Saiu no site TRT 4
Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no mês de junho, revelou que as mulheres receberam, em 2022, salários mais baixos que os dos homens em 82% das áreas pesquisadas.
O salário médio das mulheres foi de R$ 3.241,18, valor 17% menor que o dos homens, de R$ 3.791,58.
Foram mapeadas 357 áreas e, em apenas 63 delas, as mulheres ganharam, em média, o mesmo ou mais que os homens, número que representa somente 18% das atividades.
As informações são do Cadastro Central de Empresas (Cempre), que reúne dados de empresas e de seus empregados, inclusive salários. Apenas os empresários enquadrados como Microempreendedor Individual (MEI) não integram o cadastro.
Nas áreas da Saúde, Educação e Artes, cultura, esporte e recreação, que registram maior atuação feminina, as diferenças persistiram. Veja alguns exemplos:
Saúde humana e serviços sociais (2.549.522 mulheres e 860.499 homens)
salário médio delas: R$ 3.069,17
salário médio deles: R$ 3.794,81;
Educação de ensino médio (838.455 mulheres e 337.549 homens)
salário médio delas: R$ 3.985,91
salário médio deles: R$ 4.218,73
Atividades imobiliárias (100.470 mulheres e 88.429 homens)
salário médio delas: R$ 2.694,88
salário médio deles: R$ 3.171,52
Extremos
A área em que as mulheres ganharam 309,4% menos que os homens foi a de fabricação de mídias virgens, magnéticas e ópticas. No setor, homens ganharam R$ 7.509,33, enquanto mulheres ganharam R$ 1.834,09.
O oposto acontece nos organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais. Nessa área, as mulheres receberam salários médios 47,7% maiores que os dos homens: elas tiveram um ganho médio de R$ 9.018,70 e eles, de R$ 4.717,09.
Análise
Para a cogestora regional do Programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade, juíza do Trabalho substituta Lúcia Rodrigues de Matos, a pesquisa revela uma injusta distribuição social dos papéis a mulheres e homens.
“Pode-se ver que, nas funções mais diretamente ligadas aos cuidados (saúde e serviços sociais), há a maior presença feminina, com a maior diferença salarial dentre as ocupações analisadas. Essa informação também remete a outro dado estruturante, consistente na naturalização histórica da atribuição às mulheres do trabalho de cuidados familiar, não remunerado”, ressalta a magistrada.
Lúcia também considera que as distorções serão ainda maiores se forem acrescentados ao marcador de gênero outros marcadores sócio-históricos de vulnerabilidade, como raça, etnia, classe social, orientação sexual, identidade de gênero, condições de pessoa idosa ou com deficiência, e suas múltiplas interseccionalidades.
Como agir em caso de discriminação salarial
A juíza Lúcia lembra que as mulheres vítimas de discriminação salarial têm várias normas em seu favor, cujo cumprimento pode ser cobrado na Justiça do Trabalho, um exemplo são as normas construídas pela luta coletiva no âmbito sindical.
No campo internacional, a magistrada cita que o Brasil é signatário da Convenção n.° 100 da OIT, que consagra a igualdade de remuneração entre mulheres e homens para trabalho de igual valor, assim como da Convenção nº 111, que impõe a eliminação de todas as formas de discriminação em todos os aspectos do emprego.
As Convenções, como tratados de direitos humanos, têm eficácia supralegal, segundo o STF (RE 466.343-1/SP de 2008). A Constituição de 1988 proíbe a diferença salarial em questão, no art. 7º, XXX, o que também tem previsão no art. 461 da CLT, que trata do direito à isonomia salarial, mediante vedação expressa de distinção por gênero.
Recentemente, entrou em vigor a Lei n.° 14.611/23Abre em nova aba, sobre a igualdade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens “Essa lei estabelece que, em hipóteses de discriminação salarial, a mulher tem direito, além das diferenças salariais, à indenização por danos morais”, destaca a juíza.
Conscientização
A juíza Lúcia diz que para o enfrentamento de problemas estruturais é imprescindível que cada agente social cumpra o seu papel, o que começa com a visibilização da questão e segue com o compromisso para a efetiva superação.
Ela recorda que a Lei n.° 14.611/23 prevê o estabelecimento de mecanismos de transparência e fiscalização do seu cumprimento, impondo algo relevante: a disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial, medida a ser implementada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (art. 4º, III, do Decreto 11.795/23).
Outro importante mecanismo para enfrentamento das diferenças, de acordo com a magistrada, é o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2021. Lúcia diz que esse Protocolo, como instrumento de orientação à magistratura, que inclui capacitação em direitos humanos, gênero, raça e etnia, em perspectiva interseccional, permite que a função jurisdicional seja pautada na concretização do direito à igualdade substancial entre mulheres e homens, rompendo com culturas de discriminação e preconceitos. (Resolução CNJ n.° 492/2023Abre em nova aba).
“A luta contra a discriminação, que se revela em muito na diferenciação salarial, mas que nela definitivamente não se esgota, é uma responsabilidade de toda a sociedade, em esforço contínuo e vigilante, até que se atinja um patamar aceitável de dignidade no mundo do trabalho e em todas as demais relações humanas”, conclui a juíza.