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O “amor” é o lugar mais violento para a mulher

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Veja publicação original:   O “amor” é o lugar mais violento para a mulher

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Embora tratado muitas vezes como “crime passional”, não é o amor que move esses crimes, mas o ódio e o sentimento de posse.

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Por Waldelúcio Barbosa

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O lugar mais perigoso do mundo para uma mulher não é no meio da rua, numa mesa de bar ou no ambiente de trabalho. É dentro da sua própria casa. Ainda é comum que se refiram aos casos de violência contra a mulher, sobretudo o feminicídio, como “crime passional”, mas especialistas apontam que o que motiva os homens a agredirem as mulheres não é um sentimento de amor, mas de propriedade e ódio por terem sido abandonados ou contrariados.

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Um levantamento divulgado pelo Datafolha mostra que, nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil. Entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico.

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Crédito: Associated Press

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A pesquisa realizada no início de fevereiro revela ainda que, após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda. Há 536 casos por hora no Brasil e quase a mesma proporção de mulheres que dizem ter sido vítimas de algum tipo de violência sexual. Todos esses dados remetem à violência doméstica: 76,4% das mulheres conheciam o autor da violência, a maior parte aconteceu dentro de casa.

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“A mulher está sofrendo violência dentro de casa, aí ela pega o metrô para ir para o trabalho, onde também vai ser assediada. Qual é o lugar seguro, então?”, é com esse questionamento que a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Samira Bueno, comenta, em entrevista à BBC Brasil, o resultado da pesquisa.

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A delegada Luana Alves, titular da Delegacia de Feminicídio em Teresina, afirma que o problema é que muitas vezes a vítima só vai perceber que está sofrendo algum tipo de violência quando ela se torna física, mesmo já vindo de um histórico de violências como a moral, em que sua honra é atingida, sendo xingada e humilhada dentro de casa, mas não entende esse comportamento como violência.

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Crédito: Raíssa Morais

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“Após esse estágio, vai para um grau maior, que é a violência psicológica, em que o homem tira toda a autodeterminação da mulher, onde ela realmente acredita que aquele é o ambiente mais seguro para ela, onde o agressor coloca na cabeça dela que ela não é capaz de ter uma vida melhor, até chegar na violência física. É quando então essa mulher percebe a violência, e quando ela chega na delegacia, nos relata um histórico de 15, 20 anos sofrendo violência sem ter percebido”, afirmou.

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De acordo com a delegada, o ambiente doméstico não é único local mais perigoso para a mulher, pois o problema é que a mulher está dentro de casa, já que até hoje, culturalmente, a mulher é criada para casar. Logo, normalmente, essa mulher está inserida dentro de casa. Mas até mesmo as mulheres que trabalham, são casadas e têm filhos são cobradas para estar dentro de casa.

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“O ambiente em que a mulher mais está presente é dentro de casa, por isso é que ela sofre mais violência no âmbito doméstico, mas a partir do momento em que essa mulher for para o ambiente público, talvez ela sinta também essa violência em outros espaços, tanto que existem as denúncias de assédio moral nas universidades e no trabalho, e os casos do Piauí não são muitos diferentes do restante do Brasil”, acrescentou.

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Luana Alves relata ainda que, no Estado, os casos tanto de tentativa de feminicídio quanto do próprio assassinato de mulheres e meninas por questões de gênero, em função do menosprezo ou discriminação à condição feminina, são, em suma, cometidos por companheiros ou ex-companheiros que não admitem a autonomia da mulher. “A mulher percebeu e enxergou que aquele tipo de relacionamento abusivo não está lhe fazendo bem e ela quer ter autonomia e é muito difícil para um homem que foi criado em um ambiente extremamente machista, em que ele domina, ter uma mulher que tenha autonomia e que não quer mais saber dele”, avaliou.

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Rede de proteção deve funcionar de forma célere

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Para que o número de denúncias cresça, a delegada Luana Alves defende que as ações da rede de proteção a mulher têm que funcionar, tanto no âmbito da Secretaria de Segurança, quanto a garantia de educação aos filhos. O Judiciário tem que ser efetivo e deferir a medida protetiva de forma rápida, assim como a assistência de saúde e psicológica e o serviço social.

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“A partir do momento em que a mulher denuncia a violência, ela fecha a porta do lar dela e tem que ter ajuda fora de casa por meio da Delegacia da Mulher. Então, ela tem que ser protegida com medida protetiva, com prisão, com inquérito célere. A Lei Maria da Penha diz ainda que a Delegacia da Mulher tem que acompanhar essa mulher no IML, acompanhar até a casa dela para buscar os objetos pessoais e encaminhar para uma casa abrigo”, esclarece.

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Maria da Penha deu nome à Lei de combate à violência contra a mulher | Crédito: Divulgação

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A delegada declarou ainda que a Lei Maria da Penha é uma política criminal que veio para tornar a punição na conduta do agressor mais eficaz. “A lei funcionando, pode gerar uma política criminal de feminicídio, com certeza. Acontece que a violência é muito grande e as instituições estão tentando, ao máximo, absorver tudo, no entanto, tem um momento que a demanda do crime é maior do que o crescimento das instituições, mas a Lei Maria da Penha é uma lei que fez uma revolução no sistema jurídico do país”, analisou.

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A delegada acredita ainda que se Lei Maria da Penha, a Lei do Estupro, a Lei do Feminicídio e a de importunação sexual funcionarem, haverá uma mudança cultural a longo prazo, pois se os casos de agressões e de feminicídio forem julgados e os agressores presos, cumprindo a pena, terá uma eficácia. Homens e mulheres vão criar seus filhos ensinando que é proibido bater em mulher.

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“Hoje os pais vão dizer isso aos filhos com medo da cadeia, mas daqui a 10, 20 anos essa ‘ideia de não bata, maltrate ou mate mulher’ será transmitida de geração em geração, não por medo da prisão, mas porque já se inseriu o respeito na sociedade e o machismo será algo esquecido no país. Estamos trabalhando para isso”, defende.

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Luana Alves ressalta ainda que o Piauí é um Estado extremamente avançado no que se refere à proteção das mulheres com um trabalho muito à frente de qualquer outro Estado do país. Ela lembra que a primeira delegacia de feminicídio do Brasil foi a do Piauí. “Aqui no Piauí, junto com a Delegacia de Feminicídio, existe um Departamento de Proteção à Mulher, que gere delegacias no Estado inteiro para atender mulheres e ainda um núcleo de estudos que analisa e estuda o fenômeno da violência contra a mulher para sugerir políticas públicas ao governo”, pontuou. (W.B.)

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52% das mulheres ainda não denunciam o agressor

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Os novos dados divulgados pela pesquisa Datafolha, encomendada pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para avaliar o impacto da violência contra as mulheres no Brasil, corroboram o que outras pesquisas já mostravam. Grande parte das mulheres que sofreram violência diz que o agressor era alguém conhecido (76,4%). Mulheres pretas e pardas são mais vitimadas do que as brancas; as jovens, mais do que as mais velhas.

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Crédito: Raíssa Morais

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A advogada e socióloga Jahyra Oliveira, cujo tema de mestrado foi a “Perspectiva de mulheres em situação de violência doméstica e familiar nas rotas críticas em Teresina”, afirma que as relações de gênero, entre homens e mulheres, são relações de poder e desigualdade, de forma que homens detêm mais poder que as e sobre as mulheres. Isto porque existe uma estrutura social ainda vigente que, ao construir o masculino e o feminino, coloca aos sujeitos (homens e mulheres) essa desigual distribuição de poderes.

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“Essa desigualdade implica em submissão e dependências das mulheres para com os homens e em alguma medida deles também para com elas, tanto que diante de um término, eles muitas vezes acabam por matá-las por não aceitarem o fim”, afirma.

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De acordo com a socióloga, assim como há uma diversidade de sujeitos nessas relações, são homens e mulheres, no plural, que por mais que tenham em mente as mesmas diretrizes, por assim dizer, do que é ser homem e do que é ser mulher, se deparam com variações dessa relação – de ordem econômica, étnica, religiosa, social, familiar, há uma diversidade de motivos que ainda corroboram para as permanências e para o silêncio das mulheres.

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“Os mecanismos institucionais criados e organizados pela legislação são de grande relevância para o enfrentamento a esse tipo de violência (doméstica e familiar), no entanto, por se fundamentarem, estas relações que culminam em violências, em questões culturais que compõem a educação de meninos e meninas, homens e mulheres, logo para se enfrentar a violência doméstica e familiar contra as mulheres não basta o trabalho de remediar, faz-se necessário fortalecer as ações de prevenção que também já são feitas, mas assim como os mecanismos institucionais de atendimento e proteção especializados precisam cada vez mais de crescimento e aprimoramento”, analisou. (W.B.)

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É preciso problematizar relações entre homens e mulheres

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Para a Jahyra Oliveira, quando se previne, se problematizam essas relações automaticamente, as pessoas passam a se sentirem encorajadas a denunciar, por elas ou por outras que vivam em situação de violência doméstica e familiar, além de procurar os mecanismos institucionais para a ruptura dessas relações. “E também, por consequência, a conscientização oriunda dessas problematizações pode contribuir para a melhoria desses mecanismos, tanto no sentido de pressionar o poder público a investir na estrutura do que já existe, quanto para aumentar esses mecanismos e seu alcance”, disse.

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A pesquisa sobre violência doméstica e rotas críticas percorridas pelas mulheres revela que quando se propõe problematizar as relações entre homens e mulheres, é porque é preciso dialogar, e rever, sobre a história de direitos e deveres de homens e mulheres. “É notório nos discursos de agressores que aí estão, ao agredirem esposas, namoradas, companheiras, mães, o fazem porque entendem que estão a exercer um direito, que estão a corrigir uma falha delas enquanto mulheres. Ao passo que as mulheres que vivem estas situações de violência carregam muitas culpas relacionadas também a esta ideia de que falharam no cumprimento das atribuições do feminino”, finaliza. (W.B.)

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