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Veja publicação original: Mulheres na liderança dão exemplo no combate ao coronavírus
O que descobrimos
- Características femininas de liderança, como cuidado e empatia, se mostraram essenciais no combate à covid-19.
- Um número maior de empresas vem percebendo que equilibrar a gestão entre características masculinas e femininas é o melhor caminho para conquistar engajamento e alta performance.
No lado oposto do ranking da eficiência no enfrentamento da pandemia figuram países comandados por típicos representantes da masculinidade tóxica, como Estados Unidos, Brasil e Rússia.
Há uma explicação para o contraste. Características femininas de liderança, como empatia e cuidado, têm sido fundamentais para encontrar o melhor equilíbrio entre todos os aspectos objetivos e subjetivos envolvidos na crise.
Gente como a gente
O caso da Nova Zelândia é simbólico. Lá, a epidemia foi controlada com apenas 21 mortes, índice de 0,5 por 100 mil habitantes – dez vezes menor que o índice atual do Brasil, que continua subindo a cada dia.
A primeira-ministra, Jacinda Ardern, 39 anos, liderou com sucesso o projeto ambicioso de não apenas achatar a curva de contaminação, mas eliminar o vírus do território o mais rápido possível.
Ela não teve receio de tomar medidas que pudessem soar antipopulares: fechou as fronteiras, apertou as regras da quarentena quando necessário e chegou a decretar lockdown. Mas fez tudo isso com transparência e respeito às diretrizes da ciência.
Cada novo passo foi comunicado à população diretamente pela primeira-ministra, que, além dos pronunciamentos formais, já tinha o hábito de fazer lives no Facebook para falar sobre iniciativas do governo e responder perguntas.
“Às vezes, ela aparece sentada na cama, de moletom, depois de ter colocado a filha para dormir”, conta a arquiteta e artista plástica brasileira Roberta Carvalho, que mora na Nova Zelândia há quase um ano e meio.
Aprovação recorde
Trata-se de mais um capítulo de uma bela história. A Nova Zelândia foi o primeiro país em que as mulheres conquistaram o direito ao voto, em 1893. Jacinda honrou a tradição ao se tornar a primeira líder a participar de uma assembleia-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) com um bebê no colo, em 2018.
“Sinto que emocionalmente estivemos sendo cuidados durante todas as etapas desse combate”, diz Roberta. “Quando a Jacinda anunciou o lockdown, fez isso com uma expressão suave e acolhedora, demonstrando que ali estava uma líder que olharia por todos. Ao mesmo tempo, falava com força e assertividade”, avalia Roberta.
A população reconheceu o desempenho da líder. Em plena crise do coronavírus, ela alcançou um impressionante índice de 88% de aprovação.
Estratégia de retenção
A necessidade do equilíbrio entre características femininas e masculinas é a base da Liderança Shakti, filosofia de gestão criada pela indiana Nilima Bhat que vem ganhando adeptos no Brasil.
A ideia central é que a disseminação nos ambientes corporativos de características associadas tradicionalmente ao feminino, como cuidado e capacidade de adaptação, é fundamental para trazer mais equilíbrio, harmonia e integridade às empresas.
Nilima explica que, ao longo do tempo, determinadas características foram sendo associadas ao masculino e ao feminino por uma soma de influências – biológicas, sociais, políticas e culturais.
A Filosofia Shakti prega que o sucesso de gestores e organizações dependerá cada vez mais da capacidade de transitar das qualidades consideradas mais masculinas para as mais femininas, e vice-versa. Como há um grande desequilíbrio nessa balança em favor dos atributos masculinos, a ação que se faz necessária é dar mais peso às características femininas.
Trata-se, inclusive, de uma questão de sobrevivência, observa Nilima. “Acredito que empresas que não mudarem para culturas baseadas no amor e no cuidado perderão os bons profissionais, que partirão para encontrar melhores lugares para trabalhar ou criarão seus próprios empreendimentos”, ela diz.
Conexão, um novo pilar
A psicóloga Renata Sansoni, consultora especializada no desenvolvimento de lideranças femininas, ressalta que a discussão não deve se basear no mero confronto de gêneros – se as mulheres são melhores gestoras que os homens –, e sim na avaliação sobre o perfil de liderança adequado para o mundo de hoje.
“Será cada vez mais necessário que a liderança seja exercida de forma autêntica e orientada às pessoas, com um olhar mais humanitário de atenção e cuidado. Mulheres tendem a fazer isso mais naturalmente, mas os homens também podem aprender”, diz a psicóloga. Não se trata de bondade, ressalta ela, e sim de uma estratégia para obter motivação e alto desempenho da equipe.
Renata espera que a pandemia represente um marco nessa consciência. “Esta crise veio para escancarar o quanto precisamos mudar o perfil das nossas lideranças, seja de países, seja de empresas. No contexto corporativo, é muito claro como falta habilidade para conectar as necessidades e sentimentos dos trabalhadores com as necessidades do negócio”, ela avalia.
A psicóloga trouxe dos Estados Unidos – onde fez mestrado em gestão de pessoas e psicologia organizacional, concluído em 2018 – uma ferramenta, o Labirinto da Empatia, que busca o equilíbrio das forças dentro das corporações a partir do desenvolvimento da empatia.
“As empresas ainda operam num modelo bidimensional, baseado apenas no pensar e no fazer. A ideia é desenvolver um modelo tridimensional, que inclua ‘conectar’ como um pilar também fundamental”, descreve Renata. “É justamente por meio da conexão que as líderes femininas têm alcançado o sucesso durante a pandemia.”