, continuam caladas.

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Desde 2005, a Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, funciona em todo o Brasil e auxilia mulheres em situação de violência 24 horas por dia, sete dias por semana. O próximo passo é procurar uma Delegacia da Mulher ou Delegacia de Defesa da Mulher. O Instituto Patrícia Galvão, referência na defesa da mulher, tem uma página completa com endereços no Brasil. Clique aqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

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