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Mulheres se queixam de assédio no Uber e criam táticas de defesa

Saiu no site Folha de São Paulo:

Sexta-feira à noite na zona norte de São Paulo, uma garota de 16 anos chama um carro do Uber para buscá-la no Jaçanã e levá-la até o metrô Tucuruvi, de onde seguiria para sua casa.

O motorista puxa assunto: “Vai sair?”. A adolescente responde que não. “Mas é um desperdício ir para casa”, ele insiste, segundo relato da jovem àFolha. “Não quer ir a uma balada comigo?”. “Não.”

Seguidas negativas –ao menos cinco, diz ela– não impediram que ele seguisse insistindo: “Vou te levar para um lugar legal. Vai ser rápido. Não quer ir a um barzinho?”. “Tenho 16 anos”, disse a menina. “E daí?”, respondeu ele.

No meio do trajeto, segundo ela, o motorista deslizou o dedo pelo celular e encerrou a corrida. “Entrei em pânico”, diz a jovem, cuja reação foi abrir a porta e pular. “Ela me ligou chorando muito, achei que tivesse acontecido um acidente”, conta sua mãe, sobre o caso do fim de outubro.

Mulheres têm relatado casos de assédio envolvendo motoristas do Uber. Outros passageiros reclamam de incômodos durante trajetos do Uber Pool, modalidade que funciona como uma espécie de “carona”, em que pessoas com origem e destino próximos compartilham a corrida.

O treinamento pelo qual passam os motoristas do Uber inclui apenas um curso on-line que ensina como devem se portar durante uma corrida. Mulheres contam como motoristas depois as procuram por redes sociais ou por mensagens de celular, embora o serviço não divulgue os números, e como alguns as elogiam e fazem perguntas incômodas.

Há duas semanas, em Porto Alegre, Karine, 25, que não quis ter o sobrenome divulgado, voltava de uma festa às 5h. Seu condutor “ficou insistindo, fazendo várias perguntas”, diz. “Ele falou que eu era bonita, perguntou minha idade, falando de um modo incômodo, próximo do meu rosto, como se quisesse me beijar.”

A assistente de direção Marisa, 23, recebeu uma mensagem pelo Facebook, segundo conta: “Não vai pegar mais Uber, não?”. Era um motorista que a tinha conduzido no Rio alguns dias antes. “Como tínhamos um amigo em comum, a rede social deve ter me sugerido como amiga.” Em outra ocasião, diz ter ouvido de um motorista, após dizer que namorava: “Se não tivesse namorado, teria te chamado para tomar um chope”.

O mecanismo de controle que a empresa diz usar são as avaliações de usuários que, ao término da viagem, devem dar de uma a cinco estrelas para o motorista e podem fazer comentários, os quais o Uber afirma avaliar. Um condutor precisa ter ao menos nota 4,6 para continuar dirigindo.

Avener Prado/Folhapress

Designer e motorista de Uber, Bruno Fernandes, 25, mantém uma nota 4,9 no aplicativo

Como resposta a essas reclamações, segundo relatos à reportagem, a empresa estornou o valor da corrida ou ofereceu desconto na próxima viagem –no caso de Karine, ela recebeu R$ 5 como compensação após a denúncia.

Marisa, que não denunciou, defende que os comentários nas páginas dos motoristas sejam públicos. Já a adolescente de 16 anos que pulou do carro diz ter notificado o caso à empresa e que não recebeu resposta. Para poder utilizar o Uber, é necessário ser maior de 18 anos.

“Por que os motoristas aceitam, então?”, pergunta a mãe da adolescente. “Eles buscam vários jovens em escolas. Sabem que são menores.” Com medo depois do que passou, partiu de sua filha a iniciativa de instalar no celular um aplicativo que informa à mãe seu paradeiro.

O Uber Pool, em que passageiros dividem a corrida com desconhecidos, também gera problemas. “É estranho pegar Uber com homem. Alguns ficam olhando muito. Mas nada que no metrô não aconteça também”, afirma Dora Figueiredo, 22, estudante e youtuber.

O Uber diz que motoristas que cometem abusos são desligados automaticamente da plataforma. No caso da modalidade Pool, a empresa afirma que é importante usuários relatarem “casos mais sérios”.

TÉCNICAS USADAS POR MULHERES NO UBER

Para precaver-se em casos de assédio, mulheres já estão acostumadas a seguir um protocolo não oficial, mas seguido espontaneamente –por necessidade– por várias: tirar uma foto da tela com os dados do motorista e mandar para grupos de amigas, compartilhar a rota, ligar ou fingir estar ligando para os pais.

“Fico com muito medo, tanto em táxi como em Uber, então costumo ligar para alguém e dizer que estou chegando. Ou envio ‘prints'”, diz a estudante Laura Nunes, 17.

Karine, 25, assediada por um motorista do Uber em Porto Alegre, conta que sempre liga para a mãe. “Mas agora vou começar a fingir que estou falando com meu pai, já que homem respeitam mais.”

Em um grupo de adolescentes no Facebook, uma usuária começou a compilar dados dos motoristas que assediaram meninas para criar um documento compartilhado, uma espécie de “lista negra” dos condutores de Uber.

Laura já cogitou outra “técnica”: pedir especificamente por mulheres motoristas, modalidade inaugurada pela 99Taxis. “Mas é como a proposta do vagão rosa no metrô: não corta o mal pela raiz”, diz, citando a perpetuação do assédio masculino.

A reportagem testou o aplicativo da 99. A sensação de tranquilidade é inegável, comparável ao que uma mulher sente quando vê que é seguida numa rua escura por outra mulher, e não por um homem. Mas há problemas. Em duas noites seguidas, no centro, não havia táxis dirigidos por mulheres com preço reduzido. O carro com preço normal levou, em um dia, 18 minutos para chegar. No outro, 10.

De cerca de 60 mil motoristas cadastrados no aplicativo, só 2% são mulheres, segundo Ricardo Kauffman, gerente de relações públicas da empresa. “A demanda é maior que nossa capacidade de atendimento.” Ele diz que foram 7.000 pedidos desde o dia 17 do mês passado, quando começou a funcionar.

A frota de motoristas cadastradas será ampliada de 500 mulheres no Rio e em SP para 1.500 nas duas cidades. A insegurança nos trajetos não é compartilhada por homens, que reclamam de outras situações: o analista de negócios Israel Rios, 27, se queixa do Uber Pool. Uma viagem sua de 15 km levou mais de uma hora, com paradas para pegar outros passageiros. “O motorista dirigia mal e várias vezes quase bateu.”

OUTRO LADO

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Uber informou em nota que os motoristas “que cometem qualquer tipo de violência são automaticamente desconectados da plataforma” e que faz o “descadastramento de motoristas nos casos de violação dos termos de uso da plataforma ou baixa avaliação por parte dos usuários”.

“Sem qualquer interferência da Uber”, afirma a empresa, motoristas e usuários fazem avaliações mútuas. Em uma escala de um a cinco, motoristas precisam manter uma média de 4,6 para continuar dirigindo.

“Monitoramos muito de perto o funcionamento da plataforma e desativamos usuários que infrinjam os termos de uso. Vale ressaltar que os termos de uso são criados para garantir que a plataforma se mantenha saudável tanto para usuários quanto para parceiros.”

“Em casos mais sérios”, informa a empresa, “é importante que a vítima reporte o acontecimento para as autoridades policiais, que são competentes para investigar situações como essa e tomar todas as medidas cabíveis”.
Além disso, é importante comunicar eventual ocorrência à Uber”, por meio do aplicativo. Os casos são analisados individualmente.

ACOMPANHAMENTO

A empresa ressalta que “nenhuma viagem é anônima, todas são rastreadas por GPS, podendo o usuário compartilhar sua rota com algum amigo, familiar” –o mesmo acontece com famílias que mantêm um perfil conjunto.

“O usuário tem acesso a foto, nome do motorista, modelo e placa do carro”, informa a empresa, e os motoristas passam por checagem de antecedentes criminais. Além disso, afirma, os números de telefone de motoristas e usuários são mantidos em anonimato.

Joel Silva/Folhapress
O analista de negócios Israel Rios, 27, reclama do Uber Pool
O analista de negócios Israel Rios, 27, reclama do Uber Pool

Segundo a empresa, os usuários podem ser desconectados da plataforma se tiverem uma média baixa de avaliações. Outra situação que pode resultar em exclusão ocorre quando a conduta do passageiro viola os termos de uso.

A empresa também afirma no comunicado que acredita “na importância de combater, coibir e denunciar casos de assédio e violência contra a mulher”. “Os parceiros novos recebem vídeos onde podem aprender como os usuários gostam de ser tratados -sempre com respeito e profissionalismo”, diz a nota.

Sobre o Uber Pool, afirma que “a ideia é que o usuário perca menos tempo possível, enquanto colabora para ajudar aumentar a ocupação dos carros na cidade”.

 

Publicação Original: Mulheres se queixam de assédio no Uber e criam táticas de defesa

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