Saiu na MARIE CLAIRE
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Na véspera de Natal, a juíza Viviane Vieira do Amaral, 45 anos, foi brutalmente assassinada pelo ex-marido, o engenheiro Paulo José Arronenzi, pai de suas três filhas. O crime ocorreu na Barra da Tijuca, na frente das crianças. A data não será lembrada pela troca de presentes, abraços e uma ceia típica da festividade. São memórias eternamente manchadas de sangue. Mas não foi somente o Natal de Viviane que terminou em feminicídio. Ao menos outros cinco casos estamparam as manchetes brasileiras na data.
Thalia Ferraz, 23, de Jaraguá do Sul (SC); Evelaine Aparecida Ricardo, 29, de Campo Largo (PR); Loni Priebe de Almeida, 74, de Ibarama (RS); Aline Arns, 38, de Forquilhinha (SC); e Anna Paula Porfírio dos Santos, 45, de Recife (PE), foram vítimas de feminicídio no Natal de 2020. Anna também foi morta na frente da filha, de apenas 12 anos.
O Brasil teve uma mulher assassinada a cada duas horas em 2018, apontou o Atlas da Violência 2020. No período entre 2008 e 2018, o país registrou aumento de 4% nos assassinatos de mulheres. A psicóloga, pesquisadora sobre combate à violência de gênero e fundadora do coletivo de rede de atendimento à mulher Divam, Mayara Ferreira, explica que, apesar da violência de gênero estar presente durante o ano inteiro, em momentos de festividade é comum o aumento das ocorrências.
“É importante dizer que não é um caso específico de 2020. O caso da juíza foi emblemático porque evidenciou que não é uma questão de classe, nem de raça. Claro que mulheres negras sofrem mais com violência de gênero. Mas mulheres ricas, brancas e com poder também sofrem”, analisa.
Marie Claire também conversou com a promotora Gabriela Manssur para entender porque nessa época do ano as mulheres estão ainda mais vulneráveis nas mãos dos ex-companheiros. “Natal é um momento em que se comemora em família, há um sentimento de nostalgia e os homens que estão afastados das suas famílias por conta da violência contra a mulher – inclusive por atos cometidos por eles – se sentem ainda mais afrontados pela quebra do estereótipo feminino, de uma mulher que fez suas escolhas e rompeu o relacionamento que era abusivo, violento”, explica a promotora.
Ambas as especialistas alertam para o uso de álcool e drogas durante o fim do ano, não que seja uma “desculpa”, mas um fator que deixa o agressor ainda mais violento. “Se o homem que já é violento faz uso dessas substâncias nessa época e ainda vive em uma sociedade como a nossa, com toda uma estrutura de poder e machismo, na cabeça dele, a violência se justifica”, conta a psicóloga.
Gabriela acrescenta que o homem abusivo culpa a mulher pelos próprios atos e enxerga a relação com a companheira ou ex-companheira como uma estrutura de poder – na qual ele é o soberano. E perder isso, faz com que ele se sinta frustrado. Outros pontos levantados são as consequências que a pandemia trouxe para as relações. Divórcios e perdas financeiras também afetam a autoestima de homens criados em meio ao machismo.
“Todo o sentimento de raiva, de ódio, que é típico desse machismo estrutural, faz com que eles fiquem ainda mais violentos. É um momento de reflexão, no qual eles questionam: ‘Cadê minha família? Aquela filha da mãe me denunciou e pediu uma medida protetiva, se estou afastado a culpa é dela. Acabou com a minha vida!’”, exemplifica.
Mas sentir frustração é algo normal da vida, assim como lidar com perdas. Para as especialistas, o feminicídio é um crime motivado por ódio, machismo e sensação de impunidade. “O feminicídio é o último ato de violência contra a mulher, mas há outros atos que antecedem. Ameaças, agressões físicas e/ou psicológicas. Mulheres que vivem manipuladas, filhos que vivem manipulados”, acrescenta Gabriela.
A juíza Viviane Vieira do Amaral foi morta com dezesseis cortes e perfurações a faca, dez deles no rosto e na cabeça. Na frente dos filhos com idades entre 7 e 9 anos. “É um crime de muito ódio. Não é uma facada, são muitas. Essa é a grande característica do feminicídio, o homem tem ódio colocado nessa mulher, que está personificando todas as questões que ele não sabe resolver com ele mesmo com todos os machismos incutidos na cabeça dele”, explica a psicóloga.
Ambas recomendam que mulheres em situação de violência façam boletins de ocorrência, peçam medidas protetivas, que as mantenham, não importa se o homem prometer melhorar ou mudar, pela proteção delas e dos filhos. Criar uma rede de apoio forte também é essencial. “Uma medida protetiva vai te salvar? Não, mas, de alguma forma, consegue atenuar esse tipo de situação. Colocando obstáculos. Se a gente ouve uma ameaça, tem que levar a sério. As pessoas pensam que ele está nervoso, que é da boca para fora. Da próxima vez que ele estiver nervoso, ele pode, ao invés de falar, agir”, alerta Mayara.
Para Gabriela, qualquer mulher que passa ou passou por um relacionamento abusivo deve estar sempre alerta. “Nós nunca mais temos sossego. É difícil falar isso, mas é a realidade”, diz e completa: “É urgente a tomada de medidas que consigam frear a violência contra a mulher. Leis mais rígidas, penas mais altas. Não estamos falando de crimes patrimoniais, não estamos falando de alguém que é vítima da sociedade. Estamos falando de crimes sobre o comportamento das pessoas.”