Saiu no site INSTITUTO GELEDÉS
Veja publicação original: “Não se pode defender apenas algumas igualdades”, pedem as feministas negras
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Ainda “estamos na fase da infância” do feminismo negro em Portugal, mas há um novo contributo de peso. O Inmune, o Instituto da Mulher Negra, nasce da vontade de várias mulheres de tomar a palavra na produção de conhecimento, sem deixar de fora a acção comunitária.
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Por Aline Flor
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“Somos uma entidade feminista interseccional e somos uma entidade anti-racista. Isto é o que nos une e o que nos caracteriza”, descreve Joacine Katar Moreira, presidente — ou “presidenta”, como pede para ser tratada — do recém-criado Inmune, o Instituto da Mulher Negra em Portugal. “O facto de sermos o instituto da mulher negra não significa que todas as nossas preocupações tenham que ver especificamente com questões do racismo e do sexismo. Não se pode defender apenas algumas igualdades”, defende a investigadora do ISCTE, sublinhando a importância de olhar para outras formas de discriminação — que atingem as mulheres negras e não só —, como o preconceito contra pessoas LGBT, pessoas com deficiência e as desigualdades económicas estruturais. “Temos que ser educados para ouvir.”
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Actualmente, o núcleo duro do Inmune é composto por 27 fundadoras, às quais se juntam outras associadas. Estão distribuídas por oito departamentos — da ciência ao queer, da cultura à infância —, tantos como as áreas em que cada uma sente que pode contribuir para melhor conhecer e apoiar outras mulheres negras em Portugal. São académicas, artistas, designers ou técnicas de serviço social; há portuguesas e de outras origens, muitas residentes em Lisboa mas também de outras regiões e até emigradas.
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A designação de “instituto” não é meramente estética. Além da intervenção comunitária, há na sua missão uma componente de reflexão, uma aposta na produção de conhecimento sobre as vivências das mulheres negras na sua diversidade. Educação, acesso à saúde, ao emprego, habitação, universidades, justiça — são várias as áreas em que têm encontrado discriminação e invisibilização, ou seja, o não reconhecimento e aceitação da sua presença. São muitas vezes olhadas com surpresa quando mostram outras faces além destas duas dimensões da sua identidade — mulheres e negras. “Retiram ao sujeito negro o lugar de multiplicidade”, lamenta a designer Neusa Trovoada, do departamento de comunicação da Inmune. “É como se só pudéssemos ser uma coisa, e quando somos diversas coisas, as pessoas espantam-se.”
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“Mulheres diversas”
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Neusa Trovoada, 45 anos, é natural de Angola e vive em Portugal desde os sete anos, com uma passagem por Inglaterra. Numa voz doce que não denuncia a idade, fala sobre a solidão que pautou o seu percurso, em espaços como a universidade ou o mercado de trabalho qualificado, e sorri ao recordar os momentos de encontro que lhe mostravam que não era a única. Contudo, olha para raparigas mais novas na família e vê que pouco mudou nas suas vivências. É isto que a motiva a abraçar a militância — para provocar o abanão necessário para que as coisas mudem.
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Joacine Katar Moreira reconhece que ainda “estamos na fase da infância” do feminismo negro em Portugal, sublinhando a importância do florescimento de novos colectivos que possam trazer perspectivas diferentes. “As mulheres negras são diversas, quantas mais associações, melhor.” Vários contributos chegam através do activismo e do conhecimento que é produzido em outros países, como o Brasil — uma das inspirações do Inmune é o Geledés, o Instituto da Mulher Negra brasileiro —, mas “é necessário que haja um enquadramento, uma readaptação”. E mais estudos sobre as características deste cruzamento entre racismo, sexismo e outras discriminações na vida das mulheres negras em Portugal.
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Outro contributo que o Inmune pretende dar é repensar a forma como olhamos para o mundo. Uma das ideias para o próximo ano é criar um manual de comunicação inclusiva, para reflectir sobre a linguagem “masculina e colonizada”, das palavras aos conceitos — porque não são apenas as palavras que importam, mas as ideias que nos levam a escolhê-las. Joacine Moreira recorda o momento em que decidiu reivindicar a palavra “presidenta”, a exemplo de Pilar Del Rio, que sugeria que este feminino não existia porque não era um cargo ocupado por mulheres. É preciso também olhar de outra forma, afirma a investigadora, para a História. Nos tempos da escola, estranhava a narrativa de que as pessoas negras tinham sido docilmente escravizadas. E, de facto, não o foram, mas “há uma omissão da resistência”. Um apagamento que vai desde as revoltas dos povos africanos até ao presente, ao não reconhecimento das resistências quotidianas de muitas mulheres.
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É precisamente com o objectivo de repensar alguns conceitos que surgem as “Conversas às escuras”, reuniões regulares que não se querem “um encontro de egos, mas um encontro de almas”. A primeira conversa aconteceu no sábado e juntou a “presidenta” da Inmune e a investigadora Inocência Mata, da Universidade de Lisboa. Joacine Moreira explica que “normalmente o obscuro, o oculto, o sombrio, estão associados ao mistério, mas igualmente a algo negativo, algo que, mesmo existindo, não pode ser reconhecido”. “Qual é o problema em ser uma ovelha negra?”, brinca a investigadora.
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É preciso, portanto, retirar a carga negativa a estas expressões — uma reconceptualização que não é de agora, bebendo, por exemplo, do movimento francês que se apropriou do conceito de negritude. Por vezes, diz, também é preciso “transformar as palavras em expressões revolucionárias”. Não tem medo de que a ideia seja considerada radical? Joacine Katar Moreira ri-se calorosamente, acolhendo a palavra. “A evolução nunca se fez com os conformados e os conservadores. Se não houvesse pessoas radicais, não haveria liberdade.”
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