Saiu Na Marie Clarie.
Veja a Publicação original. Um espinafre está murchando na gaveta de vegetais na geladeira. Apesar de estar fechada no escritório do meu apartamento, trabalhando durante a maior crise sanitária da história, o espinafre é como um volume incômodo que toma os meus pensamentos, uma massa vegetal que vai se desdobrando no meu cérebro, até que suas folhas verdes acabam ocupando quase a totalidade da minha cabeça, com ramificações inesperadas. Através do espinafre, último representante de alimento fresco na geladeira da casa, penso que já está na hora de ir ao mercado, que devo fazer uma lista mais inteligente para evitar o desperdício de alimentos. Lembro que acabou o papel higiênico, e que talvez não tenha arroz o suficiente para o jantar, logo também me preocupo se minha filha está se alimentando de forma saudável na pandemia e que isso é importante para sua imunidade. Será que deixei alguma vacina do calendário infantil passar? Tenho que procurar a caderneta. E dar um jeito na gaveta de documentos. O espinafre é a madeleine de Proust, no livro em Busca do Tempo Perdido. Mas ao invés de me transportar para minha doce juventude, o espinafre me transporta para uma lista infinita de afazeres domésticos que devem ser executados. Sou vencida por essa avalanche de planejamento mental, saio do escritório, vou até a cozinha e aviso para o meu marido que está responsável pelas refeições do dia:
– Você pode refogar o espinafre para o almoço?
Ele responde:
– O que é refogar?
A história, que virou piada na nossa família, é um exemplo de como funciona a carga mental, termo criado por teóricas feministas para designar o trabalho intelectual, mental e emocional que as mulheres executam. A carga mental é um trabalho invisível de planejamento das tarefas domésticas e de gerenciamento familiar. A ideia não é nova. Foi intuída na década de setenta pela escritora e ativista Silvia Federici, aperfeiçoada por pesquisadoras e feministas ao longo do tempo, mas ganhou corpo e fama nas redes sociais através de um artigo do The Guardian, da colunista Jess Zimmerman, que ironizava o fato de existir uma cultura que acredita que mulheres são multitarefas e que são naturalmente desenhadas para executar funções do lar.