Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE
Veja publicação original: Mulheres não são responsáveis por serem vítimas de violência
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Em sua nova coluna, Suzana Pires ajuda a identificar um relacionamento abusivo, relembrando sua própria experiência
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Por Suzana Pires
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Caríssimas, é certo que vocês estão acompanhando as frequentes notícias sobre feminicídio, violência doméstica e relação abusiva sobre diversas mulheres. Tenho certeza também que, assim como em mim, todas essas noticias causam pavor absoluto em cada DONA DE SI que me lê aqui. Eu fico me perguntando qual vai ser o momento que uma violência dessas vai acontecer comigo. Se eu estou atenta o suficiente para saber reconhecer um agressor travestido de amante. Se a minha carência pode turvar minha racionalidade e me fazer entrar em mais uma relação abusiva. Porque sim, sim, eu já entrei em algumas e sei que cada uma de vocês também.
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O abuso é abuso. Ele tem graus e, graças a muita terapia, consegui sair das relações antes que o abuso psicológico e financeiro se transformasse em abuso físico. Não foram relações fáceis de terminar. Exigiu muita frieza da minha parte, caso contrário, eu poderia enfurecer a outra parte ao ponto de me colocar ainda mais em risco. Com TODAS as mulheres que converso, tanto amigas quanto colegas, ou mulheres que me escrevem ou frequentam minhas palestras, TODAS já foram vítima de relações abusivas e a maioria guarda um traço em comum: SÃO MULHERES PODEROSAS PROFISSIONALMENTE, MAS PRINCESAS, PESSOALMENTE.
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E é aqui que está o nosso desequilíbrio contemporâneo: nossa criação de gênero. Menina é assim e menino é assado. Fomos criadas, ensinadas e gestadas para sermos mulheres obedientes, amorosas, que não ousam chatear nossos pares. Aprendemos a estar bonitas, perfumadas e sempre dizendo SIM dentro da nossa casa, na nossa intimidade; mas, ao mesmo tempo, da porta para fora, lutamos com garra por nosso espaço no mundo, conquistamos nosso sucesso e independência financeira. Pronto. Está armada a equação de nossa tragédia atual. É como se vivêssemos com duas de nós mesmas: uma que conquista o mundo e outra que espera para ser conquistada por um homem que vai CUIDAR dela. Sim, caríssimas, quando chegamos cansadas do trabalho, lá no fundo, queremos um cara que cuide de nós. E é aí que a gente se deixa conquistar por tão pouco.
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Se o cara é um abusador. E, geralmente, ele será porque carentes se atraem por abusadores (NÃO, A CULPA NÃO É NOSSA PELAS VIOLÊNCIAS QUE VIVEMOS, MAS COM CONSCIÊNCIA De NOSSAS FRAGILIDADES, PODEMOS NOS FORTALECER POR COMPLETO). Voltando…o abusador chegará em sua vida tapando todos os buracos óbvios que existem. Ele trabalha menos que você, portanto, ele tem tempo de levar seu carro à revisão; ele tem tempo sobrando, então, ele até vai ao supermercado para você, mas, pra isso, ele precisa do seu cartão de credito. E você dá. Com senha e tudo, afinal, ele está te ajudando. Como ele tem tempo livre, vive bronzeado e malhado. Sim, ele é um gato! E você tem muito tesão nele. Na maioria das vezes, ele tem um corpo melhor que os caras da idade dele ou é realmente mais jovem e, a cada noite, ele sabe como nos relaxar para o dia seguinte.
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Até banho o abusador prepara pra você! Se ele for abusador profissional, faz inclusive o café da manhã! Esse mar de rosas dura alguns poucos meses, porque depois que ele perceber que você está entregue – e, convenhamos, isso não é difícil para mulheres poderosas e carentes, como nós –, aí ele vai começar a viver a vida do jeitinho que ele gosta: ABUSANDO DE VOCÊ. Primeiro, vai fazer o tristonho durante alguns dias, apelando para o nosso lado bondoso que quer ver tudo bem. Aí, ele reclama de algumas coisas: as roupas estão velhas, o tênis, a dor de dente e, depois, ele desconversa, dizendo que não quer falar sobre o assunto.
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Pronto. Você já mordeu a isca. Nos próximos dias, você vai marcar uma consulta para ele em seu dentista, permitindo que seja realizado todo o tratamento necessário e que a conta seja enviada a você. No fim de semana, você vai passar a tarde no shopping com ele comprando roupas e até um bom relógio, para que seu pseudomarido fique feliz. Pronto: ele voltará a sorrir e vai até fazer uma massa para vocês jantarem, tomando um vinho e fazendo amor. “Amor” que estará só em você, não esqueça disso.
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Depois dessa isca do tristonho, ele virá com uma nova cilada: seus problemas familiares. Um pai meio maluco, uma mãe doente, uma ex-mulher psicótica, um filho que precisa dele, questões obscuras na justiça. E, pra resolver tudo isso, ele precisa do seu apoio. Financeiro e logístico, porque, é claro, que você, DONA DE SI, já resolveu problemas piores e vai sanar aquela crise com o “pé nas costas”. E lá se vai seu dinheiro e, o que é pior, lá se vai sua energia e seu tempo tentando acomodar a vida bizarra do seu pseudomarido dentro da sua. Afinal, você quer diminuir a diferença que existe entre vocês e, para isso, é mais fácil você criar desculpas para que ele não tenha sido um bom filho, um bom marido, um bom pai, um bom profissional quando teve que ser.
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Ele nem precisa inventar muita coisa. Nós inventamos por eles, pois nossa angustia em mantê-lo no lugar de vitima é avassaladora. E, enquanto agimos assim, nos tornamos cada vez mais frágeis e dependentes das migalhas que esse cara nos dá e que juramos ser amor e cuidado. Após as iscas anteriores, aí o inferno realmente começa, mas só vamos perceber quando já estivermos destruídas, sem forças nem identidade. A partir desse ponto, seu pseudomarido vai fazer o que quiser com você!
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Ele já CONTROLA toda a sua vida. Tem seu cartão de crédito, suas senhas, já se acostumou a viajar para a Europa com você, a dirigir o carro que você comprou, a se meter em seus relacionamentos. Ele já te afastou de suas melhores amigas e também de sua família. Você está soterrada pelos problemas dele e precisa prestar satisfações a ele sobre tudo o que faz. Ele já não está interessado em fingir-se um príncipe, e começa a beber bastante nas festas que você o leva; dá umas sumidas – e você começa a achar que ele pode ter outra-; mas, claro, você não quer ver isso. Ele passa a te infernizar, responsabilizando a você pelas brigas, te fazendo se sentir culpada por ser a mulher incrível que você é. Ele faz você duvidar do seu valor e, se você não tomar cuidado e acordar, cara DONA DE SI, vai comprometer tudo o que conquistou. E, se continuar nessa relação, você vai, sim, tomar porrada.
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A responsabilidade por nossa tragédia contemporânea não é nossa! É culpa de nossa criação de gênero, que nos transforma em mulheres que creem que, sem um par, estaremos capengas. É hora de tratarmos, nós mesmas, dessa crença-cafona-antiga e que nos coloca em perigo. Não, cara DONA DE SI, nós não precisamos ter “alguém”. Não será ruim você ser bem-sucedida e solteira. Nós precisamos mudar nosso mindset. Não adianta nos empoderarmos profissionalmente e continuarmos convivendo com uma Cinderela fajuta dentro de nós. É hora de pegarmos uma parte do dinheiro que ganhamos e investirmos em TERAPIA, em uma mudança de crença difícil, pois somos adultas. Nós não precisamos de um príncipe abusador, que finge cuidar da gente.Precisamos de parceiros ou ficamos sozinhas mesmo.
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Vamos ficar atentas ao que estamos acreditando como amor. Não, o amor não é o que nos foi ensinado. O amor não é um lugar de agradar. O amor é o lugar onde podemos ser nós mesmas, sem concessão. O amor não pesa. O amor te eleva. O amor te dá energia. O amor não te critica. O amor não te chama de louca. O amor não te diminui. O amor não faz qualquer bobagem e diz que isso é cuidado. O amor não te traz problemas de caráter. O amor não te obriga a resolver questões que não são suas. O amor não te explora. O amor não te bate.
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E mais uma vez: NÓS NÃO SOMOS RESPONSÁVEIS PELA VIOLÊNCIA QUE RECEBEMOS!!!! ISSO É CRIME!!!! NÓS SOMOS RESPONSÁVEIS PELO COMPLEXO DE CINDERELA QUE NOS DEIXA EXPOSTAS E ISSO NÓS PODEMOS MUDAR!
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Esta foi a coluna mais dura que já escrevi. Dura comigo mesma, por ter revisitado tantos erros que minha crença pessoal antiga me levou a fazer. Hoje, não vou dizer que estou completamente curada do “complexo de Cinderela”, mas estou absolutamente consciente e acabo medindo isso pelo novo modelo de homem que comecei a me interessar: aqueles que têm seus problemas pessoais, claro, mas que batalharam por seu lugar no mundo e admiram a minha batalha. Homens que se comprometeram em construir suas vidas da melhor maneira possível, assim como eu me comprometo todos os dias. Homens que não querem fazer bilu-bilu, mas, sim, trocar, construir parcerias equilibradas e realmente amar.
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Entendam que nós só conseguimos ver esses homens quando nos libertamos da “Cinderela cafona” que vive em nós. Esses homens não vão nos dar migalhas de pseudopríncipes e eles não estão em busca de pessoas frágeis para conviver. Esses homens percebem mulheres de grande valor interno e só uma mulher segura de seus valores e de onde ela está no mundo o vai perceber. Não. Não será tão simples quanto é se relacionar e achar um pseudopríncipe. Você passará muito tempo sozinha, e haverá a necessidade constante de se fortalecer perante o julgamento interno e social. Mas estamos juntas, e a busca por nos amar, nos equilibrar para então ter OU NÃO um parceiro será mais agradável.
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Não se permita pagar o alto preço de se relacionar com um abusador somente para “ter alguém” na sua vida. Fique atenta! Fortaleça-se!
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Suzana Pires
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