Saiu no site REVISTA CLAUDIA
Veja publicação original: Nunca nos sentimos tão sozinhas como agora
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As redes garantem conexão em tempo quase integral. Entretanto, pesquisas indicam que nos sentimos cada vez mais solitários
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Por Bárbara dos Anjos Lima e Vand Vieira
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“É impossível ser feliz sozinho”, já cantava Tom Jobim na canção Wave, de 1967. Além de fazer versos lindos, o maestro sabia das coisas. Afinal, somos seres sociais por natureza e a humanidade só chegou até aqui porque nossos ancestrais se organizaram em grupos para sobreviver. Mas, justamente no momento de maior conexão da história, em meio a 7,5 bilhões de pessoas no mundo, esbarramos em uma contradição. Cada vez mais ligados por smathphones e desconectados na vida real, vivemos a epidemia da solidão.
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O sentimento não escolhe idade. No Reino Unido, uma pesquisa do governo comprovou que a sensação de isolamento atinge 9 milhões de cidadãos, algo em torno de 15% da população. O mesmo estudo mostrou que uma em cada três pessoas com mais de 75 anos acha que a sensação de solidão está fora de controle.
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Os jovens não ficam muito longe. No ano passado, enquanto analisava o comportamento da geração Z (os nascidos entre os anos 1990 e 2010) para tentar prever como seriam os líderes do futuro, a publicitária e estrategista em comunicação Cintia Gonçalves concluiu que boa parte dos jovens vive uma solidão sem precedentes, embora passem muito tempo em contato com outras pessoas graças ao uso de computadores, smartphones e tablets. A conclusão vai ao encontro de diversos estudos recentes sobre tecnologia e comportamento.
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Aliás, o número de dispositivos conectados à internet superou a população humana em 2008 e, de acordo com projeções da Cisco, gigante no segmento de TI e redes, deve chegar a 550 bilhões em 2020 se incluirmos na conta televisões inteligentes e carros, entre outros itens que já existem ou ainda não foram sequer pensados. No Brasil, por exemplo, estima-se que cada um de nós terá pelo menos três desses aparatos em 2022, ultrapassando com folga a marca de 724 milhões de gadgets. “Isso pede uma avaliação mais crítica dos efeitos da hiperconectividade e da qualidade da nossa interação online”, diz a pesquisadora gaúcha, que mora em São Paulo.
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Sozinha sim, solitária não
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Solidão tem mais a ver com um sentimento do que com um fato concreto. Não há nada de errado em pular a happy hour e ir direto para casa após uma semana intensa de trabalho ou adiar aquele reencontro com colegas de um antigo emprego para maratonar a nova temporada da sua série favorita. “Curtir a própria companhia, sentir prazer nas coisas que faz enquanto ninguém está por perto ou até olhar para dentro a fim de resolver alguma questão faz parte do nosso desenvolvimento emocional”, afirma a psicóloga Dorli Kamkhagi, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo. “O problema é quando a convivência com o outro se torna repulsiva ou exige um esforço excessivo. Ou ainda se a pessoa já não abre mão do virtual para viver experiências reais”, completa.
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Não são poucas as evidências de que apenas reunir os amigos em um grupo de WhatsApp ou conhecer vários pretendentes no Tinder não nos preenche – lembre-se de que somos seres programados para viver em comunidade. Em um trabalho coordenado pela psicóloga Melissa Hunt, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, 143 pessoas foram divididas em dois grupos. Um deles teve acesso ao Instagram, Facebook e Snapchat por 30 minutos (dez para cada plataforma) ao dia. Conclusão? Três semanas depois, a turma que ficou mais tempo offline apresentou menos sinais de solidão e depressão e demonstrou redução da ansiedade e do medo de perder oportunidades. Isso significa que mesmo uma mudança de hábito menos radical, limitando-se a 30 minutos diários para cada rede, oferece benefícios. “Quando não estamos ocupados com os aplicativos sociais, tendemos a investir mais tempo em atividades que nos fazem nos sentir melhor com a vida”, disse Melissa em um comunicado à imprensa.
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Experimentos semelhantes podem ajudar a compreender como os millennials (os nascidos entre 1980 e 1990) e a geração Z registraram índices maiores de solidão em comparação aos baby boomers (1945-1964), conforme mostrou uma pesquisa de 2018 da Cigna, organização americana de serviços de saúde. Dos 20 mil voluntários, os jovens entre 18 e 22 anos correspondiam à maioria dos casos de isolamento social, com mais da metade se identificando com dez dos 11 sentimentos associados à solidão. Ao todo, o levantamento aponta que 46% dos americanos às vezes ou sempre se sentem sozinhos e só 53% definem suas interações sociais diárias como significativas.
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Mente carente, corpo doente
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Para além da depressão, os riscos que esse cenário representa para a saúde impressionam. Um compilado de dados de quase 4 milhões de pessoas apresentado na 125ª Convenção Anual da Associação Americana de Psicologia comparou a mortalidade da solidão com a da obesidade. Os especialistas concluíram que uma pessoa que constantemente se sente solitária pode ter uma redução de 15 anos na expectativa de vida, o equivalente a fumar 15 cigarros por dia. Isso sem falar no risco de demência, insônia, problemas cardiovasculares, câncer e outras doenças crônicas e inflamatórias.
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“O simples ato de caminhar na rua tem um efeito diferente no organismo dependendo se estamos acompanhados ou não”, diz o psiquiatra Rodrigo Bressan, professor na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. “Quando estamos sós, automaticamente entramos em um estado de alerta que libera substâncias relacionadas ao estresse de hipervigilância, o que pode, sim, acabar sendo prejudicial a longo prazo se for algo contínuo”, completa.
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(Des)conectados
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Como uma ferramenta que teoricamente serve para unir pessoas pode estar colaborando tanto para o aumento da solidão e do isolamento social? A resposta está na qualidade, e não na quantidade, dessas relações. “O que vemos na maioria dos casos são amizades superficiais, em que não há uma troca, a não ser de curtidas e breves comentários”, diz Cintia. “Muitos chegam ao ponto de mudar características físicas ou de personalidade para criar uma persona que creem ser sua melhor versão”, afirma Dorli.
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Outra consequência de estar sempre conectado é, por incrível que pareça, a falta de conexão. Você já deve ter reparado que nas redes sociais cada vez mais as pessoas divergem – batendo boca mesmo. Parece que, online, nos esquecemos de alguns códigos de respeito mais presentes nas relações offline. Para tentar interromper esse fenômeno, não basta desligar o celular (ainda mais se for para ficar em frente à TV) ou sair de duas das cinco redes sociais em que você provavelmente tem perfil. “A questão é muito mais sobre a qualidade do tempo que passamos na internet. Não dá para sua timeline causar frequentemente aquela sensação de que só a sua vida não é perfeita, de que só você não está rodeada de amigos nas melhores festas ou fazendo viagens incríveis”, diz Rodrigo. Por mais cômodo que seja conhecer pessoas e interagir com elas sem sair de casa, vale a pena ver e falar com amigos e familiares ao vivo e em cores. Olho no olho, tom de voz e expressões corporais ajudam na conexão. Até porque, por mais avançada que seja a tecnologia hoje em dia, ainda está longe de reproduzir certas sensações – por exemplo, a de um abraço bem apertado, como aqueles que a gente dá e recebe sempre que as agendas se alinham e o tão adiado reencontro finalmente acontece.
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